Florestas

Opinião: China precisa regular couro comprado da Amazônia brasileira

Nova legislação na União Europeia pressiona China a também banir importação de produtos do desmatamento
<p>Criação de gado em área desmatada em Candeias do Jamari, Rondônia. A pecuária é responsável por 80% do desmatamento na Amazônia brasileira (Imagem © Victor Moriyama / Amazônia em Chamas)</p>

Criação de gado em área desmatada em Candeias do Jamari, Rondônia. A pecuária é responsável por 80% do desmatamento na Amazônia brasileira (Imagem © Victor Moriyama / Amazônia em Chamas)

Em 2021, o desmatamento na Amazônia brasileira bateu o recorde dos últimos 15 anos, ameaçando os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas e estancar sua perda de biodiversidade. Além do Brasil, a China também tem um papel central na questão. É o maior comprador das duas principais commodities agrícolas que agem como motores do desmatamento: a soja e o gado.

Em 2021, a China foi o destino de cerca de 70% da soja, 64% da carne congelada e 34% do couro bovino exportados pelo Brasil. Esses produtos foram avaliados em mais de US$ 30 bilhões (R$ 154 bilhões), segundo dados da Comtrade, da ONU. Isso garante à China uma posição decisiva para mudar a forma como essas commodities são produzidas no Brasil.

A pecuária é responsável por 80% do desmatamento na Amazônia brasileira. A maior parte disso é ilegal e fere os direitos do meio ambiente e dos povos indígenas. Mas, nos últimos anos, o governo não vinha aplicando adequadamente essa legislação. Quem lucra com os crimes ambientais geralmente sai impune.

Produção de curtume wet blue em uma fábrica no Brasil
Produção de curtume wet blue em uma fábrica no Brasil. A tonalidade azul desse couro é resultado do contato com o cromo, antes de passar por secagem, tingimento e acabamento (Imagem: EIA)

Mercados globais que aceitam produtos ligados ao desmatamento e ao crime também são responsáveis. A Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, recentemente publicou uma investigação mostrando como o gado criado em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia, inclusive em áreas protegidas, entra nas cadeias produtivas das maiores empresas de carne e couro do Brasil.

Essas empresas exportam o couro para grandes mercados consumidores — sobretudo EUA, União Europeia e China —, onde é utilizado como matéria-prima para diversos produtos, desde sapatos e sofás até bancos de carros de marcas famosas como BMW, Ford, General Motors, Toyota e Land Rover.

A indústria do couro tenta lavar as mãos sobre sua participação no desmatamento, alegando que o couro é apenas um subproduto da indústria da carne, mas a venda de peles é importante para a rentabilidade dos abatedouros. O Brasil exporta mais de 80% de seu couro, e a indústria automotiva é um de seus maiores usuários.

A investigação da EIA mostra que as falhas sistemáticas de fiscalização governamental e dos sistemas de rastreabilidade das empresas facilitam a “lavagem do gado” criado em terras desmatadas ilegalmente no Brasil. Nossas descobertas somam-se a um extenso conjunto de evidências publicadas por organizações socioambientais e governamentais na última década. Os compromissos voluntários das empresas brasileiras para eliminar esse gado de suas cadeias produtivas falharam terrivelmente na contenção da perda florestal.

O Brasil e seus parceiros comerciais agora devem implementar medidas regulatórias para desvincular sistematicamente o desmatamento da produção e do comércio agrícola. Na pecuária, a rastreabilidade deve considerar todo o ciclo de vida dos animais, desde o nascimento até o abate.

O recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu ambiciosos compromissos públicos para deter o desmatamento e as invasões de terras indígenas, mas enfrentará uma oposição feroz da poderosa minoria que lucra com a destruição. Uma forte sinalização dos parceiros comerciais do Brasil — nenhum mais influente do que a China — em apoio aos esforços de Lula seria essencial para impulsionar as reformas necessárias. Tais medidas ajudariam na criação de cadeias produtivas rastreáveis e transparentes, na aplicação da legislação de proteção ambiental e das comunidades tradicionais e na redução do desmatamento.

Medidas do governo chinês para exigir e fiscalizar que seus importadores não trabalhem com produtos de soja e gado associados ao desmatamento e outros crimes ambientais criariam um poderoso incentivo para o governo brasileiro e os produtores agrícolas.

O outro lado dessa oportunidade são os riscos inerentes à manutenção do status quo do mercado. A União Europeia está prestes a adotar uma nova regulamentação que exige das empresas medidas rígidas para garantir que produtos colocados à venda na Europa não sejam produzidos por desmatamento ou outros crimes. O Congresso dos EUA estuda medidas semelhantes. Se os principais mercados consumidores fecharem as portas a produtos ligados ao desmatamento, esses produtos só poderão ser direcionados para mercados sem regulação.

Os EUA e a Europa consomem bem menos soja e produtos bovinos brasileiros do que a China, o que torna ainda mais importante uma mobilização do legislativo chinês para garantir que as importações de commodities não tenham nenhuma ligação com o desmatamento. A China não gostaria de se tornar um local de descarte de produtos oriundos de desmatamento e outros crimes ambientais, porque isso prejudicaria sua credibilidade como líder global nos esforços para combater as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. O país inclusive é signatário da Declaração de Glasgow para conter o desmatamento até 2030.

As próprias importações chinesas dos produtos brasileiros podem ser impactadas pela crise climática. Cientistas alertam que a Amazônia está próxima de atingir seu “ponto de virada” por causa do desmatamento, o que significaria o colapso de grande parte do ecossistema amazônico. Além de liberar bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera e colocar as metas do Acordo de Paris fora de alcance, isso pode ter impactos potencialmente dramáticos nos padrões de chuvas e na regularidade da produção agrícola na região.

Considerando sua dependência das importações de alimentos do Brasil, a adoção de regulamentações internas pela China para barrar os produtos do desmatamento pode ser até mesmo uma questão de interesse nacional.