O sol é inclemente no deserto que se estende pela região de Arequipa, no sul do Peru. Além da intensa radiação, é a parte do país que registra os maiores índices de insolação em determinados períodos do ano. No distrito de La Joya, vários governos têm buscado promover a geração de energia solar e a criação da primeira usina peruana de hidrogênio verde. Agora, esse desafio começa a se tornar realidade.
Conforme o Atlas de Energia Solar do Peru, elaborado pelo Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia (Senamhi), La Joya tem os índices mais altos de radiação solar de todo o Peru, com uma energia diária que chega, em média, a 7,03 quilowatts-hora por metro quadrado. Os raios de sol também têm uma duração relativa de 75% no distrito, dado calculado a partir das horas estimadas e reais de insolação em relação à localização e à época do ano.
Elías Huamaní, de 46 anos, é o presidente do Centro Populacional Cristo Rey, pequeno assentamento com cinco mil habitantes em La Joya. Com seus 30 anos morando ali, ele garante que “quase nunca chove” e é “muito raro ver o céu nublado”.
Huamaní não se surpreende ao ver o deserto, ao longe, tomado por painéis solares. O que chama sua atenção, no entanto, é a ausência de diálogo: nem o governo nem as empresas privadas procuraram a comunidade para falar sobre os projetos.
“É uma área com muita radiação solar, com mais de nove horas de sol por dia e céu limpo quase o ano todo”, disse José Luis Ticona, especialista em climatologia do Senamhi, ao Dialogue Earth.
Já na comunidade de San José, também em La Joya, o líder comunitário Marcos Calcina comentou ter havido uma reunião com representantes da Acciona Energía Perú, uma das empresas interessadas em se instalar na área: “Eles nos explicaram os detalhes dos impactos ambientais. É a única empresa que se reuniu conosco. Dizem que há mais empresas, mas não sabemos nada sobre as outras”.
Calcina acrescentou que a Acciona informou às comunidades que o projeto ficará longe do centro urbano, gerará empregos para a população local e também realizará obras para melhorar escolas, estradas e centros de saúde.
Avanço notável em energia solar
A usina solar de San Martín, maior do tipo no Peru, começou a operar em La Joya no início de junho. O projeto, administrado pela espanhola Zelestra conta com 450 mil painéis solares e deve gerar 830 gigawatts-hora de energia por ano. Na inauguração oficial da usina em 17 de julho, a presidente peruana Dina Boluarte disse que o projeto beneficiará 440 mil famílias.
Os primeiros grandes projetos solares peruanos têm mais de uma década. Em 2012, a também espanhola T-Solar construiu em La Joya a primeira usina fotovoltaica em escala comercial do Peru, instalando 55.704 painéis solares para gerar 22 megawatts de energia.
Agora, está em andamento a construção da usina solar Illa, em Arequipa, que deve superar a de San Martín e se tornar a maior do Peru. Ernesto Oliver, porta-voz do Grupo Enhol, disse ao Dialogue Earth que a empresa instalará mais de 742 mil painéis solares com capacidade de geração de 472 megawatt-pico — unidade de medida usada pelo setor para descrever a energia máxima acumulada em todos os módulos de uma usina solar.
“Estamos no meio da fase de construção. A usina deverá entrar em operação total até o fim de 2026”, projetou Oliver. “Arequipa tem uma alta demanda de energia, principalmente do setor de mineração”.
Há vários outros projetos autorizados a iniciar suas obras em Arequipa. Entre eles, estão as usinas solares Misti Continúa (507.690 painéis), Sunny (612 mil painéis) e a San José (312.648 painéis). Conforme o Órgão Supervisor de Investimentos em Energia e Mineração, 29 parques solares estão sendo planejados na região.
Para atender a essa alta demanda, a chinesa JA Solar, uma das principais fabricantes mundiais de painéis fotovoltaicos, busca se tornar uma parceira estratégica de muitos desses projetos. Conforme confirmado ao Dialogue Earth por Cristhian Romero, diretor de vendas da JA Solar no Peru, foram assinados dois contratos com as empresas Inver Management e Acciona Energía Perú no valor de mais de US$ 60 milhões. Até o final de 2026, serão entregues mais de 900 mil módulos solares, com uma capacidade somada de 650 MW.
“Este investimento é um marco para a empresa na América Latina. O mercado peruano está em uma fase crucial para acelerar a transição energética, e queremos ser parte ativa desse processo. Arequipa representa um eixo fundamental dentro de nossa estratégia”, afirmou Romero.
