Do uso ancestral à industrialização: chamada de Ka’ a he’ê (erva doce) na língua guarani e de Stevia Rebaudiana pelos cientistas, a estévia é uma planta que há séculos faz parte da vida cotidiana do povo indígena guarani Pãi Tavyterã, do Paraguai.
Eles foram uns dos primeiros a aproveitar as propriedades curativas e o poder adoçante da erva. Faz tempo que a comunidade tem a esperança de receber uma indenização pelo uso industrial em nível mundial do que eles consideram seu patrimônio natural.
Você sabia…?
O extrato de estévia é 300 vezes mais doce que k açúcar
Enquanto isso, a exportação da estévia em nível comercial se expande no Paraguai a passos rápidos — e a China é um dos principais destinos. Contudo, a produção ainda não é suficiente para abastecer a crescente demanda externa.
Expansão do cultivo
O crescimento natural da estévia ocorreu sobretudo no departamento de Amambay, norte da região oriental do Paraguai, onde está localizado o povo Pãi Tavyterã. Hoje, a planta cresce apenas em algumas partes da região.
Os Pãi Tavyterã têm uma população de mais de 15.494, segundo o último censo de populações indígenas do Paraguai. Representam 13% do total de grupos indígenas no país e estão distribuídos em várias associações. Uma delas é Pãi Rekove, em Amambay, região que faz fronteira com o Brasil.
Nós deixamos eles entrarem em nossas comunidades e eles tomaram nossas plantas- depois fomos esquecidos
Os representantes dessa comunidade se mostram um tanto fechados. O temor de que sejam novamente enganados os obriga a atuar com cautela, argumentam eles.
“A planta se reproduziu em diferentes variedades em outros países e hoje é utilizada por empresas farmacêuticas e de bebidas. Eles pedem indenização porque a origem [da estévia] é este território”, assegura um comunicado da coordenação da associação Pãi Rekove.
Para Nelson Benítez, docente e supervisor da área educativa do lugar, o povo já foi enganado vezes demais. “Desde que surgiu o interesse pela estévia no mundo todo recebemos uma grande quantidade de visitas de pessoas e organizações que prometeram nos ajudar. Deixamos que entrassem em nossas comunidades e levaram as plantas com eles, mas depois todas as promessas foram esquecidas”.
Os Pãi têm que receber parte do benefício dado aos usuários industriais da estévia, cuja primeira catalogação como planta útil foi feita pelos indígenas, argumenta Luis Lovera, que pesquisou o vínculo entre a planta e os guaranis.
O argumento de Lovera se baseia na Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas e no Protocolo de Nagoya, que trata do acesso a recursos genéticos e da participação equitativa nos benefícios derivados de sua utilização.
“A área endêmica da estévia sempre esteve no território dos Pãi Tavyterã. A reserva genética podia ter se extinguido pela expansão agropecuária da região, se eles não tivessem conservado o escasso território que agora ocupam”, explica Lovera.
O adoçante é utilizado industrialmente em sorvetes à base de laticínios e em iogurtes congelados, chás gelados, temperos e vinagres. É ingrediente de refrigerantes, substitutos de comidas e outras bebidas. Também é usado em cosméticos e produtos odontológicos.
Empresas como a Calbee Foods, Coca-Cola Co, Groupe Danone, Nestlé, PepsiCo e Unilever são algumas das empresas que incluíram a estévia como ingredientes de seus produtos.
Usos e aproveitamento
A estévia funciona para tratar problemas digestivos, menstruais e também como cicatrizante, afirmam os indígenas. Eles consomem a planta em infusões e também como adoçante de bebidas.
“Quando é época de estévia e a trazemos dos locais onde nasce, quase não usamos açúcar”, afirma Juana Recalde, representante das mulheres indígenas da Associação Rekove.
A planta combate a diabetes e a alta pressão arterial, e é cinco vezes melhor como antioxidante do que o chá verde. Além disso, seu talo é bom para todo tipo de alimento balanceado para animais. Ainda pode ser usada como fertilizante e recuperador de solo degradado.
“As folhas de estévia são 30 vezes mais doces que o açúcar, e o extrato é 300 vezes mais. É um adoçante natural não calórico. A estévia é usada para substituir a sacarina, o ciclamato e outros edulcorantes artificiais. Contém vários compostos glucósidos que lhe conferem o sabor doce natural”, explica o Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (Cadep).
