No ano passado, na primeira hora do maior evento de vendas online do mundo – o “Dia dos Solteiros” –, o portal de e-commerce chinês Alibaba vendeu 13,6 milhões de camarões importados do Equador.
O consumo de frutos do mar na China registrou um salto de 50% na última década, enquanto a demanda por camarão dobrou entre 2005 e 2015, segundo estimativas. Para atender esse crescimento, o país depende cada vez mais da importação, especialmente após a dizimação do estoque nacional por uma epidemia de doença entre 2009 e 2012.
Cerca de metade do volume de camarão importado pela China vem do Equador, o qual, nos últimos anos, vem se posicionando como fonte sustentável de camarões de alta qualidade – mesmo após a China proibir, durante uma semana, a compra do produto da empresa Omarsa, a segunda maior exportadora de camarão do país sul-americano.
Além da redução do estoque doméstico, as importações também têm sido motivadas pelo chamado “upgrade de consumo” na China, fenômeno que tem aumentado a demanda por alimentos importados, cuja qualidade e segurança é considerada melhor.
Por que a China está importando tanto camarão?
A quantidade exata de camarão produzido na China é notoriamente difícil de se determinar, por conta dos frequentes exageros nos números oficiais. As estimativas não-oficiais calculam uma produção nacional entre 600 e 700.000 toneladas ao ano, contrastando com as mais de 2 milhões de toneladas divulgadas pelas agências governamentais.
Ainda assim, todos concordam que o estoque interno chinês caiu fortemente no período de 2009 a 2012, devido à doença conhecida como síndrome da mortalidade precoce (EMS). De acordo com o banco Rabobank, citado no portal de notícias UCN, a doença derrubou a produção chinesa de 1,2 milhão de toneladas para apenas 500.000 toneladas.
De forma muito semelhante à epidemia de febre suína na África, que ainda não foi debelada, a EMS foi registrada pela primeira vez no sul da China em 2009, antes de se espalhar rapidamente para os países vizinhos, como Vietnã, Malásia e Tailândia. Nesses países, os criadores de camarão relataram perdas de até 90% de seus estoques.
61%
de todas as exportações de camarão do Equador foram para a China no ano passado
A magnitude do surto de EMS é explicada, em parte, pelo sistema imune relativamente fraco do camarão. Os riscos biológicos também tendem a ser mais altos na Ásia por causa da prevalência de métodos intensivos de cultivo e do grande número de pequenos produtores, diz Aaron McNevin, Chefe de Aquicultura Global na organização não-governamental World Wildlife Fund (WWF).
“O gerenciamento de efluentes é especialmente desafiador, pois os resíduos lançados por alguns aquicultores nos ambientes costeiros é reciclado e utilizado por outros produtores, aumentando o risco de contágio”, diz McNevin.
Nos últimos anos, a produção chinesa vem sendo limitada não apenas pelos efeitos da síndrome, mas também pelas normas mais rígidas impostas pelo governo para combater a poluição da água. As novas regras vieram em resposta à contaminação de águas subterrâneas e estuários costeiros por resíduos orgânicos, produtos químicos e antibióticos provindos dos cultivos de camarão.
Os problemas ambientais e de saúde na China são exacerbados pelo uso intenso de antibióticos para combater doenças cuja probabilidade é aumentada pelas práticas de cultivo intensivo. Outro fator relevante é a prevalência de pequenos produtores, que aplicam técnicas menos sofisticadas para o gerenciamento de doenças.
O consequente déficit na produção doméstica chinesa e o inexorável crescimento da demanda levaram a uma disparada nos níveis de importação, que devem alcançar 800.000 toneladas em 2019 – elevando a China ao posto de maior importador de camarão do mundo, ultrapassando os Estados Unidos.
Quais são os benefícios da produção sustentável e rastreável de camarão?
De janeiro a agosto desse ano, o Equador foi, disparado, o maior fornecedor de camarão para a China, representando quase 50% do volume importado, seguido pela Índia (25%) e pelo Vietnã (4%).
Em parte, o crescimento recente foi motivado por uma decisão tomada pelo governo chinês em dezembro de 2017, determinando a redução das tarifas de importação sobre o camarão equatoriano de 5% para 2%, em uma tentativa de melhorar a rastreabilidade e reduzir o contrabando via Vietnã.
