Ao contrário de Berta Cáceres, que foi morta a tiros há quase um ano na pacata cidade hondurenha de Esperanza, o professor do ensino fundamental e líder da comunidade indígena Tolupan, José Santos Sevilla, não era conhecido. Entretanto, seu assassinato no dia 17 de fevereiro teve semelhanças assustadoras com a da vencedora do Prêmio Goldman de Meio Ambiente em 2015.
Ao todo, foram mais de 120 assassinatos em Honduras desde 2010, tornando o país da América Central o local mais perigoso para ativistas ambientais no mundo
Assim como aconteceu com Cáceres, Santos estava dormindo quando pistoleiros armados invadiram sua residência no município de Orica, a cerca de 120 quilômetros da capital Tegucigalpa, e dispararam tiros fatais. Alexander Rodriguez, prefeito de Orica e amigo de Santos, disse que o motivo da morte é desconhecido. No entanto, outros indígenas da comunidade Tolupa também foram assassinados durante protestos pacíficos contra as operações de mineração e de exploração madeireira em seu território, conforme divulgado pelas agências de notícias.
A morte de Santos ocorreu apenas duas semanas antes do aniversário do sangrento assassinato de Cáceres, em três de março, e em meio a um crescente número de assassinatos e intimidações de ativistas ambientais e indígenas em Honduras e no mundo. Como, por exemplo, os assassinatos de Nelson García e de Lesbia Yaneth, ambos membros do grupo de direitos indígenas COPINH, liderados por Cáceres. Ao todo, foram mais de 120 assassinatos em Honduras desde 2010, tornando o país da América Central o local mais perigoso para ativistas ambientais no mundo, segundo uma recente pesquisa realizada pela Organização Não-Governamental (ONG) inglesa britânica Global Witness.
“Documentamos violações de todo tipo às normas internacionais que dizem respeito aos povos indígenas. O mais grave é que empresas e autoridades do governo vêm aprovando ilegalmente projetos de mineração, de agronegócios e de hidrelétricas sem consultar as comunidades afetadas”, disse ao Diálogo Chino Billy Kyte, líder da campanha pelos defensores dos direitos ambientais e da terra da Global Witness.
Envolvimento de investidores internacionais
A Global Witness criticou os “fracassos sistemáticos e generalizados” dos investidores europeus em Honduras por terem falhado em neutralizar a violência causada pelo projeto da barragem de Agua Zarca – projeto que eles apoiaram e que Cáceres e os indígenas Lenca eram contrários. Segundo Kyte, os investidores europeus do projeto – FMO, da Holanda, e Finnfund, da Finlândia – não condenaram a intimidação sofrida por Cáceres, que recebeu 33 ameaças públicas de morte antes do ser assassinada.
O FMO fez uma declaração pública expressando seu pesar pela morte violenta de Cáceres e o comunicado foi publicado em seu site. O banco suspendeu temporariamente suas atividades em Honduras e afirma estar buscando uma forma responsável de se desligar do projeto, o que não aconteceu até agora. A construtora chinesa Sinohydro saiu do projeto em 2012 em meio às tensões crescentes entre os opositores da barragem e a Desarrollos Energéticos S.A. de C.V. (conhecida comoDESA), empresa responsável pela gestão do projeto.
Além dos investidores privados, grandes doadores estrangeiros, como os Estados Unidos, devem reavaliar suas atividades em Honduras para saber se estão encorajando ou financiando indústrias que colocam ativistas em risco, diz o relatório. O Departamento de Estado dos EUA afirmou, em sua ficha informativa sobre Honduras, que está comprometido com o fortalecimento da governabilidade democrática, dos direitos humanos e do estado de direito de Honduras, e que “incentiva e apoia os esforços do país na proteção ao meio ambiente”.
