Em 2021, o desmatamento na Amazônia brasileira bateu o recorde dos últimos 15 anos, ameaçando os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas e estancar sua perda de biodiversidade. Além do Brasil, a China também tem um papel central na questão. É o maior comprador das duas principais commodities agrícolas que agem como motores do desmatamento: a soja e o gado.
Em 2021, a China foi o destino de cerca de 70% da soja, 64% da carne congelada e 34% do couro bovino exportados pelo Brasil. Esses produtos foram avaliados em mais de US$ 30 bilhões (R$ 154 bilhões), segundo dados da Comtrade, da ONU. Isso garante à China uma posição decisiva para mudar a forma como essas commodities são produzidas no Brasil.
A pecuária é responsável por 80% do desmatamento na Amazônia brasileira. A maior parte disso é ilegal e fere os direitos do meio ambiente e dos povos indígenas. Mas, nos últimos anos, o governo não vinha aplicando adequadamente essa legislação. Quem lucra com os crimes ambientais geralmente sai impune.
Essas empresas exportam o couro para grandes mercados consumidores — sobretudo EUA, União Europeia e China —, onde é utilizado como matéria-prima para diversos produtos, desde sapatos e sofás até bancos de carros de marcas famosas como BMW, Ford, General Motors, Toyota e Land Rover.
A indústria do couro tenta lavar as mãos sobre sua participação no desmatamento, alegando que o couro é apenas um subproduto da indústria da carne, mas a venda de peles é importante para a rentabilidade dos abatedouros. O Brasil exporta mais de 80% de seu couro, e a indústria automotiva é um de seus maiores usuários.
A investigação da EIA mostra que as falhas sistemáticas de fiscalização governamental e dos sistemas de rastreabilidade das empresas facilitam a “lavagem do gado” criado em terras desmatadas ilegalmente no Brasil. Nossas descobertas somam-se a um extenso conjunto de evidências publicadas por organizações socioambientais e governamentais na última década. Os compromissos voluntários das empresas brasileiras para eliminar esse gado de suas cadeias produtivas falharam terrivelmente na contenção da perda florestal.
O Brasil e seus parceiros comerciais agora devem implementar medidas regulatórias para desvincular sistematicamente o desmatamento da produção e do comércio agrícola. Na pecuária, a rastreabilidade deve considerar todo o ciclo de vida dos animais, desde o nascimento até o abate.
O recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu ambiciosos compromissos públicos para deter o desmatamento e as invasões de terras indígenas, mas enfrentará uma oposição feroz da poderosa minoria que lucra com a destruição. Uma forte sinalização dos parceiros comerciais do Brasil — nenhum mais influente do que a China — em apoio aos esforços de Lula seria essencial para impulsionar as reformas necessárias. Tais medidas ajudariam na criação de cadeias produtivas rastreáveis e transparentes, na aplicação da legislação de proteção ambiental e das comunidades tradicionais e na redução do desmatamento.
Medidas do governo chinês para exigir e fiscalizar que seus importadores não trabalhem com produtos de soja e gado associados ao desmatamento e outros crimes ambientais criariam um poderoso incentivo para o governo brasileiro e os produtores agrícolas.
Os EUA e a Europa consomem bem menos soja e produtos bovinos brasileiros do que a China, o que torna ainda mais importante uma mobilização do legislativo chinês para garantir que as importações de commodities não tenham nenhuma ligação com o desmatamento. A China não gostaria de se tornar um local de descarte de produtos oriundos de desmatamento e outros crimes ambientais, porque isso prejudicaria sua credibilidade como líder global nos esforços para combater as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. O país inclusive é signatário da Declaração de Glasgow para conter o desmatamento até 2030.
As próprias importações chinesas dos produtos brasileiros podem ser impactadas pela crise climática. Cientistas alertam que a Amazônia está próxima de atingir seu “ponto de virada” por causa do desmatamento, o que significaria o colapso de grande parte do ecossistema amazônico. Além de liberar bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera e colocar as metas do Acordo de Paris fora de alcance, isso pode ter impactos potencialmente dramáticos nos padrões de chuvas e na regularidade da produção agrícola na região.
Considerando sua dependência das importações de alimentos do Brasil, a adoção de regulamentações internas pela China para barrar os produtos do desmatamento pode ser até mesmo uma questão de interesse nacional.