Clima

COP26: onde está o financiamento para a ação climática?

À medida que a COP26 se aproxima, está se fechando a janela de oportunidade para disponibilizar financiamento e estreitar cooperação com nações em desenvolvimento
<p>Proteção costeira nas Seychelles, um dos países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas (Imagem: Kadir van Lohuizen / NOOR via Flickr, CC BY-NC-SA 2.0)</p>

Proteção costeira nas Seychelles, um dos países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas (Imagem: Kadir van Lohuizen / NOOR via Flickr, CC BY-NC-SA 2.0)

Alok Sharma, presidente da COP26, já deixou claro que uma das prioridades da conferência das Nações Unidas seria de “obter financiamento para a ação climática, tanto pública quanto privada, especialmente para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, e particularmente para a adaptação climática”. Mas dois meses depois, o financiamento continua a ser um problema.

Os países mais vulneráveis às mudanças climáticas reivindicam os US$ 100 bilhões por ano prometidos há mais de uma década, um valor que sequer atingiu os US$ 80 bilhões em 2019, segundo uma avaliação oficial da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A Oxfam estima, a partir de promessas e planos atuais, que os governos ricos atingirão apenas US$ 93-95 bilhões por ano até 2025, devendo aos países mais vulneráveis de 68 a 75 bilhões de dólares entre 2020 e 2025. Mesmo com os Estados Unidos duplicando o financiamento na Assembleia Geral da ONU em setembro, países de baixa renda ainda esperam mais.

“Os US$ 100 bilhões são um número bastante abstrato que foi inventado do nada há 12 anos, esse valor não reflete as necessidades de financiamento de hoje. Entretanto, seu comprometimento é um ponto que permite a reconstrução da confiança, assim como a renovação de parcerias entre as nações”, disse Sara Jane Ahmed, assessora financeira do Grupo Vulnerável dos Vinte (V20) do Fórum de Vulnerabilidade ao Clima, em um podcast para o World Resources Institute (WRI).

O financiamento é uma peça fundamental para que países de baixa renda possam cumprir suas metas de redução de emissões domésticas, já que muitos basearam seus planos contando com o dinheiro das nações mais ricas.

O déficit de financiamento não é a única questão em jogo. Quase três quartos (71%) do financiamento climático fornecido pelos países desenvolvidos vieram na forma de empréstimos pagos por bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD), de acordo com a OCDE, que constatou que o financiamento pago como doações diretas de países doadores representava apenas 27% do total.

Os US$ 100 bilhões são um número bastante abstrato que foi inventado do nada há 12 anos, esse valor não reflete as necessidades de financiamento de hoje

Cerca de US$ 24 bilhões — o equivalente à metade dos empréstimos concedidos — não eram empréstimos concessionais com taxas abaixo do mercado, segundo a Oxfam. A organização também apurou que o “equivalente-subvenção”, ou o valor efetivo do empréstimo já deduzidos os reembolsos e juros, era menor que a metade do montante informado.

Os BMDs fornecem financiamento climático usando seus próprios recursos e canalizando dinheiro de doadores públicos e privados por meio de fundos como o Fundo Verde para o Clima e os Fundos de Investimento Climático (CIFs, em inglês). Em 2020, bancos multilaterais comprometeram US$ 66 bilhões, ante US$ 1,6 bilhão em 2019, de acordo com um relatório oficial de nove bancos de desenvolvimento, incluindo o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, e o Banco Mundial.

Mais da metade, ou US$ 38 bilhões, foi destinada a economias de baixa e média renda e 76% desse valor foi usado em medidas de mitigação, como investimentos em energia limpa.  OS BMDs pretendem aumentar esse valor para US$ 50 bilhões até 2025.

Embora a redução de emissões seja obviamente uma prioridade para os países mais pobres, não é aí que mora o problema, diz Clare Shakya, diretora do Grupo de Mudanças Climáticas do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (IIED). “O financiamento para redução de emissões já foi amplamente garantido — para a maioria das medidas de mitigação é possível injetar financiamento privado, é muito mais fácil do que garantir dinheiro para adaptação às mudanças climáticas. Muito do que precisa ser feito para a adaptação climática atende ao interesse público sem que haja, necessariamente, um retorno financeiro”, afirmou.

