A cooperativa Hondupalma se destaca no setor de óleo de palma em Honduras. Em 40 anos de atividade e fundada a partir de lutas campesinas, ela reúne mais de 600 associados e desafia o modelo predominante dos grandes latifúndios.
Embora tenha mercado e reconhecimento, hoje ela luta pela sobrevivência. Além de um cenário tenso no país, marcado por violências e disputas territoriais, a cooperativa enfrenta seus próprios testes: contornar desafios relacionados ao clima e encontrar um novo líder para a cooperativa, à medida que os atuais estão envelhecendo.
O governo hondurenho começou a promover o cultivo de palma de óleo na década de 1960, como parte de reformas agrárias para combater a desigualdade de terras e a pobreza no campo. Hoje o país tem 200 mil hectares de palma que produzem 600 mil toneladas de óleo por ano, o que o torna um dos maiores produtores da América Latina.
Embora a commodity tenha trazido desenvolvimento econômico a Honduras, o setor não se viu livre de impactos socioambientais, e a produção é permeada por conflitos violentos entre grandes proprietários e grupos campesinos.
Três empresas concentram 61% da produção de óleo de palma no país — Corporación Dinant, Grupo Jaremar e Aceydesa —, cujas plantações estão localizadas justamente em áreas com altos níveis de violência. Já a Hondupalma responde por quase 8% da produção hondurenha, de acordo dados de 2021 apresentados à Mesa-Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO na sigla em inglês).
Para Elvin Hernández, sociólogo e pesquisador do instituto hondurenho Eric-SJ, a crise vivida pelo setor de óleo de palma repete o padrão das elites bananeiras do século passado: “Grilagem de terra, exploração com monocultura e conluio com o Estado”.
O setor de óleo de palma repete o padrão das elites bananeiras do século passado: ‘Grilagem de terra, exploração com monocultura e conluio com o Estado’Elvin Hernández, pesquisador do Eric-SJ
No Vale do Baixo Aguán, no departamento de Colón, norte de Honduras, cerca de 160 campesinos foram mortos na última década. O conflito entre grandes e pequenos produtores, expulsos de suas terras, não parece ter fim.
No ano passado, junto ao governo de Xiomara Castro, agricultores assinaram um acordo para conter a violência na área. O documento buscava encerrar a crise com foco nos direitos humanos, na reparação das vítimas e no acesso à justiça por meio de investigações dos crimes cometidos. Mas, desde então, outros cinco trabalhadores rurais foram mortos.
“Os proprietários de terras têm muito poder no país”, resume Jhony Rivas, porta-voz da Plataforma Agrária do Vale do Aguán.
Produção alternativa de óleo de palma
Reconhecia como uma das principais empresas hondurenhas de óleo de palma, a Hondupalma foi fundada em 1982 em Guaymas, pequena cidade no Vale de Sula, norte do país. O local é berço dos movimentos campesinos que lutaram por reformas agrárias.
Ramón Cruz (ou “Monchito”), um dos fundadores da cooperativa, conta que a Hondupalma é fruto dos ideais que impulsionaram as lutas campesinas na década de 1950. Aos 75 anos, mas com uma memória excepcional, Monchito sorri e dá nomes, anos, números e eventos relacionados à luta pelo direito à terra nas últimas quatro décadas em Honduras.
Sentado no banco de seu pátio, sob a sombra de uma frondosa mangueira, ele explica que “a Hondupalma está entre as 50 maiores empresas de Honduras”. Atualmente, a cooperativa tem mais de 10.644 hectares de plantações certificadas pela RSPO e pela Certificação Internacional de Sustentabilidade e Carbono (ISCC Plus, na sigla em inglês).
Para Monchito, o diferencial da Hondulpalma é ter alcançado sucesso sem perder sua identidade, como cooperativa socialmente responsável, fundada por grupos campesinos. A organização tem uma estrutura democrática: os 603 produtores que receberam terras de reforma agrária estão organizados em 30 empresas associadas.
“Cada uma elege três representantes para formar o conselho de administração, órgão que escolhe o diretor-geral e os cargos-chave e de confiança da empresa”, explica Monchito.
Os lucros são distribuídos entre os parceiros, reinvestidos na empresa ou usados para apoiar projetos que beneficiam os produtores e suas comunidades, como capacitações, um hospital comunitário e crédito acessível: “Esse é um círculo virtuoso: se as comunidades e a terra são boas, a produção e os benefícios também são bons”.
Eduardo Hernández, presidente do conselho de administração, diz que a Hondupalma também se diferencia por ter uma subsidiária que produz energia — a Energéticos Renovables Hondupalma, que gera eletricidade renovável exclusivamente para a cooperativa. A operação usa biogás produzido a partir das águas residuais da extração do óleo de palma. A usina tem uma capacidade de produção de dois mil quilowatts-hora e supre 45% do consumo de eletricidade da Hondupalma.