Ao ser abordado pelo Diálogo Chino para esclarecer como eles prestam apoio a Honduras na esfera de proteção ambiental, e por que os esforços para melhorar a segurança no país não conseguiram prevenir as mortes dos ativistas, um funcionário do Departamento de Estado norte-americano respondeu por e-mail: “Qualquer assassinato, principalmente o de defensores dos direitos humanos ou de ativistas de ONGs, é motivo de grande preocupação”. Os Estados Unidos levantam questões de direitos humanos com o governo hondurenho de forma consistente, mas são necessários “esforços sustentados e vontade política” para realizar uma mudança duradoura, disse o funcionário.
No entanto, metade da ajuda anual oferecida pelos EUA a Honduras, que é o maior beneficiário de ajuda do país norte-americano na América Central, está supostamente condicionada à melhoria das políticas de direitos humanos, ressalta Kyte. Os EUA também oferecem treinamento para as Forças Armadas hondurenhas, que foram implicadas no assassinato de Cáceres em um artigo publicado no The Guardian.
As empresas estão expandindo suas operações de forma mais agressiva em áreas protegidas a fim de proteger seus lucros, muitas vezes sem consultar as comunidades afetadas.
A Global Witness pediu para o governo hondurenho dar um basta nos assassinatos e na “impunidade crônica” que assola o país, entregando à justiça os responsáveis e os autores intelectuais dos crimes. Os EUA também devem condicionar o respeito aos direitos humanos à ajuda financeira que proporciona a Honduras, condenar os assassinatos dos defensores e suspender os investimentos nas indústrias que causam violência, até que a segurança dos ativistas esteja mais bem garantida.
Aumento mundial dos assassinatos
A América Latina continua sendo a região com o maior número de assassinatos de defensores do meio ambiente do mundo. Aqueles que tomam a linha da frente nos conflitos relacionados à terra e a outros recursos naturais são alvejados em todo o planeta por aqueles que buscam lucrar através de indústrias que destroem o meio ambiente. Nos últimos meses, ativistas foram assassinados no México, Colômbia, Filipinas e República Democrática do Congo.
Logo após uma visita a Honduras, no ano passado, Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial das Nações Unidas para os direitos humanos, afirmou que o padrão de assassinatos de ativistas denunciava uma “epidemia” global. A recente queda brusca no preço das commodities em todo o mundo só exacerbou o problema. As empresas estão expandindo suas operações de forma mais agressiva em áreas protegidas a fim de proteger seus lucros, muitas vezes sem consultar as comunidades afetadas.
Em janeiro, outro vencedor do Prêmio Goldman de Meio Ambiente, Isidro Baldenegro, da etnia indígena Tarahumara, foi baleado em sua casa em Chihuahua, no México. Baldenegro era reconhecido por defender as florestas da região contra as devastadoras operações das madeireiras.
Nas Filipinas, os grupos ambientalistas que apoiam uma campanha do Ministério do Meio Ambiente para penalizar operações altamente poluentes de mineração também se viram na linha de fogo. “Assassinatos, militarização e outras violações dos direitos humanos nas áreas afetadas pela mineração devem levar à suspensão e ao fechamento de grandes minas”, disse Clemente Bautista, coordenador da organização ambientalista filipina Kalikasan, em um recente comunicado de imprensa.
Kalikasan afirmou que houve 112 assassinatos de defensores ambientais nas Filipinas nos últimos 15 anos. Mais recentemente, em 15 de fevereiro, pistoleiros assassinaram de forma brutal a advogada ambientalista Mia Mascariñas-Green na frente de seus três filhos. Mascariñas-Green era conhecida pelos casos com os quais trabalhava e havia se envolvido em um de disputa de terra com um empresário local.
Em seu último relatório anual, Tauli-Corpuz disse que as áreas destinadas à conservação ambiental continuam expandindo, mas que também continuam aumentando as ameaças que vêm da indústria extrativa, de energia e de projetos de infraestrutura. Ela argumenta que a conservação eficaz de grupos indígenas e ambientais, que podem lançar mão de sua influência para exigir maiores proteções, é de primordial importância.
“O crescimento do número de assassinatos de ambientalistas indígenas ressalta o quanto é importante que conservacionistas e povos indígenas unam suas forças”, escreveu ela.