O Banco de Infraestrutura e Investimento da Ásia (AIIB), sediado em Pequim, na China, realizou sua segunda reunião anual na ilha coreana de Jeju. Atualmente, a Coreia vem tentando posicionar Jeju como um destino turístico “carbon free” e o local é perfeito para o banco projetar uma imagem “limpa”. Mas é a sua Estratégia para o Setor Energético, revelada durante o encontro, que será o seu verdadeiro teste.
Projetos de energia requerem grandes investimentos, operam por décadas e podem ter impactos significativos e duradouros nas emissões regionais de carbono. Isso significa que as decisões sobre quais projetos de energia serão financiados terão implicações importantes não apenas para o desempenho ambiental do banco, mas também para os países onde os projetos serão desenvolvidos.
O AIIB é uma instituição financeira multilateral liderada pela China e criada para apoiar a iniciativa de conectividade global do projeto Um Cinturão, Uma Estrada (OBOR, em inglês) do governo chinês. A principal função do banco é promover o desenvolvimento da infraestrutura na Ásia, Europa e África, mas os países da América Latina – como Brasil, Chile, Peru, Bolívia, Venezuela e, mais recentemente, a Argentina – também se tornaram membros.
Apoio à Paris
Seguindo os passos do presidente chinês Xi Jinping, que prometeu firme apoio ao Acordo de Paris, o presidente do AIIB, Jin Liqun, deixou claro durante a palestra de abertura na reunião anual do banco, que o AIIB tem um papel importante a desempenhar para ajudar os países a cumprirem o acordo. Ele destacou um projeto de implementação de rede elétrica em Bangladesh como exemplo de como o AIIB está ajudando cerca de 12 milhões de residentes rurais a ter acesso à eletricidade mais barata, ao mesmo tempo em que evitam emissões de 16 mil toneladas de CO2.
A estratégia do banco para o setor de energia fornece detalhes sobre como os investimentos respeitarão o Acordo de Paris. “O apoio que o banco oferece aos países será alinhado com os planos e estratégias nacionais de investimento em energia, incluindo as contribuições nacionalmente determinadas sob o Acordo de Paris”.
Isso significa que, antes de fazer investimentos, o AIIB considerará não apenas os potenciais impactos nas emissões de carbono, mas também se os projetos propostos pelos países ajudarão a instituição a alcançar seus objetivos em relação às mudanças climáticas. Isso inclui, por exemplo, reduzir a intensidade das emissões regionais de carbono e aumentar a proporção de energias renováveis no mix energético.
Ben Caldecott, diretor do Programa de Financiamento Sustentável na Smith School of Enterprise and the Environment da Universidade de Oxford, da Inglaterra, comentou: “O AIIB pode desempenhar um papel importante na aceleração da revolução da energia limpa na Ásia. É bastante significativo o fato de a instituição ter reconhecido a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento sustentável e para a implementação do Acordo de Paris”.
O porta-voz da organização não-governamental Oxfam, Mei Jiayong, disse ao chinadialogue que o AIIB se comprometeu a promover o Acordo de Paris e as metas de desenvolvimento sustentável da ONU, o que é um bom começo. O AIIB pode oferecer aos países-membros o financimento necessário para que eles alcancem seus objetivos no setor de energias renováveis, e também para que as nações do hemisfério sul continuem emergindo como lideranças em mudanças climáticas.
Controvérsia sobre a política para o carvão
Apesar de tudo, a nova estratégia energética não amenizou as preocupações das ONGs porque, foi mantido no documento final, o texto sobre a possibilidade de investimentos em carvão como fonte de energia, sob determinadas circunstâncias. São crescentes as preocupações relacionadas aos impactos ambientais e na saúde humana da expansão do setor de energia proveniente do carvão na Ásia, portanto a posição do AIIB no setor vem sendo observada de perto.
Bai Yunwen, pesquisador do Greenovation Hub, disse ao chinadialogue que não houve mudanças no texto a respeito do uso energético do carvão entre a segunda e a última versão do documento, e que projetos de carvão e gás natural de baixo carbono poderiam ser financiados em três casos: na substituição de projetos menos eficientes; quando essenciais para a confiabilidade e a integridade de um sistema; e quando não há alternativa viável ou com preços acessíveis.
“É um erro deixar a porta aberta para que o AIIB possa vir a apoiar novos investimentos em carvão, uma vez que estes são ativos que correm um sério risco de se tornarem improdutivos, além de prejudicarem a saúde humana, contribuírem para a poluição do ar e manterem a dispensiosa infraestrutura dos combustíveis fósseis em operação por mais tempo do que seria necessário”, advertiu Ben Caldecott.
Bai Yunwen ressaltou que, de modo geral, o AIIB quer evitar financiar projetos de carvão, mas o banco manteve a possibilidade de fazê-lo no futuro. Portanto, faltam “definições claras e diretrizes políticas” para o processo de tomada de decisão nos projetos de energia de carvão.
