Mais de 25 mil representantes de governo, imprensa e ativistas se reunirão em Glasgow de 31 de outubro a 14 de novembro para a cúpula da ONU, a COP26, com a expectativa de aumentar a ambição sobre as ações climáticas para garantir o cumprimento do Acordo de Paris.
Como país anfitrião, o Reino Unido detém a presidência da COP26 e nomeou embaixadores regionais do clima para promover discussões antes da conferência. Fiona Clouder, ex-embaixadora do Reino Unido no Chile, é a Embaixadora Regional para a América Latina e o Caribe, e viajou pela região ao longo do ano passado para se reunir com atores relevantes no processo.
Em entrevista ao Diálogo Chino, Clouder discutiu os principais objetivos e desafios para a COP26. Embora a América Latina como um todo não esteja entre os maiores poluidores do mundo, a embaixadora disse como a região deveria abraçar uma ação climática ambiciosa, o que poderia trazer inúmeras oportunidades econômicas.
Diálogo Chino: Quais são as principais metas do Reino Unido para a COP26 como país anfitrião?
Fiona Clouder: Foi muito difícil o adiamento da COP [em 2020], mas pudemos refletir sobre as principais prioridades para a cúpula. Temos quatro objetivos principais, começando com a mitigação. O mundo tem que se unir para garantir uma neutralidade de carbono até meados do século. Para isso, precisamos que cada país aja com ambição e urgência.
Depois há o objetivo de adaptação e resiliência, pois queremos direcionar o equilíbrio das finanças para essa área importante. As mudanças climáticas estão atingindo as comunidades mais vulneráveis — muitas delas na América Latina.
As finanças também são muito importantes, e esse é o nosso terceiro objetivo. O mundo industrializado assumiu o compromisso [em 2009] de mobilizar US$ 100 bilhões por ano em financiamento para o clima até 2020. Estamos agora em 2021 e não chegamos a esse patamar. Há um impulso para se alcançar essa meta — para que os bancos multilaterais de desenvolvimento alinhem seus portfólios, assim como o setor privado.
Finalmente, o último objetivo é em torno da colaboração internacional. Nenhum país pode fazer isto sozinho. Sejam quais forem as perspectivas políticas e econômicas, todos nós precisamos fazer algo e trabalhar em conjunto num espírito de colaboração.
Você menciona a necessidade de mais financiamento para as ações climáticas e a necessidade de redirecioná-lo à adaptação. Vimos alguns progressos na Assembleia Geral da ONU, com o anúncio dos EUA de duplicar o financiamento para o clima. A COP pode preparar o terreno para que se atinja a meta de US$ 100 bilhões em breve?
Esperamos que o COP faça avançar com isto. O anúncio feito por Biden é muito bem-vindo e mostra a liderança de que precisamos também de outros países. Não se trata apenas de países ricos dando para o mundo em desenvolvimento — faz sentido para todos economicamente. No Caribe, desastres naturais como furacões podem tirar uma porcentagem do PIB anual. Quando o dinheiro é disponibilizado para reinvestir no que foi destruído, outro desastre natural acontece e esse país nunca consegue seguir em frente. Isso não é bom para ninguém. Fazer este investimento agora, pelos países que podem fazê-lo, ajuda a dar atenção às mudanças climáticas e à economia.
Você viajou bastante pela região este ano e se reuniu com funcionários do governo. A região tem dado importância suficiente à crise climática?
Eu viajei pela América Central, depois pelo Equador e finalmente pelo Cone Sul. Diferentes governos com diferentes perspectivas. A região está primeiro tentando lidar com a pandemia, tanto da saúde quanto dos impactos sociais e econômicos. O que a região precisa é de esperança. A COP26 ajuda com isso. Temos que ser realistas sobre os desafios das mudanças climáticas, mas também há grandes oportunidades que podem criar novos empregos e crescimento econômico, e elevar o perfil da região. Tomar medidas para enfrentar as mudanças climáticas pode ajudar a todos, seja um pescador ou um empresário desenvolvendo novos produtos.
A América Latina não é um grande poluidor em comparação a outras partes do mundo, mas é uma das regiões mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas. Qual deveria ser seu papel em meio à crise climática?
Esta região contribuiu com uma pequena parte das emissões, mas isso não significa que possa ignorar suas próprias emissões. Cada pequena contribuição é importante. Tudo o que os governos fazem, como a transição para as energias renováveis, ajuda com as metas de emissões. Esta é uma das regiões mais vulneráveis, com governos que dizem não ter criado o problema [climático]. Mas temos de passar dessa afirmação. Trata-se de entender que a América Latina é afetada pelas mudanças climáticas, mas também é um lugar com muitas oportunidades de investimento e perspectivas de crescimento. Elevar o perfil da região, de sua vulnerabilidade e seus preciosos ativos é muito importante.
Houve grande apelo para uma recuperação verde em meio à pandemia, mas a região tem seguido em grande parte um modelo de negócios como o habitual, com investimentos em combustíveis fósseis. Como os governos podem mudar isto?
Muito mais pode ser feito. A pandemia é uma tragédia, é um momento em que todos nós sofremos. Mas as mudanças climáticas são uma questão permanente, não apenas um momento no tempo como a pandemia. Vão dominar nossas vidas no futuro. Concentrar-se agora nas ações que podem ser tomadas para ajudar a resolver esse problema pode proporcionar um enorme impulso econômico. Não é apenas uma política para este ano. Há uma compreensão na América Latina sobre os problemas trazidos pelas mudanças climáticas. Isso agora tem que ser transformado em ação. Não é fácil, a América Latina precisa de financiamento e também de habilidades e capacitação.
As economias da América Latina dependem fortemente do capital natural da região, que se encontra altamente ameaçado. Como a região pode cuidar melhor de sua biodiversidade e, ao mesmo tempo, alcançar uma recuperação verde?
Temos trabalhado na região no Diálogo FACT, que se traduz em silvicultura, agricultura e comércio de commodities. Isto é parte da campanha da COP, mas também esperamos que isso leve a um trabalho a longo prazo. Não se trata de uma política definida, mas de troca de ideias e informações. Muitas florestas da região foram convertidas para a agricultura, o que é extremamente importante para o ciclo econômico de muitos países. Temos discutido isso em termos de rastreabilidade e medidas políticas maiores. Começamos uma conversa que esperamos continuar. Isso ajuda a elevar o perfil da região para a construção de novas parcerias e iniciativas.
A América Latina tem um grande potencial em relação às energias renováveis, mas os combustíveis fósseis ainda são muito relevantes para muitos países. Como a transição energética pode ser ampliada?
É do interesse dos países reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis e usar mais energias renováveis. Há um grande debate político. Por exemplo, quando estive na Argentina, perguntei por que não havia mais carros elétricos nas estradas e me explicaram que isso se deve a barreiras tributárias. Talvez haja maneiras de permitir o crescimento desse setor.
O mundo ainda está longe de cumprir as metas do Acordo de Paris, com compromissos climáticos não suficientemente ambiciosos, inclusive na América Latina. A COP26 pode dar impulso para compromissos mais ambiciosos?
Esperamos que sim. Estamos pressionando todos os países a reverem suas Contribuição Nacionalmente Determinada (CNDs) com mais ambição e a COP26 vai se basear nisso. Não basta apenas publicar a CND, também é preciso desenvolver a estratégia de longo prazo e convertê-la em ação no mundo real. O recente evento de alto nível dos líderes da Argentina foi uma iniciativa importante e útil.