O mês de agosto marcou o 50º aniversário das relações diplomáticas entre o Brasil e a China — dois países fundamentais para os esforços globais contra o caos climático. A celebração dessa importante data se deu em um contexto de estreitamento dos laços entre Brasília e Beijing, além do fortalecimento da cooperação climática.
À medida que o mundo enfrenta os crescentes impactos das mudanças climáticas, a necessidade de uma cooperação global ambiciosa nunca foi tão urgente. Nos próximos 15 meses, a maneira como esses dois gigantes do clima colocarem em prática suas ambições em relação à crise climática pode ser transformadora.
Uma parceria climática abrangente entre a China e o Brasil — englobando investimento, comércio, cooperação técnica e capacitação, com foco em transições econômicas verdes — poderia servir como um poderoso modelo para a cooperação climática Sul-Sul. Isso poderia ajudar a destravar o financiamento climático e impulsionar as negociações internacionais sobre o clima, aumentando as chances globais de se atingir as metas do Acordo de Paris.
Financiamento internacional a partir do Sul Global
O Brasil e a China estão na vanguarda das economias emergentes: seus impressionantes avanços de desenvolvimento nas últimas décadas remodelaram a economia mundial, redefiniram a lógica global da descarbonização e mudaram a geopolítica.
Além de anunciar compromissos ousados e tomar medidas ambiciosas em relação ao clima, ambos os países exercem um papel de liderança e integração com o Sul Global no cenário mundial, dando um forte apoio à reforma dos sistemas financeiros multilaterais e internacionais para incluir as vozes do Sul Global.
As duas nações também têm defendido a participação de novas instituições pelas quais a cooperação climática Sul-Sul poderia ser rapidamente ampliada: o Novo Banco de Desenvolvimento (também conhecido como Banco dos Brics), com sede em Xangai e encabeçado pela ex-presidente Dilma Rousseff; o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura; o Fórum de Boao para a Ásia, focado em cooperação econômica; o Fundo de Cooperação Climática Sul-Sul da China (SSCCF); e a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), programa de investimento em infraestrutura da China que já chegou a cerca de 150 países — o governo brasileiro estuda, inclusive, a possibilidade de aderir ao projeto. Com avanços significativos no aumento dos investimentos através do SSCCF e um movimento para tornar a BRI mais verde, podemos esperar muito mais dessas instituições.
O financiamento climático internacional, no entanto, não acompanhou essas mudanças tectônicas. As economias emergentes e em desenvolvimento foram responsáveis por mais de dois terços do crescimento do PIB global e por 95% do aumento das emissões de gases de efeito estufa na última década. Ainda assim, o financiamento climático internacional continua concentrado nos países mais ricos, com apenas 16% destinados aos mercados emergentes, às economias em desenvolvimento e aos 45 países menos desenvolvidos entre 2021 e 2022, conforme o último relatório Global Landscape of Climate Finance.
O insuficiente financiamento climático não atende às necessidades mais urgentes: nesses dois anos, apenas 5% do financiamento foi destinado à adaptação e só 3% chegou aos países menos desenvolvidos e mais vulneráveis ao clima. Já o financiamento climático Sul-Sul em 2023 representou menos de 2% do total — embora esse número provavelmente esteja subestimado, já que esse tipo de financiamento não é consistentemente registrado.
As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio expuseram as graves deficiências no financiamento climático, mas destacaram uma oportunidade de reformular as respostas internacionais. O desastre evidenciou a necessidade de melhorar a capacidade local para prever e lidar com eventos extremos relacionados ao clima e de soluções baseadas na natureza para o aumento de resiliência — dois pontos críticos ignorados pelo atual financiamento climático.
Com cerca de 90% dos 497 municípios do estado afetados e mais de meio milhão de pessoas desalojadas, a recuperação das cidades gaúchas exige recursos que ultrapassam a capacidade dos governos estadual e federal. A reconstrução sustentável exigirá um aumento substancial do financiamento climático internacional, além de uma adequação às necessidades específicas de cada país, o que sinaliza a urgência de novas abordagens.
