O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, vem prometendo que uma de suas prioridades ao assumir o cargo, em 20 de janeiro, será a elevação das tarifas de importação dos principais parceiros comerciais do país. As ameaças incluem taxar em 25% os produtos provenientes do Canadá e do México, e em 10% os da China — anúncio que só alimenta tensões comerciais e preocupa toda a indústria automobilística.
Fabricantes de veículos alertaram para as possíveis consequências da sobretaxa, incluindo o aumento dos custos de produção e do desemprego. Embora não esteja claro como a nova administração Trump pretende implementar essas medidas, empresas de México, Canadá e Estados Unidos se veem diante de um cenário imprevisível que pode prejudicar suas cadeias de suprimentos e vendas.
O México é o sétimo maior fabricante de automóveis do mundo e o maior da América Latina. Nos últimos anos, o país atraiu muitos investimentos para veículos elétricos (VEs), principalmente da China, maior produtora global e com o maior mercado para o setor. Após a explosão das vendas internas na última década, fabricantes chineses de VEs buscaram novos mercados, levando sua produção ao exterior — o que incluiu a onda de investimentos no México.
Essa expansão, no entanto, soou os alarmes nos EUA, onde alguns analistas afirmaram que os fabricantes chineses de VEs estariam levando sua produção ao México para evitar taxas e acessar o mercado americano. Com apelos de políticos americanos para taxar os VEs chineses fabricados no México, empresas como a chinesa BYD chegaram a suspender seus planos de produção no país latino-americano. O protecionismo dos EUA também levou o presidente Joe Biden a impor uma tarifa de 100% sobre os VEs chineses em setembro de 2024.
Para aprofundar essas questões, o Dialogue Earth conversou com Gustavo Jiménez, CEO da e-Mobilitas, consultoria mexicana voltada para a descarbonização do setor de transportes. Com quase duas décadas de experiência em uma série de projetos nacionais e internacionais, Jiménez trabalhou junto a diversas montadoras chinesas, como Sunwin, Zhong Tong e King Long, além de governos e bancos de desenvolvimento.
Dialogue Earth: Fabricantes chineses de VEs fizeram incursões no mercado mexicano nos últimos anos, tanto com vendas quanto com planos de produção no país. Que impacto a chegada deles teve no México?
Gustavo Jiménez: Nos últimos seis anos, o governo da China e marcas chinesas trouxeram importantes avanços tecnológicos aos VEs, concretizando sua competitividade em relação aos veículos a combustão. Fui um dos primeiros a trabalhar com mobilidade elétrica no México: o setor começou muito devagar, mas houve várias mudanças. Os veículos chineses chegaram com preços muito menores do que os europeus. Isso tornou os carros elétricos mais acessíveis, motivando os governos e o setor privado a repensar a viabilidade da eletromobilidade como uma realidade [no México]. A novidade também abriu as portas para novos modelos de negócios e análises de custos.
Na e-Mobilitas, começamos a comparar o custo de manter um VE com o de um veículo a diesel. Os resultados foram bastante interessantes, demonstrando a governos, transportistas e empresas que a mudança para a eletromobilidade poderia ser financeiramente vantajosa. Embora o impacto ambiental também seja relevante, a economia desempenhou um papel fundamental. Não vivemos na Europa, onde as emissões de CO₂ são calculadas com base em custos [pelo sistema de comércio de emissões da União Europeia], portanto a viabilidade econômica foi o propulsor dessa transição.
De que forma o setor é afetado pelos anúncios de Donald Trump de aumento tarifário nos EUA, bem como a atual taxa de 100% sobre os veículos elétricos chineses?
Esse é um tema muito interessante que pode afetar a economia mexicana e toda a região. No México, tivemos uma isenção tarifária para VEs [importados de países com os quais não temos acordos de livre comércio] até o final do governo de Andrés Manuel López Obrador, em outubro de 2024. Isso permitiu a chegada de mais VEs ao país, período no qual começaram a circular ônibus elétricos. Agora, está sendo retomado o imposto de 20% para VEs.
Internacionalmente, a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos está afetando o setor. Os EUA têm aplicado taxas sobre VEs da China e ameaçam aplicar impostos sobre os veículos fabricados no México com componentes chineses.
Os EUA têm interesse em proteger seu próprio setor, representando um desafio significativo para a competitividade global dos veículos elétricos chineses
Esses movimentos podem acabar com os investimentos de empresas chinesas para levar sua produção ao México, como a BYD e a Yutong. Se os Estados Unidos implementarem essas tarifas de até 200%, isso poderá ter sérias consequências econômicas para o México, sobretudo porque muitos dos veículos fabricados no país são exportados para os Estados Unidos.
Esse conflito não afetaria apenas os investimentos, mas também teria um impacto ambiental, pois dificultaria a chegada de VEs mais acessíveis. Além disso, os Estados Unidos têm interesse em proteger seu próprio setor, representando um desafio significativo para a competitividade global dos veículos elétricos chineses.
O México está sob o comando de uma nova presidente com uma boa trajetória em temas de sustentabilidade. O que Claudia Sheinbaum fez até agora para promover os veículos elétricos no país?
Como chefe de governo da Cidade do México [de 2018 a 2023], Claudia Sheinbaum começou a promover a eletrificação de algumas linhas de ônibus, especialmente os trólebus, gerando investimentos e atraindo mais empresas para promover seus serviços. Quanto aos táxis, eles eram muito caros, mas há dois anos começaram a chegar modelos de táxis elétricos mais acessíveis.
Desde então, aumentamos significativamente o número de veículos elétricos e híbridos plug-in no México. Esse mercado continua crescendo, e os preços seguem caindo. Hoje, já há VEs a preços semelhantes aos dos veículos a combustão, colocando o México em um momento decisivo: veremos mais VEs nas ruas, o que é positivo tanto para o meio ambiente quanto para a eficiência energética.
Sheinbaum está ciente das questões ambientais. Embora o governo federal tenha promovido a energia renovável de forma tímida, ela manteve o foco na conscientização energética e na mobilidade sustentável. Em seu mandato de seis anos [com início em outubro de 2024], ela certamente trabalhará a questão da energia renovável e dos VEs, algo crucial para o setor de transportes, que é campeão de emissões de gases de efeito estufa no México.