Clima

Eleições no Uruguai: Quais os desafios ambientais do próximo presidente?

Yamandú Orsi e Álvaro Delgado se enfrentam em segundo turno no domingo. Decisões sobre água, agricultura, clima e resíduos aguardam próximo governo
<p>Menina sobre o leito seco do reservatório de Paso Severino, que fornece água para Montevidéu e sua região metropolitana. Em julho de 2023, o Uruguai viveu o auge de uma grave seca, e as iniciativas para garantir o abastecimento de água serão uma das prioridades do próximo governo (Imagem: Santiago Mazzarovich / DPA / Alamy)</p>

Menina sobre o leito seco do reservatório de Paso Severino, que fornece água para Montevidéu e sua região metropolitana. Em julho de 2023, o Uruguai viveu o auge de uma grave seca, e as iniciativas para garantir o abastecimento de água serão uma das prioridades do próximo governo (Imagem: Santiago Mazzarovich / DPA / Alamy)

Em 1º de março de 2025, o Uruguai terá um novo presidente, que enfrentará graves problemas ambientais já em seus primeiros meses de governo: uma seca intensa, potencialmente tão forte quanto a que afetou o país em meados de 2023.

Naquela crise hídrica, mais de 1,6 milhão de pessoas viram uma água imprópria para o consumo sair de suas torneiras. A escassez ocorreu pelos baixos níveis na bacia do rio Santa Lucia, principal fonte de Montevidéu e sua região metropolitana. O governo precisou recorrer ao Rio da Prata, com alto grau de salinidade.

O acesso à água potável e ao saneamento básico, reconhecidos como direitos fundamentais pela Constituição do Uruguai, está no centro da corrida eleitoral no país, cujo segundo turno está marcado para este domingo, 24. Na agenda ambiental, há discussões fortes também sobre gestão de resíduos, hidrogênio verde e agricultura sustentável. 

O esquerdista Yamandú Orsi, candidato da Frente Ampla e ex-prefeito da cidade de Canelones, enfrenta Álvaro Delgado, ex-assessor do presidente Luis Lacalle Pou e representante do governo pelo Partido Nacional. No primeiro turno, em outubro, Orsi obteve 44% dos votos válidos contra 26,7% de Delgado.

Candidato presidencial da Frente Ampla, Yamandú Orsi, e sua candidata a vice, Carolina Cosse, em um comício em outubro
Candidato presidencial da Frente Ampla, Yamandú Orsi, e sua candidata a vice, Carolina Cosse, em um comício em outubro. Orsi quer convocar um “diálogo pela água” para tratar da crise hídrica no Uruguai, com participação de organizações sociais e setor privado (Imagem: Santiago Mazzarovich / DPA / Alamy)

Em entrevista ao Dialogue Earth, os coordenadores ambientais das duas campanhas — Leonardo Herou, da oposição, e Gerardo Amarilla, subsecretário de Meio Ambiente do atual governo — falaram sobre os planos para o Uruguai.

“Desde o primeiro minuto no cargo, Yamandú deverá tomar muitas decisões na área ambiental e na questão da água”, disse Herou, destacando a proposta do candidato da esquerda Orsi de convocar “um grande diálogo sobre a água”, que inclua cidadãos, organizações sociais, empresários e agricultores.

Amarilla, por sua vez, enfatizou as conquistas da atual administração, que criou o Ministério de Meio Ambiente em 2020. A pasta foi estruturada, segundo ele, porque “era necessário dar à questão ambiental papel de destaque”. Mas ele reconhece haver muitos desafios pela frente — principalmente em relação à água.

Gestão da água

O subsecretário Amarilla garante que o Uruguai estaria hoje mais preparado para uma nova seca, em parte devido ao projeto Neptuno — obra que visa captar e tratar a água salobra do Rio da Prata para abastecer a área metropolitana de Montevidéu. No entanto, o projeto enfrenta resistência de comunidades locais e revezes na Justiça.

Já Herou, da oposição, disse não haver consenso sobre como melhorar a infraestrutura hídrica do Uruguai. Ele lembrou que o governo anterior, da Frente Ampla, liderado pelo ex-presidente Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020), começou a construir uma usina em Casupá, no departamento da Flórida. Mas o plano foi abandonado pela atual gestão de Lacalle Pou.

