Em dois de setembro, as comunidades indígenas de toda a região de Morona-Santiago, Azuay e Zamora, do sudeste do país, reuniram-se para contar suas experiências com a mineração chinesa ao longo da última década. Um dos projetos de mineração no país (Río Blanco) atualmente enfrenta um protesto sentado com a participação de centenas de moradores locais; outro (Mirador) tem sido palco de conflitos violentos entre a comunidade local e a empresa chinesa que opera na região com apoio do governo equatoriano.
O que isso tudo representa certamente não é algo que Rafael Correa esperava que fosse acontecer quando venceu as eleições presidenciais em 2006. A plataforma ousada da sua campanha eleitoral teve como foco os direitos indígenas, a sustentabilidade ambiental e a soberania política, unindo toda a esquerda política do país para fazer uma oposição firme ao neoliberalismo e ao “Consenso de Washington”.
Esse movimento buscou incorporar as noções equatorianas de Buen Vivir (Bem Viver, em português, ou Sumak Kawsay, no idioma quíchua) na “Revolução dos Cidadãos”, reconhecida nacional e internacionalmente como uma forma alternativa de desenvolvimento ou como uma alternativa ao desenvolvimento. Correa propôs mudar a “matriz produtiva” do país através de grandes projetos de infraestrutura, argumentando que diversificar a economia, em vez de manter o foco no petróleo, poderia ajudá-lo a solucionar questões como a conservação ambiental e a autodeterminação nacional, além de, simultaneamente, favorecer o financiamento de programas sociais amplos.
Depois de se reeleger presidente no primeiro turno, Correa e seu partido Alianza País iniciaram uma série de mudanças que levou ao desarraigamento do país. O presidente, formado na Bélgica e nos Estados Unidos (com doutorado em economia pela Universidade de Illinois), declarou como ilegítima a dívida externa equatoriana de US$ 3,2 bilhões. Ele assumiu uma posição de enfrentamento com os que seriam os “monstros de verdade”: as estruturas políticas e econômicas do Ocidente.
Correa convocou uma assembleia nacional constituinte em 2008 para redigir uma nova Constituição (a vigésima do Equador) e um dos resultados foi que a natureza se tornou sujeito com direitos explícitos e o poder político foi centralizado através da reorganização da estrutura institucional do país. Foi muito importante para o petro-estado que o presidente tenha feito pressão para renegociar as concessões de petróleo detidas por multinacionais estrangeiras, buscando dar fim aos “roubos” da riqueza natural do país por mãos estrangeiras.
O encontro com a China
Os mercados internacionais não viram com bons olhos as audaciosas decisões de Correa, apesar do apoio de aliados regionais e ideológicos. Ao receber o rótulo de pária dos seus credores mais antigos, Correa se voltou para a China, que na época era uma das únicas fontes disponíveis de financiamento para projetos de desenvolvimento.
Os países firmaram uma boa parceria comercial. O governo chinês conseguiu expandir sua influência regional através de uma série de empréstimos que garantiram às empresas estatais chinesas uma fonte lucrativa de petróleo. Em troca, o Equador encontrou o financiamento e as empreiteiras de que precisava para levar adiante sua ambiciosa revolução no desenvolvimento do país.
O modelo de transformação equatoriano, apoiado pelos chineses e aclamado pela máquina propagandista do partido Alianza País como um avanço para o país, hoje é visto com ressalvas. Embora Correa tenha conseguido, temporariamente, reduzir a pobreza e melhorar os indicadores de saúde e educação, a recessão que seguiu a queda brusca nos preços das commodities em 2013 revelou os perigos da verdadeira estrutura econômica: a contínua dependência do petróleo.
Os projetos que foram construídos pelos chineses mostraram desvantagens socioambientais. Por exercerem poder diplomático sobre o Equador, as empresas chinesas recebiam tratamento preferencial, o que lhes permitia ignorar os processos de avaliação social e ambiental que normalmente são exigidos pela legislação equatoriana. Por último, há inúmeras histórias de corrupção associadas às obras chinesas, sendo a maior delas o escândalo Odebrecht, que atualmente ameaça derrubar o vice-presidente equatoriano Jorge Glas.
