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Mina de ouro na Colômbia enfrenta protestos, crime e ações legais

Após anos de disputas e violência de grupos armados, empresa chinesa que administra mina de Buriticá processou o Estado colombiano por falta de segurança para operações
<p>Mina de ouro da Zijin em um vale de Buriticá, no departamento de Antioquia, noroeste da Colômbia. Desde que assumiu as operações da Continental Gold em 2020, a mineradora chinesa enfrenta a presença ostensiva de grupos criminosos (Imagem: Ernst Udo Drawert / Dialogue Earth)</p>

Mina de ouro da Zijin em um vale de Buriticá, no departamento de Antioquia, noroeste da Colômbia. Desde que assumiu as operações da Continental Gold em 2020, a mineradora chinesa enfrenta a presença ostensiva de grupos criminosos (Imagem: Ernst Udo Drawert / Dialogue Earth)

A Zijin Continental Gold, proprietária de uma das maiores minas de ouro da Colômbia, enfrenta desafios em duas frentes: localmente, ela lida com a presença de garimpeiros ilegais que extraem ouro da área concedida; e nos tribunais internacionais, a mineradora chinesa processa o Estado colombiano, alegando falta de garantias para a segurança de suas operações no país.

A resolução desses conflitos ainda é incerta. A disputa contra o garimpo ilegal pode ter novo capítulo se o Congresso aprovar o projeto de lei proposto pelo governo para alterar o Código da Mineração, vigente desde 2001 na Colômbia. Desde que assumiu o poder em 2022, o presidente Gustavo Petro tem promovido reformas para aumentar a presença do Estado no setor. Ele quer priorizar garimpeiros em vez de corporações multinacionais, buscando inclusive aumentar a formalização do grupo.

A ação da Zijin está sob a jurisdição do Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID, na sigla em inglês), tribunal de arbitragem nos Estados Unidos. O processo ainda está em fase inicial, e uma decisão pode levar anos para ser proferida.

Violência e ataques

A tensão se intensificou em maio em Buriticá, cidade do departamento de Antioquia, no noroeste da Colômbia, onde está a mina da Zijin. Na ocasião, garimpeiros bloquearam a principal estrada que atravessa o município — e a única que leva até os portos do Golfo de Urabá. Manifestantes exigiam o resgate de dois garimpeiros que haviam ficado presos nas instalações da mina. Mas os corpos só foram resgatados mais de um mês depois.

No fim daquele mês, líderes comunitários assinaram uma carta solicitando a intervenção do Estado para encerrar os bloqueios. As barricadas haviam interrompido o fornecimento de alimentos e produtos básicos de saúde, além de impedir a livre circulação na área. 

Muitos garimpeiros da zona trabalham para o Clã do Golfo, um dos principais grupos armados da Colômbia. Segundo a imprensa local, a organização recebe 10% da produção em troca de acesso aos túneis sob seu controle. A mina de Buriticá da Zijin está localizada no subsolo de uma vasta área montanhosa coberta por floresta, onde a presença do Estado colombiano é limitada. O Clã do Golfo, por outro lado, já era bastante ativo na extração de ouro quando a Zijin comprou a mina em 2020.

A mineradora chinesa disse ter perdido o controle de pelo menos 60% de suas instalações para o clã desde março de 2023. A empresa comprou as operações da Canadian Continental Gold, que chegou à região em 2011. 

Uma fonte da Zijin entrevistada sob condição de anonimato afirmou que, entre janeiro e setembro deste ano, a empresa registrou mais de 74 mil detonações de explosivos. O objetivo foi tentar impedir o trabalho dos funcionários da Zijin. Além disso, foram identificados 943 dispositivos acionados para danificar sua infraestrutura e 830 tiros disparados contra o pessoal da empresa. Os porta-vozes dos garimpeiros negam que tenham sido responsáveis por qualquer ataque. 

Teresa Mazo, representante legal da Associação Colombiana Agro-Mineira e Ambiental (Asominacol), que apoia os garimpeiros, contestou a versão de que eles teriam atacado a Zijin. “Não temos conhecimento desses confrontos porque, em Buriticá, a área de acesso aos túneis da Zijin é privada e vigiada pelo Exército; um cidadão comum não pode entrar”.

Área bombardeada por militares colombianos na comunidade de Mina Nueva, nordeste de Antioquia
Área bombardeada por militares colombianos na comunidade de Mina Nueva, nordeste de Antioquia, em 2015. Muitos garimpeiros vivem em locais controlados por grupos armados, sofrendo com o fogo cruzado entre os criminosos e o Exército (Imagem: Agencia Prensa Rural, CC BY-NC-ND)

Mazo disse ainda que a Agência Nacional de Mineração, que regulamenta a atividade no país, fez 83 recomendações à Zijin para agir após denúncias de que a empresa teria despejado “lama tóxica” nos túneis ocupados pelos garimpeiros. “Até o momento, eles não nos informaram se as medidas corretivas foram aplicadas”, acrescentou. 

Em maio, a Zijin negou as acusações, chamando as denúncias de “rumores” e afirmando que apenas havia realizado o preenchimento obrigatório dos túneis, conforme exigido pelas autoridades. A mineradora acrescentou que esse processo “cumpre rigorosamente” as normas de operação da mina.

Entre os que atuam clandestinamente na área da Zijin, estão os chamados garimpeiros ancestrais, que praticam a atividade há anos, antes mesmo da chegada de empresas. Há também os que migraram de diferentes partes do país atraídos pela descoberta de ouro. 