Servidores públicos da OSE participaram de manifestação em Montevidéu
Servidores públicos da OSE participaram de manifestação em Montevidéu contra o projeto Neptuno, em setembro de 2023 (Imagem: Eitan Abramovich / Dialogue Earth)

Enquanto isso, alguns pesquisadores sugerem alternativas para além dos projetos de Casupá e Neptuno.  

“Não é uma ideia impensável”, disse Amarilla, que propõe uma terceira opção: o uso das águas subterrâneas, embora isso demande “um bom estudo prévio” dos aquíferos. Essa ideia é compartilhada pela oposição da Frente Ampla.

Os dois candidatos concordam ser necessário reavaliar o orçamento da concessionária nacional de água, a OSE. Embora atue em todo o território, a empresa está sediada em Montevidéu e suas principais operações ocorrem no departamento de Canelones.

Rumo a 2030

Com um mandato presidencial de cinco anos, o próximo governo do Uruguai comandará o país até 2030 — prazo final para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, bem como as metas de seu plano climático (NDCs).

Ambos os candidatos concordam que um dos principais desafios do Uruguai é promover práticas agrícolas mais sustentáveis em um setor dominado pelas monoculturas de trigo, soja e arroz. Os rivais também parecem estar alinhados na aposta do hidrogênio verde para impulsionar a transição energética do país. 

“A agricultura traz grandes desafios e, entre eles, está o de certificar ambientalmente toda essa produção para que ela seja mais valiosa e acesse mercados nos quais antes não seria possível entrar”, disse Amarilla, do governo, referindo-se à nova legislação antidesmatamento da União Europeia.

Enquanto isso, em seu programa de governo, a Frente Ampla se comprometeu a fortalecer a agroecologia como ponto de partida para a “transição ecológica justa”.

Herou disse que, para isso, é necessário “avançar com alternativas aos combustíveis fósseis” e que a Frente Ampla teria como foco o hidrogênio verde — setor que tem gerado preocupações pelo uso intensivo de água. Para Herou, a produção desse combustível será promovida com garantias, fiscalização e, acima de tudo, transparência, “para que a população também esteja ciente daquilo que está sendo decidido e seus impactos a curto, médio e longo prazo”.

O subsecretário Amarilla também expressou entusiasmo pelo potencial do hidrogênio verde e espera desenvolver essa indústria no país: “Talvez ainda não tenhamos dimensionado o impacto que o Uruguai terá no futuro se, a partir da geração de hidrogênio verde, conseguirmos produzir fertilizantes verdes. A exportação desses fertilizantes trará um retorno econômico muito importante”. 

Em 2023, o Uruguai assinou um memorando de entendimento com a União Europeia, com foco no avanço da indústria de hidrogênio verde e seus derivados.

Em outubro, o governo apresentou o projeto da que seria a primeira usina de hidrogênio verde no Uruguai. A instalação no departamento de Fray Bentos deve começar a operar em 2025, alimentada por oito mil painéis solares. Outros dois projetos foram apresentados para as regiões de Paysandú e Tacuarembó.

Além das preocupações com o uso intensivo de água nessas instalações, tanto de fontes superficiais quanto subterrâneas, os projetos de hidrogênio verde também enfrentam críticas pela falta de consulta prévia às comunidades próximas.

Impactos climáticos e adaptação

Enquanto isto, os principais setores da economia uruguaia seguem vulneráveis aos eventos climáticos extremos, como ficou evidente na seca de 2023.

A agricultura, que representa 3% do produto interno bruto do país, perdeu mais de US$ 1,8 bilhão em consequência da crise hídrica entre 2022 e 2023, segundo o Ministério da Economia.

No longo prazo, o país enfrenta outros problemas além da seca: o aumento do nível do mar pode causar sérios prejuízos às comunidades costeiras no sul e no leste do país. Até o final do século, entre 10,5 mil e 12 mil hectares de costa poderão ser inundados, segundo estudos do governo.