Adaptação climática em Glasgow

A falta de financiamento para adaptação às mudanças climáticas está no topo da agenda dos países em desenvolvimento para a COP26. O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que 50% do total do financiamento para o clima seja gasto na construção de sistemas resilientes. O valor deve fazer frente às mudanças climáticas, que já são “generalizadas, rápidas e intensificadas”, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em agosto.

“As discussões globais parecem ter parado nos anos 1990 ou 2000 quando a mitigação era a prioridade”, diz Maria Laura Rojas, cofundadora e diretora executiva do think tank colombiano Transforma. “Como o relatório do IPCC enfatizou, há um grau de aquecimento já existente, então não deveria ser tão difícil ter uma conversa sobre adaptação”.

Do financiamento global do clima em 2019, 25% foram para adaptação (contra 21% em 2018), 64% foram para mitigação (contra 70% em 2019), e o restante financiou ambas as atividades em conjunto, de acordo com a OCDE.

pessoas que trabalham em uma plantação de café na bacia do rio Mahaweli, Sri Lanka
Plantação de café na bacia do rio Mahaweli, Sri Lanka. A agricultura resiliente ao clima pode fornecer uma renda estável aos agricultores diante do aumento das secas e das chuvas extremas (Imagem: UNDP Sri Lanka / Flickr, CC BY-NC 2.0)

As nações mais pobres querem não apenas aumentar o financiamento para a adaptação, mas também acesso direto a ela, já que atualmente cerca de 20% do que é pago é perdido em taxas administrativas, visto que os fundos são direcionados via intermediários como os BMDs, diz Shakya.

Yue Cao, pesquisadora sênior do Overseas Development Institute, concorda que há problemas no acesso ao financiamento, tanto para mitigação quanto para adaptação. Alguns governos não têm necessariamente a capacidade de demonstrar os padrões socioambientais necessários, especialmente em países onde há conflitos.

“Se uma área do país está sob o controle de grupos não-estatais, muitas vezes é impossível para as equipes do programa acessar essas áreas para reunir informações socioeconômicas e estabelecer as diretrizes de um projeto”, afirma.

Enquanto isso, a Covid-19 deixou países de baixa e média renda com dívidas que ameaçam atrasar as ações climáticas. Uma pesquisa do IIED prevê que a pandemia causaria um aumento da taxa média de endividamento em relação ao PIB para mais de 70% na África, de 60% em 2019.

Reforma dos bancos de desenvolvimento

A dificuldade de conseguir financiamento climático expôs a falta de confiança dos países emergentes e em desenvolvimento em receber apoio suficiente para a descarbonização. Mesmo grandes economias emergentes, como a Índia, estão enfrentando barreiras significativas para financiar projetos de energia limpa economicamente viáveis na escala necessária, de acordo com o think tank E3G.

Segundo o grupo, a resposta está na reforma das instituições financeiras multilaterais e bilaterais de desenvolvimento para expandir sua capacidade de financiamento para o clima. Uma melhor gestão de risco e aumentos de capital podem ser capazes de atrair mais capital privado e aumentar o impacto do financiamento público, avalia o think tank.

Por exemplo, ao modelar o financiamento de energia renovável nos principais BMDs, o E3G estima que o financiamento de projetos de energia renovável de fontes públicas e privadas poderia aumentar seis vezes até 2030 em relação aos atuais US$ 7,4 bilhões por ano. Um aumento de oito vezes seria possível por meio de um modesto aumento de capital, calcula o think tank.

Mas Julian Havers, líder do programa de bancos públicos do E3G, não está confiante de que o Banco Mundial esteja interessado em uma reforma tão radical. O Banco Mundial já falhou em alcançar algumas metas de mobilização de capital privado, avalia Havers. Em média, o banco só consegue mobilizar menos de US$ 1 do setor privado para cada dólar de financiamento climático que fornece.

