Brasília, o palco de batalhas políticas pelo futuro da Amazônia

No quinto e último episódio do podcast Amazônia Ocupada, vamos à capital do país onde se travam as disputas entre manter ou transformar o modelo de exploração da floresta

Amazônia Ocupada, episódio 5:

Longe da Amazônia, da complexidade de seus conflitos e do dia a dia de seus habitantes, o destino da floresta é decidido em reuniões, comissões e tribunais. Brasília é o principal palco político onde se travam as batalhas pelo futuro da Amazônia e onde o velho modelo de ocupação é continuamente renovado, não importa o governo em questão. 

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Este artigo é um resumo do quinto episódio de Amazônia Ocupada, uma nova série em podcast do Diálogo Chino.

Mas é também na capital federal que, dentro e fora do Parlamento, a resistência acontece, e novos projetos de futuro para o bioma são discutidos. 

Brasília é a última parada do podcast Amazônia Ocupada, uma produção do Diálogo Chino com a Trovão Mídia. Nos episódios anteriores, percorremos a BR-163 para entender como a soja, a pecuária, a extração de madeira e o garimpo se expandiram pelo território amazônico nas últimas cinco décadas.

A colonização e a exploração econômica da floresta não se deram de forma natural ou espontânea. Elas só foram possíveis porque esse modelo econômico é articulado e se perpetua nas instâncias de poder da capital brasileira. 

Entre os principais temas discutidos atualmente em Brasília, está a tese do marco temporal, que define um limite à demarcação de terras indígenas e mobiliza tanto ativistas ambientais quanto ruralistas. Trata-se de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde estavam no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. 

A ação surgiu de uma disputa de terras da etnia Xokleng, mas a decisão vai servir de referência para todas as demarcações de terras indígenas do país. A questão expõe como, de um lado, a bancada ruralista e instituições ligadas à agropecuária buscam expandir o setor pelas terras brasileiras, não só da Amazônia.

“Não dá pra aceitar de forma aleatória que se faça demarcação indígena sem ter critérios claros”, disse o ex-deputado federal Neri Geller, que foi vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada ruralista.  

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Na linha de frente da resistência, indígenas protestam em Brasília em 2019. Lideranças defendem que essa eleição deve eleger uma "bancada do cocar" (Imagem: Mídia Ninja)

Geller teve o mandato cassado após entrevista com o Diálogo Chino em junho, mas conseguiu na Justiça a aprovação para concorrer ao Senado nas eleições de domingo (2). Embora partidário de Jair Bolsonaro nos últimos anos, o ex-deputado agora apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas na corrida presidencial. 

“A maioria dos indígenas quer fazer o seu desenvolvimento socioeconômico e integrado com o homem branco”, acrescentou Geller.

No entanto, massas de lideranças indígenas têm se manifestado contra a ação judicial. A tese do marco temporal, dizem esses grupos, desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas até a promulgação da Constituição. Elas temem que seja perdido o direito a territórios retomados após décadas de lutas e que ainda estão em processo de demarcação.  

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“A gente está aqui reivindicando todos esses direitos diante dos retrocessos e do ataque genocida que esse governo tem proporcionado a todos os povos indígenas das regiões de todo o Brasil”, discursou Laura Parintintin, líder indígena e estudante de ciências sociais da Universidade Federal de Santa Catarina, em um ato em Brasília em junho.

Essa disputa não é recente. A discussão em torno do marco temporal no STF ilustra uma batalha por terras que permeia toda a história do Brasil, desde a colonização até o presente. “A formação do estado brasileiro parte não só de concepções, mas também de alianças com esses atores [ruralistas] desde que o Brasil é Brasil”, explica Mayrá Lima, doutora em ciência política pela Universidade de Brasília e pesquisadora da atuação da bancada ruralista no Congresso.

É lógico que [a Amazônia] precisa de infraestrutura e de serviços públicos, mas da forma correta.

Hoje, a FPA conta com 280 parlamentares e se reúne em torno de pautas ligadas ao agronegócio. Em paralelo à discussão do marco temporal no STF, a bancada defende a aprovação no Congresso de projetos de lei como o da regularização da mineração nos territórios, de mudanças no licenciamento ambiental — que contou com a relatoria de Geller —, da flexibilização na aprovação de agrotóxicos e da concessão de anistia à grilagem de terras públicas. Esse conjunto de projetos foi apelidado por ambientalistas de “pacote da destruição”.  

“Precisamos avançar nesses gargalos que defendemos aqui no Congresso Nacional”, afirmou Geller. “Tem que preservar, mas e as pessoas que precisam comer?”.

Ao mesmo tempo em que projetos ligados à reforma agrária ou à demarcação de terras indígenas passam longe das prioridades da bancada, ruralistas no Congresso ganharam maior respaldo político no governo Bolsonaro. 

“Me sinto ainda deputado federal depois de 28 anos dentro da Câmara e quero dizer que esse governo aqui é de vocês”, disse o presidente a deputados da bancada ruralista em um café da manhã em 2019, transmitido pela TV Brasil.

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Esse respaldo explica o apoio que setores ligados ao agronegócio dão a Bolsonaro, como mostrado até agora nos episódios do Amazônia Ocupada. Essa aliança resultou na política de zero demarcações de territórios indígenas pelo atual governo, no desmonte de órgãos de fiscalização ambiental, como do Ibama e o ICMbio, e no esvaziamento do próprio Ministério do Meio Ambiente.

A pasta passou a atuar “para derrubar a legislação ambiental”, segundo Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e consultora legislativa da Câmara dos Deputados por quase 30 anos. “Os parlamentares que atuam em prol do meio ambiente sempre foram poucos. Mas as organizações da sociedade civil que acompanham o Congresso Nacional tinham no Ministério do Meio Ambiente um apoio importante, independentemente do presidente. No governo Bolsonaro isso se inverte”, explica ela. 

Hoje integrante do Observatório do Clima, Araújo diz que sua luta dos últimos quatro anos em Brasília “tem sido para impedir o tempo todo, todos os dias, o retrocesso na legislação ambiental”. Ela diz que o modelo que opõe desenvolvimento econômico com preservação ambiental, como sugeriu Geller, está ultrapassado. 

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“É lógico que [a Amazônia] precisa de infraestrutura e de serviços públicos, mas da forma correta. Modelos que não são desenhados para a Amazônia e de degradação ambiental não são o futuro”, argumenta. “O que a Amazônia precisa é da floresta em pé, investimento em ciência, tecnologia e respeito e valorização dos saberes tradicionais”.

Pelas pesquisas eleitorais até então, a expectativa é que as eleições presidenciais promovam uma mudança de governo e, segundo especialistas como Araújo e Lima, um realinhamento das prioridades de Brasília na questão indígena e ambiental. 

Por outro lado, os últimos anos do atual governo foram importantes, dizem as jovens lideranças, para que grupos indígenas se organizassem e disputassem espaços de poder, como por meio de candidaturas de representantes do povos indígenas às eleições nacionais e regionais. 

“É através desses espaços que a gente vai conseguir mudar alguma coisa na questão indígena, né? Porque a gente tem apoiadores não-indígenas, mas é diferente quando é um parente indígena que está lá”, diz Thaira Pripra, estudante universitária que foi a Brasília protestar contra o marco temporal. 

Segundo ela, a esperança está em pessoas como Joênia Wapixana, única representante indígena no Congresso, assim como na possibilidade de eleger uma “bancada do cocar”. 

Ouça aqui o quinto e último episódio de Amazônia Ocupada, ou ouça também na Apple, Amazon ou Deezer.

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