Clima

COP27: Relação entre gênero e clima continua negligenciada?

Ciência mostra que mulheres sentem os impactos da emergência climática de forma mais aguda, mas gênero teve pouco espaço na cúpula do Egito
<p>Manifestação na COP27 pede que as questões de gênero sejam consideradas nas ações e negociações climáticas (Foto: IISD / ENB)</p>

Manifestação na COP27 pede que as questões de gênero sejam consideradas nas ações e negociações climáticas (Foto: IISD / ENB)

Na abertura da recente COP27, uma imagem viralizou: a tradicional foto dos chefes de Estado e representantes de governo presentes deixou clara a falta de mulheres. De acordo com uma lista publicada pela ONU, dos 110 líderes presentes no Egito, apenas oito eram mulheres – índice semelhante ao das governantes no mundo.

Isso não é novidade. Há muito tempo que as mulheres são sub-representadas nas delegações nacionais que participam das negociações climáticas da ONU. A presença feminina aumentou ligeiramente na última década: na COP15, realizada em 2009 em Copenhague, as mulheres representavam 30% das delegações, subindo para 38% na COP26 do ano passado, de acordo com um relatório da Organização de Mulheres para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Wedo, na sigla em inglês).

As mulheres também costumam falar menos em público nesses eventos. Nas plenárias da COP26, elas só tiveram 23,7% do tempo de fala, segundo o relatório da ONU.

Para as representantes da sociedade civil na COP27, a situação não foi diferente. “Em várias ocasiões, não tivemos acesso às salas de negociação”, diz a ativista costarriquenha Mariana Chaverri Solano, coordenadora da organização Latinas pelo Clima. “Viajamos milhares de quilômetros para continuar sistematicamente excluídas dos espaços de tomada de decisão”. 

A representação desigual das mulheres e a sensação de exclusão são notórias, apesar de estudos recentes mostrarem sua maior vulnerabilidade às mudanças climáticas e um sofrimento desproporcional desses impactos. Pesquisas indicam que as mulheres morrem mais em eventos climáticos extremos, devido às diferenças no acesso à mobilidade e a outros recursos. Em ambientes mais expostos aos impactos das mudanças climáticas, como secas, ondas de calor e enchentes, elas têm uma responsabilidade maior para garantir o fornecimento de alimento e água. 

Embora gênero figurasse na agenda da COP27, algumas participantes ficaram desapontadas com a falta de progresso e reclamaram do ambiente dominado por homens, intensificando os apelos para trazer as interseções de gênero e mudanças climáticas para o centro dos próximos debates.

Elas são minoria na COP27

Na cúpula da COP27, deveria ter havido uma revisão do Plano de Ação de Gênero, que desde a COP20, em 2014, promove o enfoque de gênero nas ações e políticas climáticas. Embora sua inclusão como um item na agenda tenha sido comemorada, não houve avanços como era esperado.

“A revisão dos planos de gênero foi travada e não teve os resultados desejados”, diz Jazmín Rocco Predassi, coordenadora de política climática da organização argentina Fundação Ambiente e Recursos Naturais (Farn). 

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Chaverri Solano concorda: “O texto final contém uma linguagem fraca e sem substância. Não garantiu os recursos necessários para a proteção e o empoderamento de meninas e mulheres que estão na vanguarda da luta climática”.

De modo geral, o financiamento para as ações climáticas e, em particular, para as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas foram temas-chave da COP27. As mulheres foram algumas das principais palestrantes sobre o tema, incluindo a presidente tanzaniana Samia Suluhu Hassan e a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, que fez um dos discursos mais elogiados da cúpula, no qual pediu aos países desenvolvidos que cumprissem suas promessas sobre financiamento climático. 

“Deve existir um compromisso para desbloquear financiamentos vantajosos para os países vulneráveis aos impactos climáticos”, disse Mottley, acrescentando que “não há como os países em desenvolvimento travarem esta batalha” sem acesso a financiamento. Já Suluhu Hassan cobrou dos países desenvolvidos o cumprimento de suas promessas de transferência de tecnologia.

