Clima

COP chega ao fim e dinheiro continua fora de alcance

Reunião da ONU falha em teste importante, mas também obtém sucessos
<p>Secretário-geral da ONU, António Guterrez (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/unfccc/38424923176" target="_blank" rel="noopener">UNclimatechange </a>)</p>

Secretário-geral da ONU, António Guterrez (imagem: UNclimatechange )

A reunião anual de cúpula do clima da ONU em Bonn, na Alemanha, terminou sem acordo sobre o repasse de dinheiro para países em desenvolvimento, mas com a promessa de retomar esse tema espinhoso no ano que vem.

Não obstante as horas extras e até mesmo noites varadas, os delegados dos 195 governos nacionais não conseguiram superar o impasse na reunião, que ocorreu entre os dias 06 e 17 de novembro. Frank Bainimarama, primeiro-ministro de Fiji e presidente da COP desse ano (Conference of Parties, na sigla em inglês), foi finalmente obrigado a bater o martelo e encerrar a questão por enquanto, dizendo que “as discussões continuarão”.

Houve um movimento positivo quanto a outra questão financeira controvertida, ficando decidido que o Fundo de Adaptação – destinado a ajudar os países mais pobres a lidarem com os efeitos das mudanças climáticas – seria protegido pelo acordo de Paris, de 2015. Os países industrializados eram contra isso, por medo de serem obrigados a aportar dinheiro ao fundo, que está quase falido.

Trabalhando a portas fechadas, os delegados também conseguiram finalizar os planos para uma reunião – chamada Diálogo de Talanoa – prevista para a cúpula do ano que vem. O diálogo tinha como objetivo original aumentar os níveis prometidos de controle das emissões de gases do efeito estufa; agora, os países em desenvolvimento conseguiram incluir uma discussão sobre o apoio que eles devem receber dos países desenvolvidos.

Apesar de os delegados dos países ricos terem se recusado a quantificar o suporte financeiro que seus governos disponibilizariam aos países mais pobres nos termos do Acordo de Paris, eles concordaram em prestar contas regularmente sobre os valores repassados. Muitos representantes de países em desenvolvimento viram isso como um passo para frente.

Em um ano com número recorde de tempestades, enchentes e secas, houve pouco avanço sobre como lidar com os aspectos financeiros das perdas e danos associados. Os países industrializados continuaram a insistir que o assunto deveria recair sobre as seguradoras, enquanto os países em desenvolvimento repetiam que os seguros não cobriam muitas dessas catástrofes. Essa questão continuará a ser discutida no ano que vem. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas afirmou que o aquecimento global está gerando enchentes, tempestades e secas mais frequentes e mais severas, aumentando os níveis dos mares, acidificando suas águas e, consequentemente, levando à morte de corais, que são o berçário dos peixes.

Pontos positivos em outras coisas

Houve outros pontos positivos na cúpula desse ano da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima (UNFCCC), com destaque para duas áreas. Os governos conseguiram avanços no desenvolvimento de um “livro de regras de Paris” que permitirá a operacionalização do acordo e entrará em vigor em 2020. Além disso, os países em desenvolvimento conseguiram levantar a discussão sobre o que os países industrializados haviam feito e estão fazendo para combater as mudanças climáticas agora, antes de 2020.

Também foram resolvidos dois outros problemas já pendentes há bastante tempo. Essa 23º cúpula (COP23) finalizou um Plano de Ação de Gênero que dará maior enfoque aos impactos desproporcionais das mudanças climáticas sobre as mulheres, especialmente pelo aquecimento global estar tornando mais incerta a disponibilidade de água. No evento, também foi elaborado um plano para promover a participação mais significativa de comunidades indígenas no processo decisório relacionado ao clima global.

As reações

Enquanto muitos delegados dos países em desenvolvimento saíram da reunião resmungando sobre os “itens não resolvidos da pauta” e as “discussões empurradas com a barriga”, alguns observadores foram para casa com impressões positivas.

“A COP23 entregou o que se propôs a fazer”, disse Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima. “Nós agora temos os processos instalados para concluir o Diálogo de Talanoa e o Livro de Regras para Paris na COP24, na Polônia. Realmente não há tempo a perder; os impactos climáticos devastadores vistos ao redor do mundo esse ano têm sido um lembrete doloroso sobre a urgência de intensificarmos as nossas ações climáticas coletivas”.

Por outro lado, Camilla Born, assessora de políticas sênior da E3G, afirmou que “os resultados modestos das discussões desse ano elevam o padrão a ser buscado pelos países. O mundo real está se preparando para ações climáticas mais amplas, agora os países precisam estabelecer as regras”.