O sociólogo Elvin Hernández reconhece a importância desse modelo cooperativo da Hondupalma, não só como alternativa de distribuição fundiária, mas também para mitigar os impactos ambientais da produção de óleo de palma. “É diferente do que acontece no Vale do Baixo Aguán, onde três famílias acumulam lucros para si”, diz Hernández. “A Hondupalma, ao contrário, é uma empresa com senso de comunidade e respeito pela terra, criada para melhorar a qualidade de vida das comunidades”.
Desafios socioambientais
Mas os problemas que permeiam o setor do óleo de palma no planeta — como o desmatamento, a perda de biodiversidade e os conflitos sociais no Sudeste Asiático — também estão presentes em Honduras. O cultivo tomou conta de 20% e 30% dos parques nacionais Punta Izopo e Jeanette Kawas, respectivamente, ambos localizados na baía de Tela, norte de Honduras.
Diante desse contexto, Hernández, da Hondupalma, destaca que a empresa discute constantemente os impactos ambientais da monocultura e assume a responsabilidade de minimizar os efeitos do cultivo. Porém, diz ele, a palma seria a única cultura capaz de suportar as constantes inundações do Vale de Sula.
Nos últimos anos, Honduras tem experimentado longos períodos de seca, seguidos de fortes chuvas. A estiagem é um problema para as palmeiras oleaginosas, que precisam de muita água. O território de Honduras é atravessado pelo corredor seco da América Central, zona que abrange também Guatemala, El Salvador e Nicarágua. A região e sua agricultura são particularmente vulneráveis aos riscos associados às mudanças climáticas, afetando a economia e a segurança alimentar da América Central.
Embora Honduras tenha abundância de água, seu acesso tem se tornado cada vez mais escasso. A privatização de poços e reservas de água potável, a contaminação por esgoto ou dejetos animais, além do consumo por indústrias extrativistas, colabora para esgotar, deteriorar e reduzir os recursos hídricos.
O ambientalista hondurenho Juan Mejía alerta sobre os efeitos do cultivo de palma de óleo. “Depois de 12 anos, toda palma africana consome em média 40 a 50 litros de água por dia. Essa quantidade de água extraída da palma não pode ser substituída”, explica.
Em anos recentes, a seca e a precariedade da rede de abastecimento d’água provocaram uma emergência hídrica, que ainda afeta grande parte da população hondurenha.
A Hondupalma garante que se submete a padrões internacionais de sustentabilidade que exigem o cumprimento de diversos compromissos, como a gestão ética e transparente, o respeito aos direitos humanos e a conservação do ecossistema. “A aposta da empresa é a comunidade; ninguém aqui trabalha para se tornar milionário ou acumular lucros para um pequeno grupo. Nossa missão é melhorar a vida dos parceiros, e isso acontece pelo cuidado com a terra”, ressalta Hernández.
Em relação às áreas protegidas, a Hondupalma reitera seu compromisso de preservá-las por meio de vistorias de suas plantações e diz ter estabelecido códigos de conduta para evitar que as reservas sejam afetadas. “A Hondupalma ensina que é possível uma relação harmoniosa entre agricultores, empresas, produção de palma e o meio ambiente”, conclui Elvin Hernández. “Mas, para isso, é preciso renunciar à grilagem, ao dinheiro como fim e à violência como meio”.
Deficiências da Hondupalma
Apesar de sua história vanguardista e da responsabilidade socioambiental, a Hondupalma ainda tem muito o que avançar: “Posso falar sobre as maravilhas da cooperativa, mas ela também fica devendo em alguns pontos”, diz Mejía.
Uma desses problemas é a falta de rotatividade na liderança: “Os parceiros que recuperaram terras nas décadas de 70 e 80 e fundaram a Hondupalma hoje estão em idade avançada, e seus filhos não pretendem assumir o controle”, explica o ambientalista. De acordo com ele, isso não se deve apenas pela falta de vontade dos jovens de se tornarem associados, mas também por uma mudança nos valores e princípios de quem assume esse papel.
Em um cenário político e comercial desafiador, a Hondupalma obteve grande sucesso em suas primeiras décadas. Mas, ao olhar para frente, é possível que muitos desses desafios persistam — e a empresa precise sobreviver em um mercado altamente competitivo, dominado por empresas comandadas por famílias poderosas. Encontrar uma liderança que preserve os princípios coletivos da empresa, que até agora ofereceram um modelo alternativo atraente, pode ser vital para garantir seu sucesso no futuro.
Esta reportagem foi publicada originalmente no China Dialogue.