Na escola primária San Roque González de Santa Cruz, a cada ano, o número de carteiras ocupadas diminui. O ruído de crianças também vai desaparecendo. No entanto, as plantações de soja ao seu redor aumentam. Esta escola, localizada na zona rural do estado de Alto Paraná do Paraguai, ainda resiste a ser fechada, como já aconteceu com várias outras em diferentes pontos do país.
Quando foi inaugurada, há 18 anos, tinha uma média de 70 estudantes, lembram os pais dos alunos. Hoje, no total, são apenas 11, do primeiro ao sexto ano.
O pequeno grupo tem aulas em uma única sala, com um mesmo professor que, por sua vez, é também o diretor. Da janela, impregnada de poeira avermelhada, pode-se observar um campinho de futebol e, ao final da pista de terra, uma grande extensão de cultivo de soja, sem faixas verdes de proteção, apesar de estar a poucos metros da escola.
Segundo os moradores, o cultivo desaloja famílias que vivem no campo. Por necessidade econômica ou por saúde, vendem suas terras aos produtores e migram para áreas urbanas. E não é só aqui. Onde quer que a fronteira agrícola avance em grande escala, o fenômeno se repete.
O impacto do êxodo se reflete nas escolas rurais. Diante da falta de alunos suficientes, o Ministério de Educação e Ciências termina por desativá-las. Só este ano já foram fechadas mais de 80 escolas, por queda no número de matrículas.
Em 2011, segundo o Serviço Paz e Justiça (Serpaj), uma pesquisa do Ministério revelou que pelo menos 500 escolas no país estão cercadas por plantações de soja. O estudo, porém, não teve continuidade.
A superfície ocupada pela soja é de 3.497.669 hectares e a produção, de 9.806.355 toneladas, conforme a Câmara Paraguaia de Processadores de Oleaginosas e Cereais (Cappro). Em maio deste ano, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) considerou o Paraguai o terceiro maior exportador mundial de soja, depois do Brasil e dos Estados Unidos. Atualmente, volta a ocupar o quarto lugar, como acontece desde a safra 2014/2015.
“Ocupar um posto tão alto entre os exportadores em estado natural deveria preocupar as autoridades. O agregado de valor não está acontecendo nas fronteiras, e os benefícios da industrialização são aproveitados por outros países”, afirma o relatório da Cappro.
Para os moradores de Minga Porã, o avanço da soja é um retrocesso para a comunidade.
“Há 30 anos, na comunidade de San Miguel, de Minga, 90 propriedades eram ocupadas por famílias, hoje são somente 43”, relata Gerónimo Arévalos, um dos primeiros habitantes do local. “O resto foi vendido ou alugado a brasileiros que vêm plantar soja no país. Para pequenos produtores não existe apoio estatal”.
O secretario da Associação de Agricultores do Alto Paraná (Asagrapa), Tomás Zayas, reconheceu que parte destas terras alugadas a sojicultores pertencem ao Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra e foram cedidas às famílias de agricultores locais.
Aqueles que decidem permanecer na comunidade afirmam que enfrentam dificuldades que associam aos agroquímicos utilizados nos grandes cultivos. Problemas estomacais e até prevalência de câncer e abortos espontâneos são denunciados pelos assentados em vários lotes de Minga Porã.
“Aumentam os problemas de saúde, que antes eram raros. Os doutores não dão explicação, mas nós acreditamos que este modelo de produção é o responsável”, conta o morador Jorge Arévalos.
Quando tinha 9 anos, Silvio Peralta, habitante local, começou a sentir um forte ardor e dor nos olhos. Descreve que por pouco perdia a vista e depois disso deixou a escola. Assegura que os médicos não dão explicações.
“Pensamos que é pelos químicos das plantações. Quando era pequeno me recordo que as fumigações eram mais intensas. Gostaria de receber ajuda para poder recuperar a vista”, diz Silvio, que agora tem 22 anos.
“No Paraguai não existem estudos médicos porque ninguém tem coragem de dizer que estas doenças frequentes se devem ao glifosato. Grandes pesquisas foram feitas na Argentina, onde também há expansão da soja. Ali os cientistas afirmaram que o glifosato causa aborto porque é genotóxico, lesiona o DNA e também ocasiona câncer”, relata a doutora Susana Barreto, especialista em Nefrologia.
