Localizada a 3.730 metros acima do nível do mar, na comunidade de Ancotanga, a usina solar de Oruro é um dos mais emblemáticos projetos da transição energética da Bolívia.
Ela é a maior do tipo no país, com mais de 300 mil painéis solares instalados em uma área de 214 hectares e capacidade de produzir 100 megawatts (MW) de energia. A produção é considerável, mas não o suficiente para direcionar a matriz energética boliviana, concentrada nos combustíveis fósseis, rumo às energias renováveis.
Dada sua forte e consistente radiação solar, a Bolívia tem grande potencial de expandir sua produção fotovoltaica. Novas usinas com capacidade total de 300 MW estão em estudo.
Apesar disso, especialistas cobram uma reestruturação mais ampla dos modelos econômicos e energéticos, que hoje dependem principalmente do gás natural e do fornecimento subsidiado de hidrocarbonetos ao mercado doméstico.
Energia solar na Bolívia: vantajosa e encorajadora
A usina solar de Oruro foi construída em duas fases e dividida em duas unidades. A primeira, executada pelo governo do ex-presidente Evo Morales, tinha capacidade instalada de 50 MW. A segunda, executada pelo atual governo de Luis Arce, e concluída em fevereiro de 2021, aumentou sua capacidade para 100 MW e abastece a rede nacional da Bolívia.
Potencial do Planalto Boliviano
Boa parte do Planalto Boliviano recebe uma média diária de mais de 8 kilowatts/hora por m2 de energia solar potencial — alguns dos níveis mais altos do mundo — de acordo com o Global Solar Atlas.
O projeto em Oruro foi financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento, a União Europeia e o Banco Central da Bolívia, com investimentos de US$ 97,4 milhões.
“Atualmente, ambas as plantas de Oruro operam de modo satisfatório e contribuem com uma quantidade considerável de energia renovável”, disse Rodrigo Corrales, diretor-geral da ENDE Guaracachi, empresa estatal de eletricidade que opera o complexo.
Corrales também afirmou que o departamento de Oruro “é seu principal mercado”. Mas quando a demanda na região é inferior à capacidade da usina, a energia sobressalente é distribuída aos departamentos vizinhos, como La Paz e Potosí.
A usina está localizada em um semi-deserto do Altiplano, ou Planalto Boliviano, a cerca de 230 km ao sul da capital La Paz e a outros 40 km da capital do departamento, também chamada Oruro. Corrales diz que essa posição geográfica dá à usina vantagens como temperaturas mais baixas do que em outras áreas do país, melhorando o desempenho dos módulos fotovoltaicos, que não superaquecem.
Usinas menores na Bolívia
Quando a segunda fase da usina foi inaugurada em fevereiro de 2021, o presidente Arce destacou a importância do projeto para a transição energética do país.
“Estamos avançando na mudança da matriz energética para uma energia limpa e renovável. Vamos gerar desenvolvimento econômico e garantir eletricidade para o departamento [de Oruro], cuidando da Pachamama [Mãe Terra]”, disse.
Segundo Corrales, a usina de Oruro já chegou à capacidade de 237 gigawatts-hora de energia, o suficiente para evitar a emissão de 188.627 toneladas de CO2 na atmosfera.
O governo boliviano pretende instalar novas usinas do tipo na região do Altiplano. No final de 2021, o ministro de Hidrocarbonetos e Energia, Franklin Molina, anunciou a intenção de lançar novos projetos de energia renovável e limpa com capacidade de 500 MW.
Corrales confirma que está em estudo a possibilidade de instalar usinas fotovoltaicas com uma capacidade combinada de 300 MW. “Estamos analisando isso e procurando locais ideais”, afirmou.
Miguel Fernández, diretor da organização de desenvolvimento da Energética da Bolívia, disse ao Diálogo Chino que a instalação de usinas menores e mais distribuídas do que as de Ancotanga seria mais apropriada. Para ele, isso poderia reduzir o impacto de quando nuvens se acumulam e dificultam os painéis solares de gerar eletricidade.
“As nuvens passam a 70 quilômetros por hora. Podemos não perceber a sombra, mas os painéis solares sim. No momento em que as nuvens passam, há uma queda da energia. Mesmo que dure 10 ou 3 segundos, é preciso ativar 100 megawatts em outro lugar para compensar”, diz Fernández.
