Líderes de oito países que compartilham a floresta amazônica se encontram esta semana em Letícia, na Colômbia, para conversas preliminares antes de uma cúpula que discutirá a proteção do bioma no próximo mês.
O Caminho para a Cúpula da Amazônia, realizado de 6 a 8 de julho, reúne ministros do Meio Ambiente de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Também participam o presidente do país anfitrião, Gustavo Petro, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva — chefes de Estado que demonstram mais interesse em proteger a Amazônia, maior floresta tropical do mundo e lar de mais de um milhão de indígenas.
A reunião na Colômbia, que reúne ainda representantes do setor privado, da academia e da sociedade civil, espera definir propostas e compromissos para 2025 e 2030. O que for acertado agora será assinado formalmente em uma cúpula de presidentes da região amazônica, prevista para ser realizada em Belém do Pará, entre 8 e 9 de agosto.
Entre os destaques na agenda, está o bem-estar dos cerca de 400 povos indígenas que vivem na Amazônia e têm suas terras e modos de vida constantemente ameaçados. A exploração econômica dos recursos naturais geralmente é a causa dessas violações.
“Esta pode ser nossa última chance de reverter a destruição da Amazônia. Precisamos de ações ambiciosas, coordenadas e de larga escala em todos os países da região”, diz Juan Bello, diretor para a América Latina e o Caribe do Programa da ONU para o Meio Ambiente, em um artigo de opinião sobre a cúpula.
Conforme se aproxima a reunião em Belém e as organizações indígenas reivindicam seu espaço na cúpula, analisamos alguns dos principais desafios que os povos originários enfrentam na Amazônia.
Peru: conflitos legislativos
Em todos os países amazônicos, há marcos legais para proteger as florestas e suas populações. Porém, dificilmente isso é suficiente. “Somos perseguidos, incriminados, e tentam aprovar leis que promovem o genocídio dos povos indígenas isolados”, diz o líder indígena peruano Julio Cusurichi.
Cusurichi é membro da Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Peruana, que representa os povos indígenas de todo o Peru e pressiona pelo cumprimento da legislação que deveria protegê-los.
No final de junho, o Congresso peruano debateu o projeto de lei 3.518, para retirar funções do Ministério da Cultura — que comanda a proteção dos povos indígenas — e entregá-las aos governos regionais. A jogada legislativa seria uma forma de abrir o caminho para projetos de infraestrutura e exploração econômica em territórios com povos isolados e de recente contato.
Após vários apelos dentro e fora do país para barrar o projeto de lei — até mesmo da ativista Greta Thunberg e do ator Mark Ruffalo —, a proposta foi arquivada, mas organizações indígenas dizem que a pressão continua.
Colômbia: vítimas de violência
O ano passado registrou os níveis mais altos de violência contra as comunidades indígenas da Colômbia. Segundo a Organização Nacional Indígena da Colômbia, há mais de 450 mil vítimas de confinamento (quando grupos armados forçam o isolamento de comunidades), migração forçada, invasões territoriais, ameaças e mortes. O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz acrescenta que, no mesmo ano, 42 líderes indígenas foram assassinados no país.
Apesar dos discursos pró-Amazônia do presidente Gustavo Petro, a situação segue piorando em quase um ano de mandato. Nas últimas semanas, milhares de indígenas Awá foram forçados a deixar seus territórios no sudoeste da Colômbia devido às tensões entre o Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). As FARC oficialmente se desmobilizaram após os acordos de paz com o governo em 2016. O governo Petro agora tenta acertar um tratado de paz com o ELN em meio ao fogo cruzado entre guerrilheiros e militares.
Nesse cenário violento, as populações originárias são algumas das mais afetadas: 19% das vítimas do conflito armado são indígenas.
Equador: petróleo da Amazônia
No dia 20 de agosto, junto as eleições do Equador, será realizada uma consulta pública sobre a exploração das reservas de petróleo no Parque Nacional Yasuní, maior área protegida do Equador e lar de uma das maiores biodiversidades do planeta.
O tema é motivo de controvérsia há décadas no país. Representantes indígenas alegam que as empresas petrolíferas estão dividindo as comunidades afetadas pela exploração do Bloco 43-ITT, que responde por 11% da produção nacional de petróleo.
Até o momento, duas das sete comunidades afetadas pelo projeto petrolífero se posicionaram a favor da exploração. “Isso nos deu desenvolvimento, saúde e educação”, diz Lauro Papa, membro da comunidade Boca Tiputini, em entrevista recente à EFE. A comunidade Kawymeno também é favorável à exploração petrolífera.
Por outro lado, Juan Bay, presidente da Nação Waorani, diz que sua comunidade votará pelo fim das atividades e critica o “péssimo costume” da indústria petrolífera de dividir as comunidades. “Convocamos a unidade dos povos”, diz Bay, acrescentando que “Yasuní é um símbolo da biodiversidade amazônica e terra de povos em isolamento voluntário”.
Bolívia: riscos de contaminação
Um estudo recente realizado na Bolívia mostrou que as populações indígenas da região amazônica de La Paz foram contaminadas pelo mercúrio da mineração de ouro. A pesquisa, liderada pelo Centro dos Povos Indígenas de La Paz (Cpilap) e pela Universidade Superior de San Andrés, analisou 302 pessoas de diferentes etnias. A presença de mercúrio acima dos níveis aceitáveis foi detectada no sangue de 74,5% das pessoas testadas.
“É urgente tomar medidas sanitárias para controlar esses efeitos”, diz Gonzalo Oliver, presidente do Cpilap, que também pediu ajuda para reverter a situação e exigiu que o governo “lute contra a mineração ilegal e destrutiva”.
Essas descobertas vão de encontro a outro estudo publicado recentemente na Environmental Research, que constatou que as populações indígenas da Amazônia têm duas vezes mais chances de morrer prematuramente devido a incêndios florestais do que outras populações sul-americanas. Segundo os pesquisadores, as partículas de fumaça espalhadas pelo vento são responsáveis por duas mortes prematuras a cada 100 mil pessoas por ano na América do Sul, proporção que dobra nas comunidades indígenas.
Brasil: obras polêmicas
No Brasil, os povos originários estão preocupados com a possível construção da Ferrogrão, projeto ferroviário de mil quilômetros para transportar soja e milho do Mato Grosso ao Pará. A rota planejada atravessará territórios indígenas, passando pelo Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.
Apoiado por Lula, o projeto foi descrito como “antiambiental” por ativistas, embora o presidente tenha prometido colocar as questões ambientais e a proteção da Amazônia no centro de seu governo. “Vamos demonstrar mais uma vez ser possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente”, disse ele em campanha.
A Ferrogrão foi proposta em 2016, durante o governo de Dilma Rousseff, mas não seguiu adiante. Como demonstração de apoio ao setor agrícola, agora Lula tenta tornar o projeto realidade. Por enquanto, disputas legais barram o início das obras.
“Minha impressão é que o Supremo Tribunal Federal aprovará o avanço desse projeto”, diz Luis Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga. Porém, diz Baldez, mesmo que seja aprovado, o projeto ainda deve enfrentar debates internos no governo, uma vez que ele traz potenciais impactos à Amazônia.
Para Márcio Astrini, do Observatório do Clima, a Ferrogrão “é uma contradição, porque acontece em um governo que afirma ter uma agenda ambiental diferente, que afirma ser um líder nessa área”.