Enquanto o Parlamento Europeu pede a eliminação do glifosato para 2022, no Paraguai a importação aumentou em 2017.
Esperanza Martínez, ex-ministra de Saúde Pública durante o governo presidencial do antigo bispo Fernando Lugo (2008-2012) e atual senadora, admite que a escassez de pesquisas por parte do governo é consequência da falta de uma decisão política.
Sem barreiras naturais
A necessidade de usar barreiras verdes nas proximidades dos cultivos consta da Lei N° 3742, do controle de produtos fitossanitários de uso agrícola, cuja Autoridade de Aplicação é o Serviço Nacional de Qualidade e Sanidade Vegetal e de Sementes (Senave).
A falta desta proteção é observada próximo de instituições educativas, casas rurais e estradas estaduais.
A norma diz que, em casos de cultivos limítrofes a caminhos vicinais povoados, objetos de aplicação de produtos fitossanitários, deverão existir barreiras vivas de proteção, com uma largura mínima de cinco metros e uma altura mínima de dois metros.
No caso de não existir essa proteção, deverá haver uma faixa de proteção de cinquenta metros de distância para a aplicação de praguicidas.
Também exige uma zona de proteção de cem metros entre a área de tratamento com produtos fitossanitários de qualquer classificação toxicológica e todo curso natural de água.
Do Paraguai à China
O Paraguai não tem relação diplomática com a China porque é um dos 17 países que reconhece Taiwan, zona que o governo chinês considera como uma província rebelde. Entretanto, através das nações vizinhas, grande parte de sua produção de soja entra na China.
De maneira direta envia produtos, como edulcorante natural e peles de bovino, que do total de exportações só representam 0,31%, de acordo com dados do Banco Central do Paraguai (BCP). A principal dificuldade para a remessa direta de soja seria a falta de registro fitossanitário.
O embaixador do Uruguai no Paraguai, Federico Perazza, confirmou que seu país é um dos canais para que a soja paraguaia chegue até a China. Afirmou que as principais cidades utilizadas são Nueva Palmira e Montevidéu.
Outra rota é a Argentina. O país vizinho passou a ocupar o primeiro lugar no ranking dos destinos de exportação da soja paraguaia, que anteriormente era liderado pela Rússia.
O economista Gustavo Rojas afiançou que a soja exportada do Paraguai à Argentina acaba chegando ao mercado chinês, mas isto implica uma intermediação e o beneficio dessa negociação final com os compradores chineses não fica para o país de origem.
Com a carne paraguaia não é diferente. Segundo Rojas, ela chega à China continental através do Vietnam, Taiwan e Hong Kong.
“É um caso singular, porque somos o país do Mercosul onde um terço do total das nossas importações advém da China, é um nível muito elevado, mas o Paraguai não exporta diretamente ao país asiático”, disse.
Para o BCP, em todo o ano de 2017, o Paraguai vendeu produtos à China no valor de USD 27.599.029, enquanto a importação proveniente do país asiático significou USD 3.450.541.551.
No mês de novembro passado, senadores paraguaios do Pátria Querida (PQ) e do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) apresentaram um projeto para constituir “uma Comissão Parlamentar de Amizade Conjunta com a República Popular da China”.
“Exportamos quase o triplo do que negociamos com Taiwan e queremos aproveitar esse volume, sem romper relações com essa província. A China é um mercado que necessitamos para o desenvolvimento do país e devemos observar isso”, afirma o parlamentar Fidel Zavala, do PQ, que também é pecuarista.
Zavala explicou que existem mitos e verdades sobre agroquímicos, e que se deve apostar na tecnologia para o desenvolvimento agropecuário e intensificar os controles ambientais.
O engenheiro agrônomo e ex-presidente do Senave, Miguel Lovera, esclareceu que, como os chineses não consomem diretamente a soja transgênica, somente a introduzem na cadeia alimentar animal.
“No Paraguai o efeito da abertura do mercado chinês seria fatal para as florestas remanescentes e um incentivo para a expansão da soja na região do Chaco”, adverte.
Mas, enquanto o agronegócio move milhões de dólares no mercado mundial, entre as plantações de soja do Alto Paraná, ainda há quem se esforce para não deixar que a pequena escolinha rural feche suas portas.