Em um bar na cidade de Córdoba, Argentina, uma plateia de cem pessoas entoa nomes de plantas nativas da região. O público dança ao ritmo vibrante de ska, mas a música descreve um cenário sombrio: a perda de mais de dez milhões de hectares de floresta em seu entorno.
A floresta nativa de Córdoba — segunda província mais populosa do país — cobria 12 milhões de hectares no início do século 20, mas estimativas de 2010 indicam que restaram menos de 5% da floresta original. As causas de seu desaparecimento incluem o avanço da fronteira agrícola, o aumento da urbanização, incêndios devastadores e a chegada de espécies invasoras.
Desde 2009, a legislação florestal da Argentina exige que as províncias atualizem, a cada cinco anos, os planos de como as florestas podem ser usadas e quais áreas são críticas à preservação. Mas a província de Córdoba, cuja lei florestal é de 2010, até hoje não promoveu essa atualização.
A partir de imagens de satélite, um grupo de pesquisadores da região monitorou as florestas nativas de Córdoba e notou uma “escassez de florestas maduras com árvores bem desenvolvidas”, além de uma “grande quantidade de plantas invasoras nas áreas de floresta nativa”.
O estudo é apenas um primeiro passo para a proteção da vegetação, diz Sara Boccolini, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina. Ela cobra melhorias no planejamento do uso do solo da província.
E não são apenas os especialistas que exigem a proteção de florestas da Argentina: o show da Toch, com sua experiência imersiva de luzes e sons, é um exemplo de ação cidadã que promove a preservação dos recursos naturais de Córdoba.
Canto para as árvores
Em um quintal no município de Agua de Oro, aos pés da Cordilheira de Sierras Chicas, os músicos Juan Pablo “Juanpaio” Toch, Andrés Toch e Martín Ellena improvisavam letras musicais inspiradas na vegetação nativa que os rodeava.
O resultado disso foi “Plantas”, sucesso musical desde seu lançamento, em 2022. “Foi surpreendente”, diz Juanpaio, baixista e vocalista da banda Toch, sobre o estouro da canção, que é repleta de nomes de plantas populares. “Quando ela chegou às pessoas, descobrimos o imenso poder dessas palavras”.
Como na maioria das composições de Toch, a canção “Plantas” descreve uma paisagem. Ela lista 43 espécies das Sierras Chicas, entre elas a chañar, pequena árvore de folhas que caem no inverno; o mistol, árvore espinhosa e frutífera; e a erva-de-santa-luzia, cujas pétalas azuis colorem sazonalmente as montanhas.
A música começa com um toque de huaino, ritmo andino bastante popular no noroeste da Argentina. A batida diminui, mas em seguida um bandoneón — instrumento parecido com um acordeão — acelera o ritmo até chegar a um vibrante ska. Quando a letra cessa brevemente, um trompetista se une ao trio.
“São apenas nomes [de plantas], mas elas despertam algo em todos: uma lembrança de uma avó ou de algum conhecimento do uso das plantas”, diz Juanpaio.
Arte conecta pessoas com natureza
De volta a Córdoba, no Museu Botânico, Jimena Nores aguarda a visita de um grupo de alunos do ensino fundamental à exposição Biodiversa, experiência imersiva que imita um passeio pela mata com a ajuda de luzes e sons.
“Com a equipe do museu, vimos a necessidade de mostrar a floresta nativa, mostrá-la com seus problemas, sua diversidade e todos seus elementos”, diz Nores, pesquisadora e produtora da exposição. “Enquanto instituição científica que produz conhecimento, também temos a responsabilidade de levar isso ao público”.
Nessa experiência imersiva multissensorial, a equipe de Nores, formada por artistas e cientistas de diferentes instituições, recriou os rios, a vegetação e a fauna da floresta de Córdoba.
A exposição incluiu ainda o fator humano, trazendo as populações que habitam a região e o impacto do homem sobre a natureza, como o avanço do desmatamento e do mercado imobiliário, grandes responsáveis pela perda da biodiversidade nessa província.
A equipe queria mostrar como a biodiversidade resiste na floresta apesar das adversidades, passando uma mensagem de que ainda é possível agir para proteger o ecossistema.