Patricia Espinosa, secretária-executiva da ONU para mudanças climáticas, concentrou seus elogios principalmente no Plano de Ação de Gênero. “Nós sabemos, com base na experiência, que colocar as mulheres no centro do combate às mudanças climáticas poderá resultar em ações mais impactantes, justas e sustentáveis. O plano foi desenhado para fazer exatamente isso. Ele destaca e apoia o papel que as mulheres podem desempenhar e de fato desempenham na construção de resiliência e na adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Ele focaliza a atenção do mundo em como nós podemos transformar palavras em ações”.

Paula Caballero, diretora global do Programa Climático do World Resources Institute, afirmou que “conforme as mudanças climáticas se intensificam, também se intensificarão os seus impactos devastadores sobre as pessoas mais vulneráveis do mundo. O financiamento climático é crítico para ajudar os países em desenvolvimento a responderem às mudanças climáticas. O apoio é e continuará sendo uma questão importante nessas negociações”.

“Houve pouco avanço sobre a questão crítica que é o aumento do apoio financeiro e da construção de capacidade para que os países em desenvolvimento possam implantar a energia limpa e outras soluções climáticas; isso deverá ser muito mais prioritário daqui para frente”, disse Alden Meyer, diretor de estratégia e políticas da ONG Union of Concerned Scientists.

De acordo com Andrew Norton, diretor do Instituto Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), “essas conversas sinalizam a conquista de alguns avanços importantes, mas, da mesma forma, falta nelas uma ação decisiva sobre as regras para o Acordo de Paris e o esclarecimento dos compromissos financeiros. Isso demonstra uma alarmante falta de urgência, ao mesmo tempo em que o mundo já enfrenta os impactos catastróficos das mudanças climáticas”.

“Na primeira cúpula climática da ONU desde que o presidente Trump anunciou sua intenção de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, os países fizeram avanços incrementais, porém significativos”, disse Nathaniel Keohane, vice-presidente de clima global do Fundo de Defesa do Meio Ambiente (EDF). “Fora das salas de negociação, no Centro de Ação Climática dos Estados Unidos, uma ampla coalizão de governadores, prefeitos, executivos e cidadãos americanos tornaram claros os seus compromissos com a ação climática, apesar do posicionamento do governo Trump. A história dessas conversas climáticas foi que não importa o quanto Donald Trump queira nos fazer retroceder na questão das mudanças climáticas; o resto do mundo – e o resto dos Estados Unidos – está decidido a andar para frente”.

De acordo com Mohamed Adow, líder internacional para o clima da agência Christian Aid, a reunião desse ano demonstrou um apetite animador por ações contra as emissões de carbono antes de 2020. “No entanto, apesar desse avanço, a COP23 ainda não conseguiu entregar o apoio financeiro necessário para acelerar os esforços dos países em desenvolvimento que querem seguir um caminho de energia limpa. Esses países não querem ficar com os sistemas antigos e poluidores, à base de combustíveis fósseis, que promovem as mudanças climáticas. Mas eles precisam do apoio financeiro prometido pelas nações ricas para conseguir mudar de rumo e aproveitar ao máximo os seus recursos de energia limpa”.

Manuel Pulgar-Vidal, chefe do programa climático e energético global da WWF e ex-presidente da COP, disse que “em um ano marcado por desastres climáticos extremos e, potencialmente, o primeiro aumento das emissões de carbono em quatro anos, o paradoxo entre o que estamos fazendo e o que deveríamos estar entregando é claro: os países precisam agir com maior ambição climática – e rápido – para nos colocar a caminho de um futuro de 1,5C.”

De acordo com Christoph Bals, diretor de políticas da Germanwatch, “nós estamos decepcionados com o avanço limitado que se conseguiu nessa conferência, no que diz respeito a discutir a necessidade de recursos financeiros para ajudar as pessoas mais vulneráveis a lidarem com os impactos das mudanças climáticas que já são inevitáveis. Os países ricos precisam se prontificar a apoiar as pessoas mais pobres e mais vulneráveis”.

A ActionAid International expressou sua decepção no último dia das negociações climáticas da COP23. O líder para mudanças climáticas da organização, Harjeet Singh, afirmou que “nós esperávamos muito mais liderança dos países que uniram forças quando os Estados Unidos declararam a sua saída do Acordo de Paris. Com as enchentes, os incêndios e os furacões desse ano ainda frescos na memória deles, nós presumimos que eles viriam com vontade de fazer o que fosse necessário. Mas, uma vez iniciadas as discussões, a UE, o Canadá e a Austrália escorregaram de volta para suas zonas de conforto, tomando partido dos Estados Unidos, ao invés de promover mudanças reais. Eles continuaram a pisar no freio com as ações climáticas e a apresentar resistência contra as medidas financeiras para países que estão sofrendo com os impactos do clima. As comunidades vulneráveis estiveram nos holofotes, mas isso ainda não se traduziu no apoio de que elas precisam”.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo India Climate Dialogue