Um estímulo adicional a essas importações veio por meio de esforços do setor de aquicultura do Equador no sentido de construir uma “marca” focada na qualidade e segurança do camarão, apesar de acusações recentes pelo governo chinês que levaram à suspensão de alguns dos maiores exportadores do país sul-americano.
Ao contrário dos produtores asiáticos, que tipicamente mantêm de 100 a 1.000 camarões por metro quadrado nas lagoas de cultivo, os aquicultores equatorianos utilizam métodos semi-intensivos, com apenas 10-15 animais por metro quadrado, o que reduz a probabilidade de surtos de doenças.
Por sua vez, essa redução do risco biológico significa que os produtores no Equador podem evitar o uso de antibióticos que oferecem riscos à saúde dos consumidores, além de terem impacto ambiental adverso quando são lançados na forma de efluentes.
“Hoje, no Equador, temos cultivos de camarão que não usam antibióticos há 15 anos e que, ao invés disso, cuidam dos animais usando probióticos”, disse José Antonio Camposano em uma entrevista recente.
Os aquicultores equatorianos estão ativamente promovendo seus padrões mais elevados de sustentabilidade, segurança e saúde como vantagem competitiva sobre os produtores asiáticos, cujos custos de produção e transporte são significativamente menores.
Em março de 2018, sete dos maiores produtores de camarão do Equador lançaram a Parceria Camarão Sustentável (SSP), um programa de certificação que garante zero uso de antibióticos, rastreabilidade total e zero impacto ambiental adverso (demonstrado por meio de uma medição da qualidade da água).
Ao explicar o motivo da criação do programa, a SSP afirma que “até agora, o setor de camarão cultivado tem funcionado como um mercado de commodities, recompensando quem tem os menores preços. Em alguns casos, a redução dos preços significou uma piora das práticas de cultivo, muitas vezes gerando práticas sociais indevidas, produtos de menor qualidade e maior uso de antibióticos devido ao risco aumentado de surtos de doenças”.
Quais novos padrões estão sendo estabelecidos?
A SSP junta-se a uma série de iniciativas que visam melhorar os padrões de produção de carne e frutos do mar e, ao mesmo tempo, conscientizar os consumidores sobre os potenciais problemas ambientais e de saúde.
Outro exemplo é o Conselho de Gestão da Aquicultura (ASC), uma entidade sem fins lucrativos inaugurada em 2010 pela WWF. O Conselho administra um programa abrangente de certificação e rotulagem, baseado em rigorosas diretrizes ambientais, sanitárias e sociais.
A entidade já elaborou padrões para 17 espécies de frutos do mar, os quais são adotados como referência por aquicultores, consumidores e empresas em todo o mundo. Para receber a certificação da SSP, o camarão precisa atender as especificações do Conselho.
Outro programa que segue os padrões do ASC é a Iniciativa Global do Salmão (GSI), que serviu de modelo para a SSP. A GSI foi estabelecida em 2013, com participação de 14 dos maiores produtores de salmão do mundo, representando 70% da produção global.
O Relatório de Sustentabilidade mais recente da GSI, que já apresenta seis anos de dados sobre 14 indicadores, destaca diversas conquistas. Entre elas, está a redução do uso de produtos químicos no tratamento contra piolhos-do-mar, bem como a diminuição do uso de ingredientes marinhos (como ração e óleos à base de peixe) na alimentação de salmões.
Os proponentes da SSP apostam que, assim como aconteceu com o salmão e as proteínas criadas em terra, como ovos e carne bovina, os consumidores de camarão se tornarão cada vez mais conscientes e seletivos em relação à procedência do produto, assim influenciando as decisões de compra de lojas, supermercados e restaurantes.
“Nós sabemos que os consumidores querem produtos de alta qualidade, produzidos seguindo os mais altos padrões e sem uso de antibióticos, e consideramos que uma parte do papel de liderança da SSP é iniciar aqui, no Equador, essa corrida em direção à excelência”, diz Camposano.
O tempo dirá se a SSP terá sucesso em sua missão. “Apesar de ser um passo importante, identificando problemas importantes, o desafio das padronizações e certificações é que elas tendem a ser baseadas em práticas, enquanto o enfoque deveria estar no rastreamento e na concretização de resultados”, diz McNevin.