Governos de vários países discutirão este mês em Nairóbi, no Quênia, a realização de um primeiro tratado mundial para combater a poluição de plástico. Mas, com uma série de propostas sobre a mesa, o escopo e a ambição de um futuro acordo ainda são incertos.
A Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, entre 28 de fevereiro a 2 de março na capital queniana, definirá um comitê intergovernamental para a negociação de um tratado que obrigue os países signatários a combater a poluição plástica — especialmente no oceano — por meio de metas de redução, reciclagem e gestão de resíduos.
Há uma quantidade alarmante de plástico no oceano — até 51 trilhões de fragmentos apenas na superfície das águas. A poluição marinha por plástico é um risco aos animais, que podem ingerir ou se prender entre o lixo. Já para humanos que consomem frutos do mar contaminados, o impacto ainda é desconhecido.
Além dos bolsões flutuantes de plástico, como a Grande Porção de Lixo do Pacífico, que ocupa uma área três vezes maior que a França, cientistas estão preocupados com os microplásticos, partículas de menos de 5mm. Eles são encontrados por toda parte, desde a remota Antártida até a mais profunda fossa oceânica, onde placas tectônicas se encontram.
A poluição plástica não se limita à água. Fragmentos de plástico foram detectados em todos os cantos do planeta — do Ártico ao topo do Everest. Além disso, a produção de plástico é um dos principais impulsionadores das mudanças climáticas. Se comparado a um país, o impacto do ciclo de vida de todo o plástico descartado no ambiente equivaleria ao do quinto maior emissor de CO2 no mundo.
Embora existam soluções bem-sucedidas para limpar os resíduos plásticos e tentativas populares de frear que se use o plástico apenas uma vez antes de descartá-lo, o desafio ainda é limitar sua produção. E apenas um acordo global pode conseguir isso.
Como seria o tratado sobre plástico
Tratados globais em vigor já abordam a poluição de plástico. A Convenção da Basileia regulamenta o comércio de resíduos, incluindo o de plástico; a Organização Marítima Internacional é responsável pelo lixo plástico dos navios; e a Convenção de Estocolmo protege os seres humanos contra danos causados por produtos plásticos. No entanto, não são ferramentas holísticas para enfrentar o problema a nível global.
Diferentemente do caso das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, não existe uma estrutura internacional para lidar com a poluição de plástico, mesmo com o crescente entendimento de que ele também representa uma “ameaça de dimensões planetárias”.
A ONU levantou a ideia de uma resposta global contra a poluição de plástico na terceira Assembleia do Meio Ambiente, em 2017. Na ocasião, a organização criou um grupo de especialistas em lixo marinho e microplástico para discutir o que seria um acordo global.
O assunto tem ganhado atenção à medida que se aproximam as negociações deste mês. Ao todo 154 países já apoiam as discussões sobre um novo acordo global. No final de 2021, o enviado especial da ONU para oceanos, Peter Thomson, disse na COP26 que um tratado em Nairóbi seria fundamental para manter os oceanos saudáveis.
Mais de 70 marcas, incluindo Coca-Cola, PepsiCo, Unilever e Ikea, divulgaram em janeiro uma declaração conjunta em que definem ações para reduzir a produção e o uso de plástico. Maior produtor mundial de resíduos plásticos, os Estados Unidos anunciaram, no final de 2021, que participarão das conversas.
Para as negociações de um tratado global começarem, é preciso primeiro adotar uma resolução definindo o escopo e o mandato para o tema na assembleia deste mês. Três resoluções foram apresentadas, duas delas com caráter legalmente vinculante, o que seria inédito.
Ela propõe um “mandato aberto”, ou seja, os negociadores do comitê poderiam trabalhar nas várias questões relevantes à poluição plástica à medida que as discussões avançam; sugere abordar o “ciclo de vida completo” do plástico, desde sua produção à gestão de resíduos; e trata da poluição de plástico em qualquer ambiente, não apenas no oceano.
A segunda proposta, cujo escopo é mais limitado, foi encabeçada pelo Japão e apoiada por Antígua e Barbuda, Camboja, Palau e Sri Lanka. Ela trata apenas da poluição marinha por plástico e da gestão dos resíduos, não de sua produção. A ideia propõe ainda um mandato fechado, ou seja, abordando-se apenas esse enfoque da poluição plástica no tratado.
A Índia, que entrou na discussão já na última hora, publicou, em 31 de janeiro, uma proposta alternativa sobre o uso único do plástico. O documento focou em seu caráter voluntário — e não legalmente vinculante, como as duas outras propostas.
Vários países-membros da ONU pediram que as duas primeiras propostas fossem unificadas antes da reunião principal. “O Japão já iniciou o diálogo com a Noruega”, disse Shahriar Hossain, secretário-geral da ONG Organização para o Desenvolvimento Social e Ambiental, com sede em Bangladesh. “Acredito que ninguém queira decidir isso no voto, portanto será apresentado um plano de conciliação”.
Durante a reunião de ministros do G77 — uma coalizão de nações em desenvolvimento — em 3 de fevereiro, a China apoiou as negociações sobre a poluição plástica, pedindo “objetivos ousados e meios igualmente ambiciosos de implementação”. A nação se comprometeu em “se engajar ativa e construtivamente na negociação das diferentes resoluções apresentadas”.
Sociedade pede ambição e atenção às finanças
Christina Dixon, vice-diretora da campanha de oceanos na Agência de Investigação Ambiental, que publicou uma tabela comparando as duas propostas, disse: “A desenfreada produção e consumo de plástico, com sua infinidade de aditivos tóxicos, criou um desastre ambiental que deve ser tratado urgentemente”.
E acrescentou: “Estamos em um momento crítico de assegurar um acordo global sobre a poluição plástica. É essencial que os governos mantenham seu escopo ambicioso, com um mandato que olhe para o longo ciclo de vida do plástico e seu impacto em diferentes ambientes”.
Peter Thomson, que viajará a Nairóbi para ajudar nos esforços do tratado, disse que a prevenção da poluição marinha é um componente importante do Objetivo 14 de Desenvolvimento Sustentável, que trata da vida sob a água.
Andrew Norton, diretor do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, disse que países pobres se tornaram o destino de despejo de plástico das nações mais ricas. “Serão necessários grandes investimentos e apoio para se desenvolver modelos alternativos viáveis que incentivem práticas mais sustentáveis e justas para o plástico no futuro”, disse.
Gary Stokes, diretor de operações da ONG OceansAsia, disse ser particularmente importante que as negociações abordem a poluição plástica dos equipamentos de pesca descartados, que representam cerca de 10% do lixo marinho.
“Se os governos quiserem tratar disso seriamente, eles devem olhar para a indústria pesqueira e responsabilizá-la”, disse Stokes, acrescentando que a assembleia da ONU “terá o potencial de abordar o problema do resíduo plástico em escala global”.
Ele ressalta, no entanto, que, com “tantos interesses envolvidos, desde países a produtores de plástico, consumidores e ONGs, temos receio de que isto tome o mesmo rumo das reuniões sobre as mudanças climáticas”.
Torsten Thiele, fundador da Global Ocean Trust, disse que o financiamento deve ser considerado no início das negociações “se quisermos garantir a implementação de um acordo ambicioso”.
Segundo Thiele, “isto incluirá tanto a avaliação das necessidades e do desenvolvimento de capacidades, quanto os acordos de financiamento institucional e mecanismos inovadores de financiamento que envolvam suficientemente o setor privado”.