A presença da estévia em novos produtos disparou após as recomendações de organizações de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), de reduzir a ingestão de açúcar devido a sua associação com sobrepeso, obesidade, diabetes e cáries.
31%
O crescimento do consumo de estévia global em 2018
No mundo todo, o uso da estévia aumentou mais de 31% em 2018, em comparação com um crescimento de mais de 11% em 2017, segundo a empresa PureCircle, produtora de edulcorante de estévia.
Produção e desafios
A espécie em estado silvestre esteve em perigo de extinção em 2006 segundo uma classificação do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (MADES) do Paraguai. As maiores ameaças são as plantações de soja e milho, além da pecuária, segundo as comunidades.
Para os pequenos produtores, o cultivo da estévia é um desafio. A falta de infraestrutura e a ausência de um acompanhamento estatal são fatores que dificultam o plantio, segundo Marcial Gómez, secretário da Federação Nacional Campesina do Paraguai.
“Para ter meio hectare com a infraestrutura necessária, sistema de irrigação, cobertura de toldo e meia sombra, são necessários 35 milhões de guaranis (5,6 mil dólares). Para um pequeno produtor, isso é muito porque não é fácil obter crédito nem acompanhamento técnico do governo”.
A área de cultivo no país abarca 2,4 mil hectares, segundo a base de dados da colheita mias recente do Ministério de Agricultura e Pecuária (MAG). A capacidade de produção média é de 3,9 mil a 4 mil toneladas de folhas secas por ano.
A demanda internacional supera a produção local. Para satisfazer o mercado mundial, são necessários aproximadamente 12.000 hectares de plantio de estévia no país, segundo a CADEP.
A semeadura de estévia é muito menor se comparada com a cana de açúcar, utilizada sobretudo para produzir açúcar e bebidas alcoólicas. No mesmo período de cultivo que a estévia, a cana registra uma superfície de 110 mil hectares e uma produção de 6 milhões de toneladas.
O cultivo de estévia ocupa sete pessoas de maneira permanente por hectare em cada ciclo completo de produção, segundo o informe da Rede de Investimentos e Exportações –Rediex, organismo dependente do Ministério de Indústria e Comércio do Paraguai.
De olho no exterior
De toda a estévia produzida no Paraguai, 50% são exportados. A outra metade é comercializada localmente, assegura o presidente da Câmara Paraguaia da Estévia, Juan Barboza.
“É necessária uma campanha de conscientização para que os paraguaios consumam mais estévia”, completa.
O maior volume de estévia em folhas era enviado para a China, que também é o principal produtor do mundo, com 18 mil hectares cultivados. Contudo, com a ausência de acordo diplomático entre o país asiático e o sul-americano, as exportações diminuíram em 2018 e estão zeradas até o momento em 2019, segundo os exportadores.
Outros produtores agrícolas no Paraguai enfrentam a mesma dificuldade. Isso se dá pelo fato de o país manter relações comerciais com Taiwán, que atua como nação independente da China Continental. É o único aliado sul-americano da chamada província rebelde.
A estratégia do governo paraguaio deveria ser abrir o comércio com a China
A exportação de estévia do Paraguai para a China começou em 2012, com 288 toneladas. O maior volume de exportação se deu em 2015, com 950 toneladas. No ano passado, último período de comercialização, a remissão foi de apenas 74 mil quilos, de acordo com dados do Banco Central do Paraguai (BCP).
O volume de estévia exportado para a China do Paraguai era muito menor que o de soja. No entanto, quanto o Paraguai começou a aumentar o volume de estévia exportado para os chineses, autoridades se alarmaram, explica Mairano Demaria, representante da PureCircle Paraguai.
Ao instalar-se no Paraguai, a ideia da empresa era produzir a folha de estévia e processá-la na fábrica que tem na China – e então exportar 80% da produção, comenta Demaria.
“O ministro de Relações Exteriores, Luis Castiglioni, deveria negociar. Assim como o Paraguai recebe todo tipo de produtos da China, sem restrições, deveria exigir uma contrapartida do que são as exportações de estévia, o que não seria algo complicado para a balança comercial”, argumenta.
“A estratégia do governo paraguaio é conseguir abrir novamente o comércio com a China”, conclui.