Também seria aconselhável buscar melhores sistemas de monitoramento e previsão meteorológica para antecipar as quedas de energia geradas pela passagem de nuvens, aponta Carlos Fernández, especialista em energias alternativas.
Ele propõe investir no armazenamento de baterias de longo prazo para situações nas quais a oferta de energia solar diminui devido à cobertura de nuvens ou ao anoitecer.
“Podíamos recorrer a estações de bombeamento [hidrelétricas] para ter energia potencial na forma de água, juntamente com o uso de painéis fotovoltaicos”, diz Carlos Fernández.
Para essas e outras alternativas, é essencial expandir e diversificar as fontes de financiamento, que, segundo ele, ainda são limitadas. Ele propõe a busca de investidores externos, os quais a Bolívia “não tem explorado ao máximo”.
Principais desafios da energia solar
O bom desempenho da usina de Oruro e o otimismo para instalar projetos similares contrasta com o tamanho do compromisso boliviano de reduzir sua dependência dos hidrocarbonetos — o que significa substituir a maioria dos 30,5 milhões de barris de óleo equivalente de energia útil que os combustíveis fósseis devem fornecer à Bolívia até 2040, segundo avaliação da WWF Bolívia.
Por várias décadas, a economia boliviana foi sustentada pela venda de gás natural a países vizinhos, como Brasil e Argentina. A política energética do país inclui subsídios para o gás natural e permite a distribuição de royalties entre setores estratégicos do país, como governos locais e universidades.
Especialistas em questões energéticas entendem que a política de subsídios é um obstáculo à transformação da matriz energética. Mauricio Medinaceli, economista e ex-ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, disse à Reuters que “não há possibilidade de as energias renováveis competirem com o preço do gás subsidiado”.
Para Medinaceli, há um uso excessivo de gás natural precisamente porque ele é barato. Nesse contexto, pedir às pessoas que usem energia solar ou eólica é muito difícil porque essas energias são mais caras do que o gás natural subsidiado”.
Atualmente, a Bolívia obtém 93% de sua energia a partir de combustíveis fósseis — como o gás e o diesel — incluindo a produção de eletricidade em usinas termelétricas, que continua sendo a mais importante em termos de volume, diz Miguel Fernández, da Energética.
Analisando apenas o setor elétrico, “a energia gerada por usinas termelétricas [que operam com combustíveis fósseis] representa 70% do total, enquanto os 30% restantes vêm de usinas solares, hidrelétricas, eólicas, de biomassa e ciclo combinado”, analisa.
O governo boliviano definiu a meta de adquirir até 22% da eletricidade de combustíveis fósseis até 2025, enquanto 74% viriam de hidrelétricas e os 4% restantes de fontes renováveis.
Miguel Fernández acredita ser essencial continuar trabalhando para alcançar essas metas. Ele propõe que a Bolívia tenha 73% de sua energia total disponível para consumo composta por energias renováveis até 2040. “Com essa tendência, alcançaríamos [a neutralidade de carbono até] 2050 sem grandes problemas”, disse.
O IPCC diz que temos que reduzir as emissões globais do setor energético para 45% até 2030. O que estamos fazendo? Pouco
De acordo com suas projeções, até 2040, a capacidade de produção de energia elétrica deverá crescer para 18.000 MW. Atualmente, ela é de cerca de 3.200 MW, um volume que representa o dobro da demanda nacional.
A capacidade adicional garantiria o objetivo da Bolívia de se tornar um centro regional de energia capaz de vender grandes excedentes aos países vizinhos — uma visão lançada pelo ex-presidente Morales em 2014.
Miguel Fernández entende que existam outros desafios no caminho para uma transição energética bem sucedida.
Por um lado, há a questão tecnológica; por outro, a reformulação de políticas fiscais, que exige um sistema econômico não dependente da renda do petróleo e formas de compensar quaisquer desequilíbrios econômicos que a transição para outras energias possa trazer.
E há mais um desafio, um que Miguel Fernández considera o maior: conscientizar os tomadores de decisão e a sociedade na Bolívia sobre a urgência da transição energética.
“O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU nos diz que temos que reduzir as emissões globais do setor energético para 45% até 2030. O que estamos fazendo? Pouco”.