Os fluxos do financiamento climático sob a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas são, por definição, determinados por países doadores do Norte Global — e por boas razões, dado seu peso econômico e a “dívida de carbono” acumulada por seu desenvolvimento historicamente baseado em altas emissões. Isso reflete a arquitetura do regime climático global, em que o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” é um pilar e continuará sendo inegociável para países pobres e emergentes.
Isso significa que a obrigação dos países ricos de dar apoio financeiro à implementação do Acordo de Paris continua sendo crucial para um financiamento climático na próxima COP29, no Azerbaijão. Os países em desenvolvimento denunciam, com razão, o descumprimento das promessas de financiamento por parte dos países ricos. Porém, deve-se ressaltar que essa é uma falha no contexto geral, já que muitos países cumprem e até mesmo excedem suas devidas contribuições.
Ainda assim, chegamos a um ponto no qual o progresso não pode ser refém dessa complicada dinâmica política.
A formalização de um maior papel para as economias emergentes e da cooperação Sul-Sul refletiria uma realidade crescente no mundo e contribuiria para dois objetivos centrais na COP29: um aumento expressivo no financiamento climático e um melhor direcionamento desse financiamento às necessidades dos países em desenvolvimento.
Isso seria consistente com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Reconhecer as possíveis contribuições voluntárias das economias emergentes como investidores, parceiros comerciais e facilitadores do financiamento não reduz, de forma alguma, a obrigação moral dos países ricos de fornecer mais financiamento público para as ações climáticas no Sul Global. Essas são camadas distintas no conjunto de financiamento climático necessário para dar o salto quântico esperado pela Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático, que deve ser estabelecida na COP29.
China e Brasil em posição de liderança
Em um momento em que os ventos econômicos e geopolíticos dificultam acordos ambiciosos sobre financiamento, a China e o Brasil estão em uma posição única para definir um novo rumo para o financiamento climático global, graças à sua liderança ambiciosa, forte ativismo internacional e influência sobre países do Sul Global.
Uma recente reunião ministerial sobre mudanças climáticas em Wuhan deu o tom: ao lado da África do Sul e da Índia, como parte do bloco Basic de países recém-industrializados, Brasil e China reafirmaram seu compromisso com o multilateralismo e o desenvolvimento de baixo carbono. Os ministros também enfatizaram a necessidade de ações urgentes e de uma nova meta coletiva para o financiamento climático, passando de bilhões para trilhões de dólares anuais para se atingir as metas do Acordo de Paris.
Como maior fabricante e fornecedora de tecnologias de baixo carbono, a China está em uma posição única para impulsionar investimentos que acelerem a adoção de soluções acessíveis em todo o mundo, facilitando as transições verdes. A China já está contribuindo para isso na América Latina e em outras regiões. Enquanto isso, o governo brasileiro propõe uma nova política industrial e um programa de transição ecológica focado no aumento da resiliência, na promoção da sustentabilidade ambiental e no avanço da transição energética em todos os setores produtivos.
Para além do financiamento, as duas nações podem apoiar os países parceiros no Sul Global, especialmente em capacitação técnica e transferência de tecnologia, bem como no desenvolvimento e na implementação de planos de transição e na co-criação de oportunidades de investimento. Isso pode — e, na verdade, deve — ser feito como complemento aos esforços dos países doadores ricos, mantendo a porta aberta para o financiamento de outras fontes.
A China e o Brasil têm uma oportunidade histórica de estabelecer um novo modelo de cooperação climática Sul-Sul, indo além do financiamento e se baseando na solidariedade diante de desafios e compromissos para as transições econômicas de zero emissões líquidas. Essa parceria sinalizaria uma mudança importante para os vieses e as lacunas do atual financiamento climático internacional. Ela também pode contribuir para um desfecho bem-sucedido na COP29, promovendo uma arquitetura de financiamento climático mais resiliente, representativa e politicamente estável, além de dar mais relevância e aumentar as ambições da COP30 no Brasil em 2025.