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Vaca Muerta: Petrolíferas conseguirão mitigar suas emissões na Argentina?

Empresas anunciam projetos de descarbonização no maior campo de gás de xisto do país, mas são questionadas sobre efetividade das ações
<p><span style="font-weight: 400;">Funcionários da petrolífera estatal argentina YPF em frente a tanques de água usados no </span><i><span style="font-weight: 400;">fracking </span></i><span style="font-weight: 400;">nos campos de Vaca Muerta, província de Neuquén (Imagem: Titus Moser, Eye Ubiquitous / Alamy)</span></p>

Funcionários da petrolífera estatal argentina YPF em frente a tanques de água usados no fracking nos campos de Vaca Muerta, província de Neuquén (Imagem: Titus Moser, Eye Ubiquitous / Alamy)

A redução das emissões de gases de efeito estufa representa um desafio latente para o setor global de petróleo e gás — e não é diferente na Argentina. Os campos de Vaca Muerta, na província de Neuquén, estão entre os maiores depósitos de petróleo e gás não convencional (ou gás de xisto) do mundo. 

Por isso, as reservas são vistas, por um lado, como uma promessa de desenvolvimento econômico, mas, por outro, como uma ameaça climática e socioambiental. Embora algumas empresas com atuação na área tenham elaborado planos de descarbonização, a Argentina ainda não tem uma legislação para regulamentá-los. 

Diante dessa falha regulatória, cada plano segue um caminho diferente. Algumas petrolíferas estão incorporando fontes de energia renovável em suas operações, enquanto outras tentam compensar suas emissões por meio do plantio de árvores.

Alguns analistas questionam a capacidade de descarbonizar as operações enquanto haja exploração de combustíveis fósseis. Também há dúvidas sobre a falta de políticas governamentais para regular e guiar essas ações.

Atraso na regulamentação de emissões

Em 2023, a Secretaria Nacional de Energia da Argentina criou o programa nacional de redução de emissões das atividades petrolíferas. Ele requer um cálculo de emissões — incluindo as liberações involuntárias, chamadas fugitivas — e o monitoramento dos planos de descarbonização por parte das petrolíferas.

Também houve ações a nível local. Em 2022, a província de Neuquén anunciou um plano para exigir as emissões das empresas que atuam em seu território — o que ajudaria a criar um registro provincial. Até agora, porém, isso não foi implementado.

Uma fonte da Subsecretaria de Hidrocarbonetos de Neuquén, que pediu para não ser identificada, disse ao Dialogue Earth que “não há nada sistematizado” e que o governo provincial apenas solicitou detalhes sobre as emissões das empresas, pedido que teria sido atendido por meio de relatórios de sustentabilidade. 

“Recebemos informações muito heterogêneas, porque cada empresa usa uma forma de cálculo diferente”, disse a fonte.

Por enquanto, a troca de governo em Neuquén paralisou o projeto: “Não sabemos se a Subsecretaria de Meio Ambiente ou a Subsecretaria de Hidrocarbonetos vai trabalhar nele”, disse a fonte consultada. Além disso, as pequenas petrolíferas “não têm planos, nem pretendem ter”, acrescentou.

A fonte explicou ainda que o governo provincial trabalha em duas frentes: um decreto sobre emissões fugitivas e uma lei provincial sobre mudanças climáticas que poderia incluir todas as atividades econômicas.

Compromissos globais

Na cúpula climática COP28, em 2023, mais de 50 petrolíferas assinaram a Carta de Descarbonização de Petróleo e Gás (OGDC), comprometendo-se a alcançar um “impacto em grande escala” e acelerar as ações climáticas no setor. À época, seus signatários produziam mais de 40% do petróleo do mundo e, entre eles, estavam várias empresas presentes em Vaca Muerta: TotalEnergies, Shell, BP, Exxon Mobil e Equinor, além da Petrobras e da argentina Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF).

A carta propôs metas como acabar, até 2030, com a “queima de rotina”, geralmente usada no setor para descartar o excesso de produção; zerar as emissões indiretas de metano no upstream (fase de exploração e produção petrolífera); estabelecer as melhores práticas para reduzir emissões; investir em energias renováveis; aumentar a transparência em relação aos relatórios de emissões de gases de efeito estufa e os esforços para mitigá-las; e acelerar a descarbonização nas operações.

