Energia

China e Índia podem ajudar a suprir demanda energética

E isso pode acontecer de forma ambientalmente responsável

O diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Erik Solheim, conversou com o thethirdpole.net sobre acesso energético na China e na Índia e também sobre os esforços para banir o comércio ilegal de animais no mundo.

thethirdpole.net (TTP): Em sua opinião, qual o principal papel do PNUMA no mundo de hoje em relação aos países em desenvolvimento?

Erik Solheim (ES): O principal papel do PNUMA é o de defender o meio ambiente. Dentro desses parâmetros, a minha função é a de promover sistemas econômicos que podem ajudar o meio ambiente. Fazemos parcerias com governos de países diferentes – por exemplo, trabalhamos com a Índia na campanha Índia Limpa [Swachh Bharat] e também nas campanhas de energia solar e crescimento verde do governo indiano.

O PNUMA tem a capacidade de evidenciar as melhores práticas, apoiar a formação de parcerias com o setor privado e trabalhar com cidadãos como Afroz Shah, responsável pela campanha de limpeza realizada por voluntários na praia de Versova, na cidade indiana de Maharashtra. A ação se tornou a maior do tipo no mundo e foi reconhecida pelo ministro-chefe de Maharashtra e pelo primeiro-ministro da Índia. Podemos apoiar essas iniciativas bottom-up dando destaque à sua eficácia e sucesso.

TTP: Um grande desafio para os países da Ásia tem a ver com energia e acesso à eletricidade. Isso é bastante claro na China, uma vez que o país escolheu um caminho de crescimento baseado fortemente no carvão, e nos países do Sul da Ásia, que também seguiram na mesma direção. Como lidar com a demanda por eletricidade que está impulsionando o aumento da poluição?

ES: O acesso à eletricidade é um direito incontestável. O ex-secretário geral das Nações Unidas Ban Ki-moon contou-nos sobre a sua infância marcada por leituras à luz de velas, então sabemos que é possível alcançar o desenvolvimento mesmo sem acesso à eletricidade, mas é incrivelmente difícil. Precisamos trabalhar para atender a demanda energética de uma forma ambientalmente responsável.

Nesse sentido, países como a China e a Índia são uma tremenda fonte de ajuda. O preço da energia solar e eólica caiu porque os mercados chineses e indianos são gigantescos. Isso barateou os projetos de implementação de energia renovável, mesmo ignorando os custos de longo prazo associados à limpeza da poluição e às despesas com a saúde da população devido ao uso do carvão, que são enormes.

TTP: Como os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento podem trabalhar juntos para materializar esse futuro?

ES: Não sei se essas categorias continuam válidas. Cidades como Guangdong, na China, são muito mais ricas em termos de paridade do poder aquisitivo do que várias partes da Europa. Isso amplia as oportunidades de aprendizado mútuo. Por exemplo, acabei de chegar do Vietnã, cujo sistema de ensino para crianças de até 15 anos é superior ao dos Estados Unidos e de países europeus. Precisamos trabalhar juntos. Os políticos que defendem a ideia de que um país pode alcançar o sucesso sozinho estão promovendo um conceito falido.

TTP: Recentemente, você escreveu um artigo sobre a morte dos elefantes africanos e o conflito homem-animal por terra. Você poderia falar um pouco mais sobre o conflito entre os homens e os animais?

ES: Os animais sofrem duas ameaças principais. A primeira é um encolhimento do espaço devido à expansão das áreas urbanas e à necessidade de desenvolver atividades de agropecuária para abastecer a população humana com alimentos. A segunda é o comércio ilegal de produtos animais, mas quanto a isso temos boas notícias: foi revertido o declínio no número de tigres. Isso é muito importante porque os tigres exigem vastas extensões de terra e podem matar pessoas, ao contrário do que acontece com os lobos na Escandinávia, por exemplo, que jamais mataram um ser humano. É necessário reconhecermos o trabalho que vem sendo desenvolvido por indivíduos como o Presidente Putin, na Rússia. Também precisamos reconhecer os esforços realizados pela China, principalmente pelos líderes em Sichuan em favor do panda. Eles usaram tecnologia para assegurar aos pandas a liberdade da interação humana e para facilitarem seu retorno à natureza.

TTP: Mas as ‘fazendas de tigres’ da China não ajudaram muito.

ES: A questão dos tigres é difícil e precisamos de áreas de preservação maiores – e em maior número – para abrigar espécies como essa, que não podem interagir com os seres humanos. O que muitas vezes ignoramos, no entanto, é que a maioria dos animais é altamente adaptável e consegue coexistir tranquilamente com os humanos.

A urbanização tem um potencial muito positivo. As áreas urbanas têm sido as maiores impulsionadoras da redução da pobreza, mas precisamos garantir que as cidades sejam habitáveis, com espaços verdes, pouco trânsito e poucas favelas. Precisamos aprimorar nosso planejamento urbano e contar com melhores sistemas de trânsito.

Isso pode ser feito. A Cingapura é um excelente exemplo de cidade que era pobre e passou a ser verde e eficiente. Para isso, bastou acertar sua política urbana. A cidade de Shenzhen, na China, é outro bom exemplo: apesar de ser relativamente nova, já abriga uma população de 15 milhões de pessoas e conta com um bom sistema de transporte público.

Mas para isso precisamos de cooperação global, precisamos trabalhar juntos. Se dermos ouvidos aos políticos que estão empenhados em lançar a culpa nos outros, não chegaremos a lugar algum.

TTP: Mas políticas ruins e descoordenadas existem e criam lacunas que favorecem sistemas injustos, os quais são explorados por grupos violentos para seu próprio benefício. Você tem experiência com gestão de conflitos, pode explicar como essas questões estão ligadas?

ES: O crime é um dos principais problemas do terrorismo e de questões similares, que são muitas vezes financiadas pelo tráfico de drogas ou por crimes ambientais, como a caça ilegal e a exploração madeireira. Esses crimes são comumente ignorados pelos sistemas globais, o que é um dos mistérios e fracassos deles.

Sai mais barato combater esses tipos de crime do que combater sistemas complexos de armamento, como o de drones bélicos. A venda de produtos animais ilícitos faz parte dos crimes globais que precisam ser combatidos. Fico feliz que a China tenha banido a venda de produtos de marfim e que esteja fechando o cerco contra este comércio. O Vietnã também tem seguido na mesma direção e a questão precisa se tornar uma prioridade da polícia.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo thethirdpole.net