Mas há esperança de que as futuras edições da COP sejam mais inclusivas, depois que participantes relataram um ambiente pouco convidativo para as mulheres. A jornalista Tais Gadea Lara, que cobre mudanças climáticas na Argentina, também destacou seu desconforto: “Nós mulheres tivemos muito cuidado com nossa segurança. Em outras conferências, voltei sozinha à 1h, mas não aqui – só pude ficar na rua até as 22h30”.

A jornalista disse que a ausência de mulheres era evidente em todos os espaços da COP27: “Quando se entra no ônibus, quando se entra numa coletiva de imprensa, há mais homens do que mulheres na sala”. Para ela, isso “tem relação com o país onde está sendo realizada [a COP] e quem o preside”.

Essa insegurança também é enfrentada pelas mulheres no Egito, onde 99% delas sofreram assédio sexual e quase não há serviços de assistência para vítimas de violência sexual e motivada por gênero.

Mulher sofre mais com clima

As mudanças climáticas são descritas pelas ONU Mulheres como um “multiplicador de ameaças”, um motor que potencializa as desigualdades de gênero existentes. A América Latina e o Caribe são as regiões mais socialmente desiguais do mundo e estão entre as mais impactadas pela pandemia da Covid-19.

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De acordo com dados do Observatório de Igualdade de Gênero para a América Latina e o Caribe, as mulheres da região passam em média quase dois terços do tempo exercendo trabalhos não remunerados; para os homens, é apenas um terço. Isto inclui a obtenção de recursos básicos para a subsistência, como água, lenha e alimentos.

Quando os desastres climáticos ocorrem, mulheres são forçadas a dedicar mais tempo a contornar o problema, elevando os níveis de desigualdade e pobreza. Quando as condições pioram, também se observam maiores taxas de violência com base em gênero e de tráfico sexual.

Um relatório do Fundo de População da ONU (UNFPA, na sigla em inglês) registrou o aumento nos níveis de tráfico sexual após tempestades severas na região do Pacífico Asiático. Enquanto isso, a violência dos parceiros aumentou durante tempestades tropicais na América Latina, em períodos de seca na África Oriental e durante eventos climáticos extremos nos países árabes.

A saúde das mulheres e meninas também é desproporcionalmente afetada pelas mudanças climáticas devido ao acesso limitado aos serviços de saúde. Segundo o UNFPA, as mudanças climáticas e seus impactos podem elevar as taxas de abortos espontâneos e doenças como a zika, que podem causar problemas congênitos. Em meio a desastres climáticos, além disso, os recursos são remanejados para os serviços considerados “essenciais”, muitas vezes às custas dos cuidados sexuais e reprodutivos.

Lorenza Terrazas, especialista em política climática internacional e coordenadora da organização boliviana Red Pazinde, defende enfatizar as condições de vulnerabilidade enfrentadas pelas mulheres, e não simplesmente vitimizá-las – ao contrário, mostrar a urgência de incluí-las na formulação de respostas às mudanças climáticas. 

“Os homens ainda lideram as questões sendo negociadas”, observa Terrazas. “Se quisermos ter participação equitativa, as mulheres devem ser tomadoras de decisões em questões ambientais”.


“El tráfico sexual aumentó después de los ciclones en la región de Asia y el Pacífico y la violencia de pareja aumentó durante la sequía en África Oriental, así como en las tormentas tropicales en América Latina y fenómenos meteorológicos extremos similares en la región de los Estados Árabes”, citó el informe del Fondo de Población de las Naciones Unidas (UNFPA).

Passos adiante

Embora tenham ocorrido avanços no reconhecimento da relação entre gênero e mudanças climáticas nos últimos anos, ainda falta algo fundamental: a maior presença das mulheres, não apenas nas cúpulas, mas também na mesa de negociação e em outros espaços de tomada de decisão.

“Na América Latina, há um movimento feminista muito importante, e a compreensão das questões de gênero é muito avançada”, diz Jazmín Rocco Predassi, da Farn. “Esta visão ainda precisa aparecer na agenda climática. É importante trabalhar na integração, porque as mudanças climáticas não são cegas ao gênero”.