Manifestantes seguram cartazes pedindo a eliminação dos combustíveis fósseis na COP28, em dezembro de 2023
Manifestantes pedem a eliminação total dos combustíveis fósseis na COP28, em dezembro de 2023. Em uma carta aberta, 320 organizações rotularam os compromissos voluntários de redução de emissões como ‘estratégias de greenwashing’ favoráveis ao setor (Imagem: Christopher Edralin / COP28, CC BY NC SA)

Em dezembro de 2023, um relatório da Agência Internacional de Energia recomendou que as petrolíferas direcionassem metade de seus investimentos à energia limpa até 2030 para atingir os objetivos do OGDC e as metas do Acordo de Paris, assinado em 2015. O relatório também ressalta a mudança radical que isso vai exigir das empresas do setor: em 2022, elas teriam destinado apenas 2,5% (US$ 20 bilhões) de seus investimentos para a energia limpa.

Planos da Shell para eletrificar operações

A petrolífera britânico-holandesa Shell, com projetos em Vaca Muerta, ratificou seu compromisso de “tornar-se uma empresa de energia com emissões líquidas zero até 2050” em consonância com o Acordo de Paris.  

Conforme documentos da empresa acessados pelo Dialogue Earth, a Shell priorizou a “medição precisa e confiável” de suas emissões de metano, gás do efeito estufa liberado durante a extração e o uso de combustíveis fósseis, com um potencial de retenção de calor na atmosfera 80 vezes maior do que o dióxido de carbono. A Shell afirma que está em conformidade com os padrões estabelecidos pela The Oil & Gas Methane Partnership 2.0, referência global no setor.

Fontes da Shell disseram ao Dialogue Earth que, em 2023, as operações argentinas alcançaram uma redução de 60% na intensidade de carbono — quantidade de CO₂ emitido por unidade de energia produzida — em comparação com 2019. No ano passado, a empresa afirmou que a intensidade do metano também havia sido reduzida em 72% no mesmo período — embora esses dados sejam questionados por especialistas, já que não há verificação independente dos números.

No plano internacional, a Shell prometeu uma redução de 20% em suas emissões de gases de efeito estufa até 2030. Mas, em 2021, um tribunal na Holanda determinou que a Shell reduzisse suas emissões globais de carbono em 45% até o final de 2030 — a empresa recorre da decisão. No início deste ano, a petrolífera teria flexibilizado suas metas de redução para 15% a 20%, citando a forte demanda de gás, as incertezas em torno da transição energética e preocupações com custos e abastecimento. 

Em relação às suas operações locais, o presidente da Shell Argentina, Ricardo Rodriguez, afirmou que a empresa “garante a medição e certificação” de sua pegada de carbono. “O processo leva tempo e tem diversas etapas, mas está sendo feito”, disse em um evento transmitido online.

Posto de gasolina da Shell na Argentina
Posto de gasolina da Shell na Argentina. A empresa, que opera no campo de gás Vaca Muerta, disse que está eletrificando suas operações com energias renováveis (Imagem: Jeremy Graham / Alamy)

A Shell Argentina disse que está eletrificando suas operações. Em março, a petrolífera assinou um acordo com a empresa de energia Genneia, que dará suporte às operações em Vaca Muerta com fontes eólica e solar.

Nas reservas de Vaca Muerta, a empresa informa que substituiu a energia a gás por energia renovável nos blocos de Sierras Blancas, Cruz de Lorena e Coiron Amargo Sur Oeste. Isso exigiu uma atualização das redes de energia, a construção de uma subestação de eletricidade e a instalação de 60 quilômetros de linhas de alta tensão. A empresa estima que isso reduzirá as emissões das operações em cerca de 20 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO₂e) ao ano. 

Em sua comunicação enviada ao Dialogue Earth, a Shell acrescentou que estuda maneiras de eletrificar o processo de perfuração do bloco Bajo de Añelo, para substituir a energia gerada a diesel.

YPF quer reduzir emissões de metano

A YPF identificou a ventilação (ou seja, a liberação de metano no ar), o vazamento desse gás e o uso de combustíveis fósseis como suas principais fontes de emissões em Vaca Muerta. Entre as soluções propostas, está a eliminação da prática de flaring, a criação de um plano de reparo, a atualização de equipamentos e uma transição para fontes renováveis em suas operações.

O que é flaring e ventilação de gás?

O flaring é a queima de rotina do gás natural no processo de extração de petróleo. Esse gás poderia ser reaproveitado, mas, devido a questões financeiras, políticas, regulatórias e de segurança, ele é queimado, poluindo a atmosfera. 

