Justiça

Guatemala se torna país mais letal para ativistas ambientais

País centro-americano atinge maior taxa per capita de mortes de ativistas socioambientais em 2024 enquanto a Colômbia segue liderando em números absolutos
<p>Mulher guatemalteca participa de cerimônia do Ano Novo Maia, em fevereiro. O país centro-americano registrou um aumento significativo nas mortes de ativistas socioambientais no último ano (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2qMwimW">Governo da Guatemala</a> / <a href="https://flickr.com/people/guatemalagob">Flickr</a>, <a href="https://creativecommons.org/publicdomain/mark/1.0/deed.pt-br">PDM</a>)</p>

Mulher guatemalteca participa de cerimônia do Ano Novo Maia, em fevereiro. O país centro-americano registrou um aumento significativo nas mortes de ativistas socioambientais no último ano (Imagem: Governo da Guatemala / Flickr, PDM)

Pelo menos 146 ativistas da terra, dos direitos humanos e do meio ambiente foram mortos ou desapareceram em todo o mundo em 2024, conforme um novo relatório da organização britânica Global Witness. 

Ao todo, 82% desses casos ocorreram na América Latina, onde a situação continua sendo particularmente preocupante. A Guatemala registrou o salto mais acentuado de assassinatos de ativistas, tornando-se o país mais letal per capita para defensores socioambientais.

Embora o número de crimes registrados no ano passado seja inferior aos 196 episódios de 2023, isso não significa, necessariamente, que a violência tenha diminuído, segundo Laura Furones, autora principal do relatório, ao Dialogue Earth: “Pode haver menos assassinatos, mas a criminalização e outros tipos de ataques não letais estão aumentando. O número menor não deve ser motivo de comemoração”.

A Global Witness compila dados anuais de violência desde 2012. Desde então, a organização registrou o homicídio ou desaparecimento de 2.253 ativistas ambientais. Porém, o número real pode ser ainda maior: Furones explicou que muitos casos não são notificados, porque ocorrem em zonas de conflito ou com monitoramento precário.

Na nova edição do relatório, a Colômbia mantém o status de país com o maior número de assassinatos pelo terceiro ano consecutivo, somando 48 crimes em 2024. Embora haja queda em relação às 79 mortes violentas de 2023, a nação sul-americana ainda é atravessada por uma forte violência associada a conflitos armados, disputas fundiárias, tráfico de drogas e mineração ilegal. 

Astrid Torres, coordenadora da organização colombiana Somos Defensores, destacou que o país adotou programas estatais destinados a proteger ativistas, mas isso não tem sido suficiente: “A violência letal só pode ser interrompida com mecanismos de proteção preventivos, não reativos”, disse no lançamento do novo relatório.

Casal de moradores idosos de Cabo de la Vela, no norte da Colômbia, à beira da praia
Moradores de Cabo de la Vela, povoado na costa norte da Colômbia tradicionalmente habitado pelo povo Wayuu. Apesar da redução da violência contra ambientalistas em relação a 2023, a Colômbia registrou o maior número de homicídios de ativistas socioambientais pelo terceiro ano consecutivo (Imagem: David Duarte / Presidência da Colômbia, PDM)

Situação em cada país

A Guatemala foi uma das surpresas negativas do recente levantamento: o número de assassinatos de ativistas aumentou drasticamente, passando de quatro em 2023 para 20 em 2024. Dessa forma, a nação centro-americana atingiu a maior taxa per capita global (uma morte a cada um milhão de habitantes), tornando-se o país mais letal para ativistas socioambientais. Desde 2012, foram registrados 106 assassinatos e desaparecimentos de ambientalistas no país. O documento da Global Witness menciona a corrupção, a distribuição desigual da terra, o crime organizado e as indústrias extrativas como possíveis fatores por trás dessa alta nos índices de violência. 

Neydi Juracan, diretora da organização guatemalteca Comitê Campesino do Altiplano, também falou no evento de lançamento do relatório. Ela destacou algumas das razões para o aumento nos assassinatos e na perseguição aos ativistas socioambientais no país: “Isso está ligado a um modelo de desenvolvimento que nos priva de nossos territórios. Assumimos uma resistência pacífica, mas eles nos perseguem”. 

As eleições de 2023 na Guatemala, marcadas por tentativas de impedir a vitória de Bernardo Arévalo e de suspender seu partido, deixaram um cenário de turbulência institucional que se estendeu em 2024. Em julho do ano passado, o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos alertou que a democracia no país permanecia “em risco” diante da polarização e do enfraquecimento das instituições. Além disso, ao longo do ano, organizações indígenas denunciaram despejos violentos e a omissão estatal em resolver conflitos agrários. 

Entre as vítimas estava o advogado José Domingo, que atuava na defesa de agricultores e povos indígenas em um processo de legalização fundiária — uma questão recorrente na Guatemala, onde comunidades rurais enfrentam dificuldades para garantir títulos de terras e são frequentemente alvo de despejos.

