“Isso vai ser uma catástrofe ambiental”, destacou do fundo da sala a proeminente voz um dos 50 presentes ao debate sobre os impactos dos projetos de infraestrutura que a China vem desenvolvendo em regiões da América Latina de ancestral ocupação. Os efeitos do crescimento da presença chinesa na América Latina e suas consequências sobre o meio ambiente foram os temas centrais do painel organizado pelo Diálogo Chino em Londres (Inglaterra), na Canning House, um forum para discutir questões políticas, econômicas e de negócios. A China tem sido usada como bode expiatório de acusações de corrupção e de má administração, mas Rhys Jenkins, um dos conferencistas e professor de Desenvolvimento Econômico da Universidade de East Anglia, advertiu sobre a tendência de acusar a China. O Brasil está paralisado por escândalos de corrupção envolvendo a empresa de óleo Petrobras, que está sob investigação pela acusação de ter repassado dinheiro a partidos políticos através de empreiteiras que aumentavam o preço dos contratos assinados com a estatal. O professor Jenkins, no entanto, lembrou aos presentes que “a corrupção não começou no Brasil com a chegada da China”. Em 2011, a empresa chinesa de gás e óleo SINOPEC acordou em emprestar à Petrobras US$ 10 bilhões para procurar o campo de petróleo Atlântico de pré-sal. Desde então, a China tornou-se o maior emprestador para a região, superando tanto o Banco Mundial quanto o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Apesar de a China não estar envolvida com o escândalo da Petrobras, os chineses vem sofrendo algumas consequências dessas denúncias. Governos latino-americanos chegaram a dizer que a China tem “bolsos fundos e poucas exigências” e que, portanto, assumiram riscos ao não adotar boas práticas, transparência e responsabilidades. Esse tipo de coisa não acontece apenas no Brasil. Em novembro do ano passado, o México cancelou um contrato com a empresa China Railway Construction Corp (CRCC) para construção de um linha ferroviária expressa ligando a Cidade do México a Queretaro. Apareceram dúvidas sobre a legitimidade e o processo de licitação e o presidente mexicano Enrique Peña Nieto correu para organizar uma nova rodada de propostas. Os investimentos chineses podem até não estar mudando a governança na América Latina para melhor, mas as estradas, pontes, ferrovias interoceânicas e até mesmo os canais que estão sendo financiando por eles estão alterando profundamente a geografia da região. Um dos projetos citados no evento foi o ambicioso e controverso Canal da Nicarágua. Ao custo de US$ 50 bilhões, o canal será uma concessão de 50 anos para a empresa de Hong-Kong HKND Hong-Kong e que, se finalizado dentro do prazo de 2020, dividirá o país em Nicarágua do norte e Nicarágua do Sul, socialmente, se não politicamente. Gigantescos navios poderão travessar o pais da América Central com relativa facilidade, mas a comunidade nicaraguense que foi retirada do local pelo empreendimento teria que viajar muitos quilômetros para conseguir cruzar o canal e visitar amigos e familiares, coisa que antes seria feita em poucos minutos. Remover o Lago Nicarágua, a maior reserva de água doce da América Central, colocará em risco a água potável disponível para mais de 100 mil pessoas, além de colocar em perigo diversas espécies aquáticas em vias de extinção.
Gabriela Moya, uma das palestrantes e assessora de políticas para o meio ambiente para o organismo de pensamento E3G, entretanto, é otimista sobre a cooperação entre a China e a América Latina. Ela acredita que, se essa cooperação for feita de maneira adequada, os efeitos maléficos sobre o meio ambiente podem ser limitados. Moya destacou o potencial de novos bancos de desenvolvimento como o dos BRICS, bloco de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para financiar projetos sustentáveis. E lembrou ainda que os Banco Centrais no Peru e no Brasil começaram a adotar políticas similares às aplicadas pelo Crédito Verde da China – um conjunto de salvaguardas que buscam limitar os impactos sociais e ambientais dos investimentos. A pesar de as regulações bancárias chinesas serem eficientes dentro de seu território, elas não têm sido aplicadas no exterior como no caso, por exemplo, da Amazônia equatoriana. Os bancos chineses foram reticentes quando da solicitação de informações sobre potenciais impactos ambientais de projetos que financiam como na mina El Mirador, localizada numa área de grande biodiversidade na Cordilheira del Condor, no Equador, o que lhes rendeu a má reputação de falta de transparência. A implementação do Crédito Verde chinês na América Latina ainda está em curso e só foram aplicadas no exterior a partir de 20112. Na China, a má implementação das diretrizes desse crédito gerou protestos da população. Para os bancos e as empresas chinesas que operam no exterior, com todas as diferenças culturais que podem surgir, esse é mais um desafio. Existem indícios de que as empresas chinesas queiram ter uma imagem positiva na América Latina. Décadas de exploração de cobre em minas à céu aberto, perto da cidade peruana de Morococha, deixaram uma quantidade perigosa de resíduos tóxicos. Quando a estatal chinesa Chinalco comprou o empreendimento, em 2006, gastou US$ 50 milhões para levar toda população para outro lugar oferecendo-lhe novas casas para viver. Fora a empresa Shougang para explorar uma mina de cobre no Peru em 1992, a China só entrou na região de maneira significativa no final desse século. As empresas chinesas não têm experiência em América Latina como têm europeus e norte-americanos. Eles amém cometeram erros e sofreram com percepções negativas. As empreiteiras e os bancos chineses estão ajudando a América Latina a melhorar sua infraestrutura. Para benefício das duas partes, é crucial construir uma ponte que encurte a distância cultural e de informação que existe.