Já a ventilação de gás é a liberação deliberada de metano no ar, procedimento usado nos casos em que o flaring não é possível.

A diretora de sustentabilidade e transição energética da YPF, Silvina Oberti, falou sobre o tema na Argentina Energy Summit, em maio. “Superamos a meta de reduzir as emissões de carbono em mais de 12% em Vaca Muerta e na produção não convencional em geral”, afirmou. Oberti acrescentou que isso será importante, pois uma pegada de carbono supostamente menor poderia tornar seus produtos mais competitivos “para alcançar mercados externos”.

Conforme o último relatório de sustentabilidade da empresa, 2022 foi o quinto ano consecutivo no qual a YPF reduziu sua “intensidade de emissões diretas”. Até 2027, diz o relatório, a estatal espera reduzir essa intensidade em pelo menos 30%, diminuindo a queima pela metade e reduzindo suas emissões de metano em 10%. Para 2030, a empresa visa atingir uma redução de 30% e eliminar a queima de gás.

A empresa acredita que, no ritmo atual, deve superar suas metas antes de 2030. A petrolífera também espera reduzir sua pegada de carbono por meio da captura de CO₂ e da participação em projetos de hidrogênio.

O campo de petróleo e gás La Amarga Chica, operado em conjunto com a Petronas, da Malásia, é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa da YPF em Vaca Muerta. A YPF disse que reduziu a queima no bloco, o que, segundo ela, poupará 260 mil toneladas de emissões de CO₂e ao ano.

Ex-presidente argentino Alberto Fernández (ao centro) com o então diretor da YPF, Pablo González (à esquerda), e Datuk Tengku Muhammad Taufik, CEO da Petronas (à direita), em setembro de 2022
Ex-presidente argentino Alberto Fernández (ao centro) com o então diretor da YPF, Pablo González (à esquerda), e Datuk Tengku Muhammad Taufik, CEO da Petronas (à direita), em setembro de 2022. Os três anunciaram um acordo para a construção de uma usina de produção de gás natural liquefeito no país (Imagem: Casa Rosada, CC BY)

“Desde 2020, a empresa atua na avaliação, detecção e medição de emissão e ventilação de metano com diferentes tipos de tecnologias, como imagens aéreas e de satélite, para apoiar as atividades realizadas em campo com câmeras de detecção portáteis”, disse o recente relatório de sustentabilidade de 2022.

Embora a empresa diga que trabalha com suas subsidiárias — como YTec, YPF Lithium e YPF Luz — para reduzir as emissões no upstream, ela detectou um aumento de 5% nas emissões diretas em 2022 no setor de refino. Diante do aumento da produção em Vaca Muerta, é possível que essa porcentagem tenha subido.

Petrolífera Vista: compensação de emissões

A Vista, petrolífera que atua na Argentina e no México, está se concentrando em projetos de compensação de carbono e no uso de energia renovável para reduzir suas emissões em Vaca Muerta. 

“Vamos rumo à descarbonização como um conceito de evolução: o mundo exige energia acessível e confiável, e Vaca Muerta tem uma oportunidade para isso”, disse o diretor de operações da Vista, Matías Weissel, em um evento no início do ano. Ele afirmou que é “totalmente possível” neutralizar as emissões das operações em Vaca Muerta até 2026, triplicando simultaneamente a produção — algo que exigiria uma redução de 75% em sua intensidade de emissões em relação a 2020, segundo um relatório de sustentabilidade da empresa. 

Segundo Weissel, a empresa foca na eletrificação das instalações, no uso de energias renováveis e na compensação de emissões, assim como em projetos de injeção de vapor, método para aumentar a produção dos poços.

A Vista criou a subsidiária Aike para executar soluções baseadas na natureza, o que, segundo a empresa, em seu relatório de sustentabilidade: “é um marco significativo para alcançar o objetivo de sermos neutros em carbono até 2026”.

Seu primeiro projeto incluiu o reflorestamento de 2,2 mil hectares na província de Corrientes, no nordeste da Argentina, e a compra de 4,9 mil hectares na província de Salta, no noroeste do país, para um projeto de conservação. O objetivo desses projetos, segundo a empresa, é evitar emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal em uma província que apresentou algumas das taxas mais altas de desmatamento do país em 2023.

A Vista também informou ter assinado acordos para apoiar práticas sustentáveis de criação de gado em quatro mil hectares na província de Santa Fé e em quase 1,5 mil hectares em Salta.