Para o México, o ano passado foi o segundo mais letal para ambientalistas na última década, com 18 assassinatos e um desaparecimento. Nove assassinatos ocorreram na região de Chiapas como resultado de disputas territoriais entre grupos criminosos que lutam pelo controle dos recursos naturais. Uma família de sete pessoas foi assassinada em Chiapas por se recusar a apoiar um desses grupos, dizem autoridades.

A Global Witness também registrou 12 assassinatos de ativistas no Brasil durante 2024, metade dos 25 registrados em 2023. A maioria dos casos registrados no país em 2024 envolveu pequenos produtores rurais e indígenas. Em janeiro de 2024, por exemplo, cerca de 200 fazendeiros armados, com apoio de policiais militares, atacaram a retomada Pataxó do território Caramuru-Catarina Paraguassu, na Bahia. A líder Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, foi morta a tiros, enquanto outros indígenas ficaram feridos, e a ação foi atribuída a uma operação ilegal articulada por milícias.

Embora o país tenha conseguido reduzir o número de mortes, as agressões não letais contra ambientalistas continuam. No acumulado entre 2012 e 2024, o Brasil soma 413 mortes e desaparecimentos, alcançando a segunda posição no ranking. 

A organização também registrou seis casos em Honduras no último ano, um terço em comparação com os 18 do ano anterior. Os ataques violentos incluem o assassinato do ambientalista Juan López, que coordenava o Comitê Municipal de Defesa dos Bens Comuns e Públicos em Tocoa, no norte hondurenho.

Distribuição desigual da terra, corrupção e crime organizado são alguns dos fatores que podem explicar o aumento da violência contra ativistas ambientais na Guatemala
Distribuição desigual da terra, corrupção e crime organizado são alguns dos fatores que podem explicar o aumento da violência contra ativistas ambientais na Guatemala (Imagem: Governo da Guatemala / Flickr, PDM)

Acordo de Escazú

Conforme o relatório da Global Witness, quase mil ativistas foram mortos ou desapareceram na América Latina e no Caribe desde que o Acordo de Escazú entrou em vigor em 2021. Este tratado regional visa melhorar o acesso à informação sobre temas ambientais, combater a impunidade dos crimes contra ambientalistas e reforçar a participação popular em consultas prévias sobre projetos de exploração. O acordo foi ratificado por 18 países latino-americanos e caribenhos.

A Colômbia aderiu ao Escazú no fim de 2024 e está em processo de criação de uma comissão intersetorial para implementar o acordo. Já Guatemala, Brasil, Costa Rica, Paraguai, Peru, Jamaica, República Dominicana e Haiti ainda não ratificaram o tratado, apesar de todos terem assinado o documento. 

A Global Witness ressaltou que o Acordo de Escazú, a Convenção de Aarhus (versão europeia do acordo latino-americano) e a declaração da ONU sobre ativistas dos direitos humanos ainda não foram capazes de controlar a violência contra ativistas. Segundo o novo relatório, os países carecem de vontade política para implementar essas iniciativas de forma eficaz. Além disso, muitos desses documentos são, em grande medida, desconhecidos das comunidades.

“Escazú é um instrumento vinculante com potencial de mudar a realidade na América Latina”, afirmou Laura Furones. “Porém, o tempo está passando e ainda há países que ainda não o ratificaram. Já outros ratificaram o acordo, mas não fizeram muitos avanços desde então. Mesmo a melhor lei torna-se ineficaz sem implementação”. 

O relatório argumentou que, para enfrentar esses desafios, os países signatários do Escazú precisam se comprometer com apoio financeiro, recursos destinados à implementação e desenvolvimento de planos nacionais para proteger os ativistas.

Expectativas para o futuro

Para combater a violência contra ambientalistas, a Global Witness defende que os Estados garantam os direitos de comunidades rurais e indígenas por meio de reformas agrárias que promovam uma distribuição mais justa da terra. Além disso, a organização afirma que os países devem implementar legislações sólidas que responsabilizem as empresas por violações dos direitos humanos e danos ambientais em todas as cadeias de produção. 

A ativista Jani Silva, figura central do movimento campesino da Colômbia, compartilhou suas ideias com a Global Witness para marcar a publicação do relatório. “A grande maioria dos ativistas da terra e do meio ambiente não atuam nisso por opção, incluindo eu mesma. Somos ativistas porque as nossas casas, as nossas terras, as nossas comunidades e as nossas vidas estão ameaçadas”, explicou Silva, uma das responsáveis pela criação da área protegida Zona de Reserva Campesina Pérola Amazônica. “É preciso fazer muito mais para garantir que as comunidades exerçam seus direitos e que aqueles que os defendem sejam protegidos”.

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