Promessas de desenvolvimento
“Nos últimos cinco anos, La Joya cresceu 30% em termos de habitação. Cerca de 70% da população trabalha com agricultura, 20% trabalha no setor privado e o restante é autônomo”, disse o prefeito de La Joya, Christian Cuadros, ao Dialogue Earth. Embora o censo de 2017 tenha registrado uma população de 35.943 habitantes no distrito, Cuadros disse que hoje a estimativa é cerca de 66 mil.
Em dez anos, La Joya será o distrito mais desenvolvido do sul do PeruChristian Cuadros, prefeito de La Joya
De acordo com Cuadros, o interesse de empresários estrangeiros em desenvolver usinas fotovoltaicas em seu distrito terá um impacto positivo. O governo local está trabalhando com o Colégio de Arquitetos de Arequipa para desenvolver um plano de desenvolvimento urbano e zoneamento que definirá quais áreas serão destinadas ao crescimento urbano, à agricultura, às zonas industriais e onde serão desenvolvidos os recursos de energia renovável.
“Em dez anos, La Joya será o distrito mais desenvolvido do sul do Peru”, afirmou Cuadros.
Patricio Lewis, economista da Rede de Estudos para o Desenvolvimento (Redes), afirmou que os projetos de energia solar fotovoltaica serão capazes de atender à demanda energética dos muitos investimentos em mineração previstos em Arequipa, como Tía María, uma mina de cobre de US$ 1,8 bilhão, e Zafranal, uma mina de cobre e ouro de US$ 1,9 bilhão.
Hidrogênio verde em ascensão
A eletricidade do Peru provém de várias fontes. Em 2024, a geração elétrica era composta por 51% de usinas hidrelétrica, 40% de termelétricas e apenas 9% de energias renováveis (sol, vento e biomassa), de acordo com dados do Comitê de Operação Econômica do Sistema (Coes), que faz a gestão da rede elétrica no país.
César Butrón Fernández, presidente do Coes, disse ao Dialogue Earth que espera que o Peru alcance uma participação de 34% de energia renovável na geração de eletricidade nos próximos dez anos. Para isso, ele disse que o hidrogênio verde, produzido a partir de energias renováveis como a solar e a eólica, poderá desempenhar um papel importante em Arequipa e em todo o país.
A demanda por hidrogênio está aumentando, porque ele não produz gases de efeito estufa quando queimado.
⚪️ No entanto, os combustíveis fósseis são normalmente usados para produzir o hidrogênio. Isso é conhecido como hidrogênio “cinza”.
🔵 O hidrogênio “azul” também é produzido a partir de combustíveis fósseis, mas com o uso de tecnologia de captura e armazenamento de carbono, que impede que as emissões de gases de efeito estufa resultantes cheguem à atmosfera.
🟢 O hidrogênio só pode ser classificado como “verde” se for produzido inteiramente com energia renovável.
Duas iniciativas em Arequipa geraram esperanças no setor. A primeira é a usina de hidrogênio verde Horizonte de Verano, da norte-americana Verano Energy, cujo estudo de impacto ambiental foi aprovado pelo Ministério da Produção.
O projeto espera produzir até 85 mil toneladas de hidrogênio verde por ano, com operação prevista para 2028. As obras devem começar ainda este ano.
O segundo projeto é o da empresa sul-africana Phelan Green Energy, que apresentou uma proposta ao Governo Regional de Arequipa para que ambas as partes avancem com as obras. O diretor nacional da Phelan, Jean Luois Gelot, explicou que o governo disponibilizou cinco mil hectares para uma usina solar no distrito de Santa Rita de Siguas e 50 hectares na cidade costeira de Matarani para a usina de hidrogênio.
“Vamos firmar uma parceria público-privada. O Estado fornece o terreno e recebe uma compensação. O governo não está investindo um único centavo e não será responsável se o projeto fracassar”, explicou Gelot ao Dialogue Earth. “Já apresentamos o modelo financeiro, que passará por uma avaliação técnica e econômica pelo governo regional e, em seguida, pelo conselho regional”. Ele confirmou que o investimento será de cerca de US$ 2 bilhões para produzir 75 mil toneladas de hidrogênio por ano.
Diante de todos esses investimentos, o presidente da Associação Peruana de Hidrogênio, Daniel Cámac, disse ao Dialogue Earth que “com os novos projetos, Arequipa deve se preparar para se tornar um polo industrial de produção e consumo de hidrogênio”. Caso contrário, concluiu, todas as ambições de transformar a região em um destino internacional para a produção de energia limpa – como muitos empresários têm repetido – podem ficar apenas no papel.