Em maio de 2023, a Comunidade de Mineradores Ancestrais de Buriticá entrou com uma ação judicial para exigir que a Zijin liberasse o acesso a 140 hectares da mina (ou 1,5% da área da concessão). Eles argumentam que trabalham no local há pelo menos uma década e que a atividade é vital para o sustento de mais de 300 famílias.

Conforme informações do Ministério Público Federal da Colômbia, “a interferência de grupos armados ilegais na área para explorar ouro prejudica os garimpeiros ancestrais”. O órgão também entende que a própria Zijin tem sido “vítima de ataques constantes e incursões ilegais em suas instalações”, o que afeta os demais moradores da região. 

O órgão observou que o garimpo ilegal causa “sérios problemas ambientais, como o desmatamento e a contaminação de fontes de água, colocando em risco a vida dos habitantes que a consomem e a utilizam em suas plantações”. Ele também destacou que os garimpeiros ilegais saqueiam o equivalente a duas toneladas de ouro ao ano, causando prejuízos ao Estado no valor de cerca de 1 trilhão de pesos (quase R$ 1,3 bilhão).

Após os últimos bloqueios, a área retornou a uma aparente calma. No entanto, moradores e representantes de organizações socioambientais temem que isso mude a qualquer momento. Uma fonte de uma organização de direitos humanos de Antioquia, entrevistada sob condição de anonimato, disse que o próprio Clã do Golfo optou pelo cessar-fogo. O grupo criminoso quer retomar as negociações de paz, hoje suspensas, com o governo Petro, com quem manteve um diálogo intermitente nos últimos dois anos, até agosto.

A ação de US$ 430 milhões da Zijin contra o Estado colombiano começou a ser gestada em novembro do ano passado. À época, a Zijin Continental Gold anunciou sua intenção de levar o caso aos tribunais internacionais após um bombardeio que matou duas pessoas e feriu 14. Porém, só em julho deste ano o escritório White & Case, de Nova York, entrou com o processo no tribunal de arbitragem do Banco Mundial, em nome da Zijin.

Garimpeiros em Antioquia protestam contra a destruição de suas máquinas pelo governo para conter o avanço da atividade, em março de 2023
Garimpeiros em Antioquia protestam contra a destruição de suas máquinas pelo governo em março de 2023. A gestão Petro busca criar uma estatal de mineração que regularize as operações desses mineiros, retirando o controle da atividade de grupos criminosos (Imagem: Fernando Vergara / Associated Press / Alamy)

A mineradora chinesa informou ter pago US$ 1 bilhão em 2020 para operar em Buriticá. Também alega que o Estado não lhe deu garantias de segurança, apesar de tê-la convidado a investir no projeto.

“Embora a Colômbia tenha incentivado e se beneficiado desses investimentos, depois violou as expectativas que formaram a base sobre a qual o reclamante decidiu investir no país e, em particular, não cumpriu suas promessas de apoio e proteção”, afirma a denúncia da Zijin.

Em uma análise da situação em Buriticá divulgada em setembro, o Ministério da Defesa da Colômbia destacou os desafios em relação à segurança e ao combate dos grupos armados, condições que não são exclusivas da região. O órgão destacou ainda medidas adotadas para melhorar a segurança na área, como a mediação e o diálogo entre as partes interessadas.

Dirigentes de vários setores produtivos cobraram soluções do governo para melhorar a segurança de todo o país, em meio a um aumento de extorsões e sequestros, e alertaram para a necessidade de intervenção do Estado.

Mas o que mais os preocupa é a iminente instabilidade jurídica no setor, disse Juan Camilo Nariño, presidente da Associação Colombiana de Mineração. Desde sua campanha presidencial, Petro tem se posicionado contra a exploração de recursos naturais no país, e isso se materializou em medidas que, segundo Nariño, podem comprometer tanto os direitos já adquiridos quanto os novos investimentos.

Uma dessas medidas é o Decreto 044 de 2024, do Ministério do Meio Ambiente, que facilita a criação de áreas protegidas temporárias como forma de evitar a degradação ambiental. A norma dá cinco anos, prorrogáveis por mais cinco, para a realização de estudos de impacto, e durante esse período não pode haver mineração ou outras atividades, mesmo que exista um projeto em andamento. 

Nariño também expressa preocupação com o projeto de lei para reformar o Código da Mineração. Em sua visão, a “redação ambígua” poderia gerar diferentes interpretações ao texto no futuro. O governo Petro também propôs a criação de uma estatal de mineração, a Ecominerales. Mas, segundo Nariño, ela “teria um monopólio virtual sobre os recursos minerais e permitiria apenas marginalmente a participação de investidores privados, afetando o desenvolvimento desse setor tão importante para o país”.

Por sua vez, o Ministério de Minas e Energia afirma que a reforma legislativa e a Ecominerales visam fornecer “soluções estruturais para garantir o desenvolvimento sustentável do setor e melhorar a qualidade de vida das comunidades mineiras”. As medidas, diz o governo, buscam formalizar as operações artesanais e de pequena escala. 

Após um debate sobre a criação da Ecominerales no Congresso em junho, o ministério reiterou esperar que a estatal “regule, promova e garanta a estabilidade jurídica para o investimento privado” e “concorra com outras empresas para aumentar a eficiência”, enquanto gera “mais receitas para o Estado e o setor da mineração”.

Ainda não há data para a discussão formal sobre a criação da estatal no Congresso. Mas é provável que ela enfrente forte oposição, uma vez que vários congressistas já se manifestaram contrários à proposta

Quanto à ação pendente no ICSID, foram nomeados juízes arbitrais de ambos os lados, mas ainda não foram divulgadas as datas dos procedimentos. A Zijin se recusou a comentar sobre a questão, argumentando que o processo está em andamento.