De acordo com Herou, o desafio será “tomar as decisões certas para criar resiliência e se preparar, mesmo com pouco tempo à frente”.

“Temos trabalhado com alguns fundos globais, porque sabemos que a costa será muito afetada, e os cenários de médio prazo — ou seja, ainda neste século — são preocupantes”, acrescenta ele.

Amarilla espera que o próximo governo foque “na previsão financeira de eventos climáticos, seja em relação à segurança hídrica [como abastecimento de água] ou a inundações, porque é um problema que qualquer país do mundo já enfrenta”.

Gestão de resíduos sólidos

A Frente Ampla, da oposição, busca impulsionar iniciativas de reciclagem em seu novo governo. Ela quer replicar a experiência de Canelones, onde 120 mil famílias de catadores separam mais de 40% do material reciclável a ser vendido.

“Começamos com uma política de resíduos de ‘pirâmide invertida’, com estratégias para reduzir os resíduos gerados, desde a produção até o consumidor. Depois, podemos gerar economias circulares para agregar valor”, disse Herou. 

Catadores trabalham na usina de triagem de Duran, em Montevidéu, em 2017
Catadores trabalham na usina de triagem de Duran, em Montevidéu, em 2017. O governo Lacalle Pou havia planejado fechar todos os lixões a céu aberto até o fim do ano, mas apenas metade foi desativada até agora (Imagem: Nicolas Celaya / Imago / Alamy)

Já Amarilla destacou o progresso do atual governo nesse sentido: “Conseguimos reduzir os lixões a céu aberto pela metade, a fim de criar aterros sanitários com melhores condições ambientais em cada uma das capitais departamentais”. 

O governo havia planejado fechar todos os lixões a céu aberto até o final de 2024. “Não podemos despejar mais resíduos. Precisamos avaliar quanto podemos reciclar e recuperar”, acrescentou Amarilla.

Crimes ambientais e educação cidadã

Outro ponto em comum nas duas campanhas é o foco na fiscalização e punição de crimes ambientais.

Herou, da Frente Ampla, disse que as autoridades tomam conhecimento de muitos crimes quando já é tarde demais, e são informadas quase exclusivamente por meio de denúncias. “Precisamos repensar a fiscalização com a inclusão da população, com tecnologia, inteligência artificial e uma presença muito mais forte no território”, acrescentou.

Para Amarilla, o Uruguai precisa desenvolver vínculos mais fortes com os governos departamentais: “Em vez de termos 19 escritórios do Ministério do Meio Ambiente em todo o país, precisamos usar os governos regionais como nossos próprios escritórios ou escritórios compartilhados para a fiscalização ambiental”. 

O subsecretário do Meio Ambiente acredita que a agenda ambiental tem crescido na esfera pública, notando um aumento no número de denúncias que chegam ao ministério. Porém, ele disse que o cuidado com o meio ambiente não aparece entre as questões mais relevantes na hora de votar.

Todos estamos conectados a questões ambientais, mas talvez seja difícil relacionar certos eventos ao meio ambiente
Natalia Bajsa, microbiologista do Instituto de Pesquisas Biológicas Clemente Estable

De acordo com uma pesquisa da Factum em abril, quando a campanha começou, 49% da população indicou que a segurança é sua principal preocupação, seguida por emprego, com 12%, e educação, com 11%; o meio ambiente nem sequer entrou na lista de questões prioritárias.

Como resultado, o debate presidencial do último domingo não tocou no tema.

As propostas da Frente Ampla receberam o apoio de acadêmicos, psicólogos, professores, cientistas ambientais, arquitetos, urbanistas e engenheiros, de acordo com um comunicado recente.

Natalia Bajsa, uma das signatárias, é microbiologista do Instituto de Pesquisas Biológicas Clemente Estable. Ela disse ao Dialogue Earth que ficou surpresa com a falta de menção às questões ambientais pelos candidatos à presidência.

“As pessoas foram à praia e não puderam nadar [por causa da proliferação de algas], ou não tinham água para beber [por causa da seca] ou sofreram inundações”, disse Bajsa. “Todos nós estamos ligados a questões ambientais, mas talvez seja difícil relacionar certos eventos com o meio ambiente”.