Herd of Creole cows on riverbank
Gado às margens do rio Paraná em Santa Fé, Argentina. Como parte de suas ações para reduzir as emissões em Vaca Muerta, a petrolífera Vista assinou acordos para desenvolver a pecuária sustentável na província de Santa Fé (Imagem: Juan Roballo / Alamy)

A Vista também assinou um acordo com o governo da província de Neuquén no início deste ano para estudar a possibilidade de capturar emissões de carbono por meio da plantação de pinheiros em Huinganco, no norte da província. 

Porém, esses esquemas de compensação ligados à silvicultura são objeto de intensos debates e controvérsias — sobretudo devido aos escândalos que colocam em dúvida a veracidade e a durabilidade dessas ações, amplamente destacadas pelas empresas em seus relatórios de sustentabilidade.

Camila Mercure, diretora de política climática da Fundação Ambiente e Recursos Naturais da Argentina, expressou ao Dialogue Earth dúvidas sobre a eficácia dessas compensações: “Medidas que tendem a prevenir ou reduzir as emissões devem ser prioridade, e não medidas de compensação, pois elas não resolvem o problema na fonte”.

Pluspetrol e mineração de criptomoedas

Ao contrário da Shell e da Vista, a Pluspetrol, que atua em toda a América Latina, não estabeleceu metas de redução de emissões em seu planejamento de sustentabilidade. Pelo contrário, seu relatório de 2022 indicou que as emissões da empresa aumentaram nos últimos anos.

O diretor-geral da Pluspetrol, Adrián Vila, disse em um evento no início do ano que “a transição energética é uma oportunidade, mas na parte de líquidos [petróleo] temos que nos apressar”, sugerindo que as empresas devem se apressar para produzir mais — posição que, alertam cientistas, vão no sentido contrário ao cumprimento das metas do Acordo de Paris. 

“A agenda está mudando, e acho que os objetivos devem ser realistas. A Argentina tem muitos recursos, e temos que definir a janela em que [a transição] ocorrerá em relação a outros países”, acrescentou Vila.

A Pluspetrol lidera um projeto que reaproveita o gás ventilado para a mineração de criptomoedas. Lançado em 2023 pela argentina Unblock e replicado em Vaca Muerta pela Tecpetrol e pela Pampa Energía, o projeto é inspirado em iniciativas criadas nos Estados Unidos. 

No bloco Loma Jarillosa Este, da Pluspetrol, o gás é reaproveitado para gerar eletricidade usada na mineração de criptomoedas — processo que demanda um alto consumo energético. O impacto disso nas emissões da empresa ainda não foi revelado.

O relatório 2022 Global Flaring and Venting Regulations, do Banco Mundial, afirmou que, entre 2012 e 2022, a intensidade da queima aumentou 124% na Argentina. 

Há uma lógica de competir para ver quem vende o último barril de petróleo
Enrique Maurtua Konstantinidis, consultor de mudanças climáticas

Nesse período, segundo dados do governo, Loma La Campana, da YPF, foi responsável pela maior parcela da queima (12%), seguida por La Calera, da Pluspetrol, El Portón, da YPF, e Loma La Lata e San Roque, da Total Austral, cada uma registrando mais de 5% da queima. 

A Argentina não tem um registro nacional de emissões de gases de efeito estufa do setor de hidrocarbonetos. Esses registros são de responsabilidade das próprias empresas, algumas das quais fazem medições anuais. 

Alguns analistas disseram-se frustrados com o fato de que as próprias empresas sejam responsáveis por monitorar seus esforços de redução de emissões. Alguns inclusive consideram que essas ações não são suficientes. “As maneiras pelas quais as petrolíferas lidam com sua própria pegada de carbono são interessantes, mas isso não resolve o problema, porque não muda o fato de que as empresas queimam os combustíveis que geram emissões”, disse Enrique Maurtua Konstantinidis, consultor de mudanças climáticas, ao Dialogue Earth

Maurtua Konstantinidis também questionou a postura do setor em relação ao futuro: “Há uma lógica de competir para ver quem vende o último barril, então todos estão tentando reduzir sua pegada de carbono para serem os últimos a vendê-lo”. 

Esta reportagem foi produzida para o Projeto Pathways to Net Zero na Argentina, iniciativa conjunta da Earth Journalism Network, Banco de Bosques, Claves21 e Periodistas por el Planeta.