A mineração sempre esteve em contradição com a estratégia de desenvolvimento do Alianza País. A visão de Correa, ao reivindicar a soberania nacional, não excluía a exploração dos recursos naturais do país. “Não podemos ser mendigos sentados em um saco de ouro” foi o bordão mais famoso do presidente.
Esse nacionalismo de recursos, que foi adotado durante a “transformação da matriz produtiva” do país, representou um claro distanciamento do espírito de Buen Vivir presente na Constituição, que afirmava que a Amazônia deveria ser reconhecida como essencial para a ecologia global e as comunidades indígenas deveriam receber garantias claras de que seriam consultadas a respeito de todos os projetos de desenvolvimento em suas terras ancestrais.
Esse embasamento teórico errático reflete toda a trajetória da indústria de mineração sob a liderança de Rafael Correa. Rodrigo Izurieta, presidente da Câmara Mineira do Equador, observou que, durante a era pré-Correa, a mineração se restringia a pequenos projetos artesanais e não chegava a representar sequer um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Ao ser eleito, Correa suspendeu e estatizou a maioria das concessões de recursos existentes no país, o que teve o efeito de afugentar os investidores internacionais.
A única mineradora que conseguiu assinar um acordo com o país durante este período foi a Ecuacorriente S.A. (ECSA), pertencente ao consórcio chinês CRCC-Tongguan. É bastante provável que o contrato tenha sido o resultado da combinação de dois fatores: pressão diplomática e as reservas de capital aparentemente sem fundo da empresa chinesa, garantidas pelo governo da China. “As políticas do governo não apenas aceitaram, mas também favoreceram a influência chinesa no Equador”, disse Izurieta.
As empresas chinesas que operam em outros países têm experiência em enfrentar não apenas dificuldades, mas também a má vontade das comunidades que moram nas proximidades ou na área das suas concessões, uma vez que muitas se recusam a estabelecer relacionamentos positivos. Isso não foi diferente no Equador. Para muitos, a culpa reside no desinteresse das empresas chinesas pelos próprios investimentos, a não ser quando se trata de assegurar sua margem de lucro, e também na falta de fiscalização e cumprimento das normas de proteção ambiental e dos regulamentos de consulta pública por parte do governo.
O problema é também atribuído ao fato de que as atividades chinesas de mineração são protegidas através do uso de força física e manipulação política. “As mineradoras ocidentais que operam na região pelo menos parecem se importar com as comunidades locais que vivem em suas concessões”, disse um ex-oficial equatoriano da ECSA. “Os chineses sequer se dão ao trabalho de fingir que se importam”.
No Equador, o projeto de mina a céu aberto Mirador já provou ser infinitamente problemático para todos os envolvidos. Comemorado como o primeiro projeto de mineração de grande escala do país, sua operação foi paralisada depois que enfrentou uma feroz resistência civil por parte da comunidade indígena Shuar, cujo território está na área da concessão. A má execução das avaliações de risco ambiental, o deslocamento forçado das populações por forças policiais estaduais e a morte do líder Shuar José Tendetza provocaram forte revolta nas comunidades locais.
Uma audiência realizada no dia 2 de setembro culminou na produção de um memorando, com auxílio da ONG Acción Ecológica. O documento enumera reclamações específicas contra as atividades de mineração conduzidas pela China na região com o apoio explícito do governo equatoriano.
Alguns acham que os próximos passos para o desenvolvimento do Equador serão marcados por um sentimento anti-China e uma postura pró-mineração. Pressionado por uma década inteira de acordos garantidos por petróleo, que foram muito favoráveis ao governo chinês, o novo presidente do Equador, Lenin Moreno, anunciou medidas de austeridade em resposta à elevada dívida pública do país e vem promovendo o desenvolvimento de uma “mineração responsável”.
Segundo o Ministério da Mineração, a posição do Equador nas concessões das Cordilheiras dos Andes é a mesma de outras potências, como o Chile e o Peru. Apenas 10% do potencial de mineração do país são explorados e as reformas nos códigos de mineração vêm atraindo diversas corporações ocidentais, incluindo as gigantes BHP, Solgold e Lundin.
“Aprender a lição chinesa nos custou muito caro, mas no fim foi muito válido”, disse Izurieta. A questão é: será que o Equador aprendeu mesmo?