Wang Wawa, da Bankwatch, disse que, dada a estratégia energética adotada pelo AIIB e seus investimentos existentes, não está claro como isso ajudará os membros a alcançarem os objetivos do Acordo de Paris.
Wang disse que existe uma lacuna entre a estratégia de energia do AIIB e a abordagem de outros bancos multilaterais a respeito da energia do carvão. “Outros organismos financeiros internacionais deixaram de financiar projetos baseados no carvão. O Banco de Desenvolvimento da Ásia não financia nenhum projeto de energia a carvão desde 2013; o Banco Europeu de Investimento já não tem nenhum projeto nesse setor e estabeleceu rigorosos padrões de emissão. No ano passado, o presidente do Banco Mundial descreveu o uso do carvão no sudeste da Ásia como ‘um desastre para o planeta’, mais o AIIB continua afirmando que as ‘usinas de petróleo e carvão de baixo carbono seriam consideradas’”.
A preocupação de Wang é que o lobby constante da indústria do carvão poderia colocar à prova a decisão do AIIB de promover a construção de infraestruturas “limpas e verdes”. “Ficamos muito decepcionados com este documento. Foram oito meses de consultas e voltamos à estaca zero, com um texto que apoia combustíveis fósseis como o carvão”.
Mei Jiayong disse que a indústria de carvão já está fazendo lobby no AIIB.
A liderança do AIIB respondeu enfatizando que o banco deve ser avaliado pelo conjunto de todos os seus investimentos. Em seu discurso de abertura na reunião anual, Jin Liqun disse que “até agora não investimos em projetos de energia a carvão e nem está em nossos planos atuais fazê-lo. Se houver alguma preocupação com o impacto ambiental, não investiremos em tais projetos”.
Três novos projetos receberam o sinal verde na reunião anual e o AIIB aprovou 16 investimentos oficialmente nenhum dos quais envolve o uso energético do carvão. Os sete investimentos realizados no setor de energia até hoje incluem energia hidrelétrica, gás natural e redes de gás e eletricidade.
Econômico ou nem tanto?
Além de ser “limpo e verde”, o AIIB afirma ser “econômico”. Entretanto, esta afirmação também vem sendo colocada à prova. De acordo com um relatório do canal de mídia Caixin, uma das maiores diferenças entre o AIIB e outros bancos de desenvolvimento, tais como o Banco de Desenvolvimento da Ásia e o Banco Mundial, é a falta de uma diretoria permanente. Com isso, espera-se que o AIIB consiga economizar aproximadamente US$ 70 milhões por ano.
Mas algumas ONGs estão preocupadas com os esforços do banco de se tornar “econômico” porque isso poderia levá-lo a tratar com um certo “desleixo” a gestão dos seus investimentos. Bai Yunwen ressalta que a estratégia energética do banco refere-se apenas às transições para baixo carbono, de modo geral; não existe um plano para alcançar os objetivos ou metas definidas, os objetivos não são quantificados para as várias formas de energia e não foi determinado quando o documento entrará em vigor.
Outros bancos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento da Ásia, têm políticas mais específicas que agregam consistência às suas estratégias globais. A ONG WWF China sugeriu que fossem definidas metas parciais ou absolutas, como o investimento anual total ou a taxa anual de crescimento do investimento, por exemplo. Em termos de energias renováveis, por exemplo, a organização sugeriu ao AIIB investir pelo menos US$ 5 bilhões por ano em energia eólica e solar, ou que pelo menos 50% da nova capacidade de produção de eletricidade financiada pelo banco fosse composta por energias renováveis.
Ao contrário do que acontece nos bancos multilaterais mais bem estabelecidos, os projetos do AIIB são financiados, em grande parte, em parceria com outros bancos. Jin Liqun expressou que o AIIB não encara os outros bancos como concorrentes, mas como parceiros. Por outro lado, Kate Geary, do Centro de Informação do Banco (BIC), disse que isso pode levar a instituição a passar a responsabilidade pela gestão dos projetos e pelos resultados socioambientais para seus parceiros.
Geary apontou que alguns membros do banco já manifestaram preocupação, em particular, sobre o banco estar sendo muito precipitado, uma vez que foi solicitado à diretoria aprovar projetos de alto risco, como o Fundo de Infraestrutura da Índia e a Usina de Myingyang em Myanmar, antes mesmo de as políticas e os sistemas de controle adequados estarem estabelecidos.
O investimento no Fundo de Infraestrutura da Índia foi aprovado na recente reunião anual, mas Geary adverte que trabalhar através de agências financeiras pode levar o banco a perder o controle da pegada ambiental dos seus projetos.
Enquanto isso, duas das principais medidas de salvaguarda do banco – o mecanismo de tratamento das reclamações e a política de informação ao público – ainda estão sendo finalizadas.
O AIIB existe há menos de 18 meses e continuará desenvolvendo seus sistemas. A controvérsia em torno dos seus investimentos provavelmente continuará também. O banco prometeu não colocar o meio ambiente em risco, o que significa que cada projeto de energia que ele assumir será observado de perto.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo chinadialogue.net