Após um grande evento de cúpula no ano passado, para marcar o lançamento da ambiciosa Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada (ICE), não houve um aumento gradual de financiamentos chineses para o desenvolvimento em 2017. Mesmo assim, os bancos de desenvolvimento da China parecem estar se voltando mais para os países da ICE, em detrimento dos outros, e também parecem estar focando mais na geração de energia, ao invés de atividades mais “upstream” no setor energético mundial.
Apesar de comentários ocidentais dizendo o contrário, há uma intensa necessidade de financiamentos para o desenvolvimento no mundo todo, especialmente nas áreas de infraestrutura e energia. No entanto, o conjunto de países e setores nos quais os bancos de desenvolvimento chineses parecem estar focando trazem riscos, juntamente com recompensas.
Entre 2013, quando a iniciativa foi anunciada, e 2016, 46,5% de todos os empréstimos para empreendimentos do setor energético em outros países se destinaram a países da ICE, enquanto em 2017 vimos essa proporção aumentar para 55,9%.
Os dois bancos de fomento globais da China, isto é, o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportações e Importações da China, concederam cerca de US$ 25,6 bilhões em financiamentos para o setor energético de governos estrangeiros em 2017, chegando a um total de US$ 225,8 bilhões desde 2000. O valor referente a 2017 é cerca de metade do total concedido em 2016, de US$ 47,3 bilhões, mas está próximo do montante médio emprestado para empreendimentos energéticos em outros países desde que a ICE foi anunciada pela China, em 2013.
Essas estimativas foram obtidas do “Banco de Dados de Energia Global para China”, que publicamos anualmente no Centro de Políticas para o Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, onde qualquer usuário do nosso site pode acessar os dados e interagir com eles.
De acordo com as nossas estimativas, apesar de a quantia total em dólares dos empréstimos ter se reduzido a partir de 2016, o número de países e o número de projetos aumentou ao longo desse período de um ano. Além disso, os bancos de desenvolvimento da China parecem estar se ‘energizando’, ao se concentrarem mais na geração de energia do que na extração de recursos ao longo do último ano. Em 2016, 46% dos empréstimos concedidos pela China para o setor energético por conta de políticas governamentais se destinou ao extrativismo, sendo apenas 10% direcionados para a geração de energia. Em 2017, 58% foram alocados para geração e 28% para extração.
A maior parte dos investimentos em usinas se destinou a empreendimentos hidrelétricos ou termelétricos a carvão. Na realidade, os US$ 7,7 bilhões concedidos para empreendimentos hidrelétricos estrangeiros, em 2017, foram o segundo maior aporte anual registrado pela China nesse setor. O país concedeu financiamentos para sete usinas hidrelétricas em igual número de países: Nigéria, Paquistão, Peru, Papua Nova Guiné, Uzbequistão, Camarões e Laos. No caso das usinas termelétricas, o total concedido no ano inclui duas usinas a carvão no Paquistão, além da usina Medupi, na África do Sul.
Também observamos que o financiamento chinês para o desenvolvimento na área energética se tornou mais concentrado nos países da ICE em 2017. Entre 2013, quando a iniciativa foi anunciada, e 2016, 46,5% de todos os empréstimos para empreendimentos do setor energético em outros países se destinaram a países da ICE, enquanto em 2017 vimos essa proporção aumentar para 55,9%.
Apesar de as instituições de financiamento do desenvolvimento apoiadas por países ocidentais também reconhecerem a necessidade de investimentos significativos em infraestrutura e energia para remediar deficiências gritantes e alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, há sinais de que não haverá aumento nesse tipo de financiamento. Mesmo que as lideranças priorizassem o aumento do financiamento do desenvolvimento, no caso dos Estados Unidos, qualquer mobilização nesse sentido provavelmente seria bloqueada pelo Congresso.
Por isso, a China deveria ser aplaudida por se prontificar a prover recursos adicionais para o financiamento do desenvolvimento nas áreas de infraestrutura e energia. Dito isso, se não forem devidamente identificados e mitigados, os riscos significativos que são inerentes à geografia e à composição dos financiamentos chineses para o desenvolvimento poderão agir contra os interesses tanto da China quanto dos países recebedores.
Muitos dos países que a China está financiando em 2017 já apresentam uma razão dívida-PIB razoavelmente alta, como é o caso de Paquistão, Laos e Jordânia. Ainda que a dívida externa de longo prazo obtida de instituições de desenvolvimento para projetos de infraestrutura seja muito menos preocupante do que o endividamento de curto prazo obtido de entidades privadas, tanto a China quanto os destinatários precisarão avaliar melhor a sustentabilidade da dívida dos países tomadores dos financiamentos, quando se tratam de empréstimos públicos.
Grandes projetos de usinas hidrelétricas e de termelétricas a carvão tendem a desencadear insatisfações sociais que podem levar a atrasos custosos e sujar a reputação dos bancos chineses.
A China está emergindo como líder no financiamento do desenvolvimento no mundo.
Myanmar, por exemplo, suspendeu as obras da Barragem Myitsone depois que as comunidades afetadas organizaram grandes manifestações, argumentando que o empreendimento destruiria os estoques de peixes a jusante da barragem e desabrigaria milhares de pessoas nos vilarejos locais. O projeto continua gerando controvérsias no país. A falta de estratégias fortes para a identificação e mitigação de riscos tem custado caro à China. A empreiteira responsável pela barragem, a chinesa State Power Investment Corporation, gastou US$ 800 milhões no projeto, um montante que pode nunca ser recuperado.
Em 2016, as obras de duas usinas a carvão em Bangladesh, avaliadas em US$ 2,4 bilhões, com financiamento chinês, também foram suspensas após a morte de manifestantes em confrontos com a polícia.
Localmente, esses tipos de projetos podem ser vistos como algo que acentua as desigualdades sociais e aumenta a poluição de forma prejudicial à riqueza da população e ao clima global. Nos balanços dos bancos de desenvolvimento chineses, esses tipos de projetos podem gerar passivos cada vez maiores e até mesmo se tornarem ‘ativos paralisados’ que geram problemas reais para os próprios bancos.
A China está emergindo como líder no financiamento do desenvolvimento no mundo. Para que esse tipo de atividade se torne realmente uma situação ‘ganha-ganha’ para todas as partes envolvidas, o país faria bem em desenvolver ferramentas tradicionais de identificação e mitigação de riscos, além de estruturas de Gerenciamento de Riscos Socioambientais. Essa abordagem não apenas ajudaria os países destinatários dos recursos a alcançarem seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e compromissos com o Acordo Climático de Paris, mas também ajudaria os bancos chineses a melhorarem sua lucratividade, de forma a poderem disponibilizar cada vez mais recursos para a conquista desses objetivos.