Às vésperas da COP26, a conferência da ONU que será realizada a partir de domingo em Glasgow, o governo brasileiro anunciou planos de combate às mudanças climáticas em uma tentativa de reverter sua reputação negativa na área.
“Nosso desempenho nas reuniões que vão ocorrer na COP26 vai ser importantíssimo para que a imagem do país em termos de questão ambiental seja recuperada”, afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão em uma coletiva de imprensa recentemente.
Nessa última semana, o governo lançou pelo menos duas iniciativas que preveem cortes de emissões de CO2 e investimentos verdes para garantir que o Brasil tenha o que mostrar na conferência do clima: o Programa Nacional de Crescimento Verde e a revisão do Plano ABC, uma das principais políticas para a agricultura de baixo carbono no país.
Mas a redução da ambição brasileira no Acordo de Paris e os últimos retrocessos de sua política ambiental falam mais alto, dizem especialistas. “Todos os exemplos de anúncios na área ambiental foram palavras vazias e sem absolutamente nenhum efeito real, pelo contrário, houve vários passos atrás”, comenta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. Assim, o que se pode esperar da participação brasileira na COP26? “Se o governo não repetir a performance negativa da COP de Madri, já está bom”, diz Astrini.
Como foi a participação do Brasil na COP25?
Jair Bolsonaro havia assumido o governo há menos de um ano quando a COP25 foi realizada, em dezembro de 2019, em Madri. Na época, o presidente brasileiro, que inclusive desistira de sediar o evento no Brasil alegando falta de verbas, já enfrentava críticas à sua política ambiental.
Um dos principais calos era o forte aumento do desmatamento da Amazônia, que levou Bolsonaro a reagir com acusações contra organizações internacionais e até contra o ator Leonardo DiCaprio.
Diante das pressões, o presidente não compareceu ao evento na Espanha, mas enviou o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e até agentes secretos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar críticas a ele. Ao final, o Brasil protagonizou um impasse nas negociações do clima.
Que planos Brasil pretende apresentar na COP26?
Integrantes da comitiva brasileira chegarão à COP26 em meio a um cenário de aumento de 9,5% das emissões de gases de efeito estufa no país em 2020 — uma elevação motivada, em grande medida, pelo aumento do desmatamento na Amazônia. Para a conferência em Glasgow, o governo brasileiro busca recuperar a credibilidade internacional e levará programas que mostrem seu compromisso com o Acordo de Paris de frear o aquecimento global.
1,1 bilhão de toneladas
O principal, o Programa Nacional de Crescimento Verde, pretende oferecer financiamentos e subsídios para atividades econômicas sustentáveis e a geração de empregos verdes.
“O lançamento é para deixar claro como o Brasil tem R$ 400 bilhões na direção verde”, disse o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, no Palácio do Planalto. “Temos o desafio de apresentar o programa de crescimento verde na COP”.
Já a revisão do Plano ABC prevê cortes de 1,1 bilhão de toneladas de carbono da agropecuária brasileira até 2030 — sete vezes mais do que o previsto inicialmente.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, explicou que a reformulação do “conhecido e exitoso plano ABC”, há uma década em operação, visa manter o agronegócio brasileiro “na vanguarda dos esforços de enfrentamento da mudança do clima”. O plano também será apresentado na conferência, segundo a ministra.
Assim como Astrini, Natalie Unterstell, presidente do Talanoa, um think tank voltado para acelerar políticas climáticas no Brasil, criticou ambas as iniciativas no Twitter. Para a especialista, o programa de crescimento “não tem lastro”, ou seja, não está bem embasado, e os novos números do Plano ABC+ são “minúsculos” diante do quanto o Brasil subsidia de agronegócio com altas emissões de carbono.
Quais são as Contribuições Nacionalmente Determinadas do Brasil?
Em 2020, o Brasil atualizou suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs) para reduzir suas emissões de CO2. Esperava-se que o país apresentasse metas mais ambiciosas do que as originalmente acordadas, mas não foi o que aconteceu.
"Um retrocesso"
Em números absolutos, a ambição do Brasil diminuiu. O país manteve a promessa de reduzir as emissões em 37% até 2025, e 43% em 2030, comparada aos níveis de 2005, número que vai subir para 50% em um anúncio feito pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Com o compromisso original, a neutralidade de carbono seria atingida em 2060, prazo que foi antecipado para 2050 durante a conferência. Mas especialistas em clima alertaram que as novas CNDs representam um aumento de CO2 na atmosfera, uma vez que as metas permaneceram as mesmas enquanto a linha de base mudou ao longo do tempo.
Bolsonaro chegou a apresentar em abril, durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Mas a meta não foi oficializada. Nesta terça-feira, a ONU avaliou como um retrocesso a revisão das metas brasileiras, o que representa uma violação da cláusula do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário. Ainda não está claro o que isto pode provocar na prática.
Bolsonaro vai participar da COP26?
Com a Amazônia no centro das discussões visando às reduções de emissões, os presidentes da Colômbia, Iván Duque, e do Brasil defenderam recentemente que os países se mobilizem na COP para tratar do bioma ameaçado pelo desmatamento.
“Com certeza chegaremos unidos em Glasgow para tratarmos de um assunto muito importante e caro para todos nós, a nossa querida, rica e desejada Amazônia”, disse Bolsonaro após encontro bilateral com Duque.
Isso não quer dizer que Bolsonaro estará em Glasgow na próxima semana. Embora o Brasil tenha planos de levar uma das maiores delegações à COP26, incluindo os governadores dos estados da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro não confirmou sua presença. O vice-presidente Mourão também ficou de fora da comitiva brasileira à COP26, que será chefiada pelo ministro Leite.
Um histórico da participação do Brasil nas COPs
O Brasil teve uma participação ativa nas negociações climáticas desde a Rio92, que serviu como um encontro embrionário para as COPs, e principalmente nas COPs de Copenhagen, em 2009, e de Durban, em 2011, como lembra a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Como parte do grupo Basic, composto por África do Sul, Índia e China, o Brasil “abriu um espaço de interlocução importante quando houve o colapso [do acordo] de Copenhagen e o fracasso dos países desenvolvidos [nas negociações]”, conta Teixeira.
Existe um país para além de Bolsonaro
Na ocasião, o país saiu fortalecido do encontro ao apresentar metas voluntárias de redução de emissões e com negociadores elogiados por destravar impasses. “E aí, chegamos em 2011, e eu lembro que eu faço o discurso em Durban, em que o Brasil topa um novo acordo global, oferecendo um outro caminho, obviamente com um diálogo com Índia, China e África do Sul”, completa Teixeira.
Em 2015, esse acordo global viria a ser formalizado na COP de Paris.
Para a próxima COP, Teixeira espera que o Brasil não recue em suas metas na redução de emissões de CO2, e Astrini diz que a agenda de organizações pelo clima tem sido a de “neutralizar os retrocessos, com uma visão de futuro”. “O que vai tentar mostrar é que existe um país para além de Bolsonaro”, afirma o ambientalista.