Em sua reunião de outubro com o FMI, o Banco Mundial está pedindo a seus acionistas mais capital para apoiar o aumento de investimentos relacionados ao clima e afirma que pode alavancar até dez vezes este montante em capital privado. Para Havers, não surpreende que acionistas permaneçam céticos, dado o histórico ruim do presidente do banco, David Malpass.

Máquina no parque solar
A fazenda solar Lopburi na Tailândia recebeu um empréstimo de US$ 70 milhões do Banco Asiático de Desenvolvimento, cerca de 25% do custo do projeto (Imagem: Banco Asiático de Desenvolvimento / Flickr, CC BY-NC-ND 2.0)

Uma análise feita pelo E3G de 800 transações de BMDs envolvendo energia limpa mostra que os bancos multilaterais podem aumentar a capacidade de financiamento existente, mas isto exigiria uma profunda reforma estrutural, incluindo uma abordagem mais moderna da gestão de risco e o aproveitamento da oportunidade oferecida pelo mercado de títulos vinculados à sustentabilidade em muitas economias.

Só em 2020, foram emitidos US$ 700 bilhões de bônus verdes, sociais e de sustentabilidade, mas até agora essa oportunidade ignorou muitos países em desenvolvimento.

A reunião do FMI e do Banco Mundial neste mês também deve ver o anúncio do Fundo de Resiliência e Sustentabilidade do FMI, que facilitará o acesso a financiamentos por meio de empréstimos a taxas mais baratas e com prazos mais longos do que as condições de empréstimo tradicionais do FMI. Seu objetivo é apoiar reformas políticas para ajudar a construir resiliência econômica e sustentabilidade, especialmente em países de renda baixa e média.

O fundo ainda pode ser usado para redirecionar alguns dos direitos especiais de saque (DES) — um tipo de ativo de reserva internacional — dos países mais ricos para países de renda baixa e média e, assim, bancar os custos da resiliência, como esforços de combate às mudanças climáticas ou pandemias.

O Acordo de Paris é baseado no tripé mitigação, adaptação e financiamento. Se alguma dessas pernas quebrar, o acordo desmorona

Em agosto, o FMI alocou o equivalente a US$650 bilhões em DES a todos os países membros. No entanto, seu sistema de cotas faz com que a maior parte do dinheiro vá para países ricos, com países emergentes e em desenvolvimento recebendo cerca de US$275 bilhões, e países de baixa renda recebendo cerca de US$21 bilhões.

O novo fundo permitirá aos países lidar com suas dívidas e responder às mudanças climáticas, diz Shakya. Os eventos climáticos extremos, causados pelas mudanças climáticas, têm aprofundado a dívida de países pobres, o que, por sua vez, prejudica sua classificação de crédito e eleva o custo do capital que desejam tomar emprestado, analisa.

A meta de financiamento pós-2020

Na COP26, as negociações devem alinhar um novo regime financeiro para 2025, quando uma nova meta de financiamento deve ser feita para entrar em vigor pelo Acordo de Paris. O grupo V20 de países vulneráveis ao clima solicitou um piso de 500 bilhões de dólares em um período de cinco anos, o que implica uma soma maior nos últimos anos para equilibrar os déficits anteriores e uma média anual de mais de US$ 100 bilhões.

O V20, a presidência da COP26 e o secretário-geral da ONU também estão pedindo que o plano inclua uma parcela maior de financiamento para a adaptação climática, e muitos países em desenvolvimento querem uma parcela maior de financiamento baseado em doações.

Qualquer que seja o processo decidido para alcançar a meta de financiamento pós-2020, sua transparência será crucial para construir relações de confiança entre as partes, diz Shakya. O financiamento para adaptação climática, em particular, é pouco transparente e não é comunicado de uma maneira facilmente compreensível, levando à falta de confiança dos países mais pobres, acrescenta ela. O IIED examinou quanto financiamento de adaptação climática estava chegando aos países menos desenvolvidos e só conseguiu verificar metade do financiamento relatado pelos doadores, afirma a diretora.

“O Acordo de Paris é baseado no tripé mitigação, adaptação e financiamento. Se alguma dessas pernas quebrar, o acordo desmorona”, diz ela.