“Não queríamos abordar o assunto a partir de uma perspectiva tão dura, mas sim que os visitantes saíssem com vontade de fazer algo a respeito”, explica Nores. “Mostramos a biodiversidade, e não apenas de plantas, mas de microorganismos, fauna e paisagens”.
A exposição, realizada entre 6 e 29 de junho, no Museu Botânico, atraiu mais de cinco mil pessoas de todas as idades. Os organizadores esperam repetir a experiência em 2024, levando-a para diferentes partes da cidade ou até transformá-la em uma exposição itinerante pela Argentina.
Restauração e aprendizado
Embora a Biodiversa tenha sido uma exposição temporária, outras iniciativas voltadas para as florestas de Córdoba podem ser visitadas o ano todo. Algumas já são bem conhecidas, como a Ramona, sala de aula ao ar livre na Universidade Nacional de Córdoba. Nesse espaço de árvores, arbustos, grama e insetos, a floresta nativa se mistura à paisagem urbana da universidade.
O local foi renomeado este ano em homenagem a Ramona Bustamante, ativista de Córdoba que enfrentou o desmatamento de empresas privadas para a expansão agrícola. Ela morreu em 2021, aos 95 anos, e passou grande parte da vida defendendo a floresta de Córdoba.
O espaço Ramona faz parte do projeto El Bosque Nativo Vuelve (“A Volta da Floresta Nativa”, em português), criado em 2009 por pesquisadores e alunos que queriam restaurar áreas degradadas da cidade.
“Antes de existir uma cidade, havia uma floresta”, diz Pablo Goldner, doutorando e membro do projeto. “A cidade transformou o espaço”.
O projeto já reflorestou entre 800 e mil espécies vegetais e treinou mais de cem alunos em ecologia, participação cidadã e proteção ambiental por meio do programa de compromisso social estudantil da universidade. O programa também inclui alunos em projetos que lidam com questões socioambientais, como a preservação de corpos d’água e o tráfico de animais selvagens.
“Parte do trabalho é oferecer à comunidade uma visão diferente da floresta, uma visão que não seja tão romântica”, diz Goldner, que pesquisa como melhorar espaços públicos urbanos através de recursos ambientais. “A floresta precisa que as pessoas entendam ser possível viver nela e com ela, porque, na verdade, dependemos da floresta”.
Além da cidade
No noroeste de Córdoba, há uma estrada de terra antiga que, no período colonial, atravessava uma densa vegetação para conectar a capital do Vice-Reino do Peru, hoje a cidade de Lima, com o Rio da Prata, na Argentina. Em alguns trechos, as postas — construções de adobe localizadas a cada dez ou 15 quilômetros que serviam como locais de descanso para mensageiros, funcionários reais, comerciantes e viajantes — ainda estão de pé. Também era nesse local que os cavalos eram trocados para continuar a viagem.
Parte da vegetação original também sobreviveu, e nas estradas que cruzam a província de Córdoba, por exemplo, ainda há algarrobos, árvores cujos grãos são usados na culinária tradicional.
Na cidade de Sinsacate, no centro-norte da província, um grupo de moradores colocou placas na beira da estrada colonial sinalizando nomes de diferentes espécies nativas. O objetivo é incentivar o cuidado e a conservação da vegetação.
“Vimos que as pessoas pararam para ler as placas”, diz a agrônoma Ana Carolina García, membro do coletivo local Forestando Sinsacate.
O principal trabalho do Forestando Sinsacate é identificar espécies e realizar atividades em escolas sobre o cuidado da floresta. “Com as crianças, visitamos as postas, e elas adoram porque há muitas espécies de plantas lá”, diz García. “Uma das atividades é contar o funcionamento de uma árvore e mostrar, por exemplo, como é a folha, para que a conheçam e possam desenhá-la”.
Todas essas atividades dão visibilidade a um ecossistema que enfrenta uma situação de emergência. Para os personagens consultados por esta reportagem, a degradação florestal é resultado da falta de esforços governamentais para a proteção e manejo das florestas. Diante dessa lacuna, projetos artísticos, acadêmicos e educacionais tentam compartilhar seu conhecimento sobre a mata cordobesa — enquanto ela ainda existe.