Em outubro passado, o presidente colombiano Gustavo Petro viajou a Beijing e fechou 12 acordos com seu homólogo chinês, Xi Jinping, incluindo um protocolo comercial que abre as portas para as exportações da carne bovina colombiana à China.
De acordo com a Fedegan, principal associação da pecuária da Colômbia, o primeiro contêiner de carne chegará ao mercado chinês no primeiro trimestre deste ano. De acordo com a associação, as exportações podem chegar a mais de cem mil toneladas por ano até 2025 — mais do que o dobro das 45 mil toneladas exportadas em 2022.
A notícia foi celebrada por pecuaristas e seus sindicatos. Porém, foi recebida com preocupação por organizações ambientais, que temem que isso impulsione o desmatamento, considerando que, nas últimas três décadas, a criação de gado foi associada à perda de três milhões de hectares de florestas na Amazônia colombiana.
Acordo Colômbia-China
Há mais de uma década que a Colômbia busca exportar carne bovina para a China. Mario Valencia, diretor de assuntos internacionais do Ministério da Agricultura da Colômbia, disse ao Diálogo Chino que esse processo foi lento devido à necessidade de o país cumprir as exigências sanitárias chinesas, como a de ser um país livre de febre aftosa, doença infecciosa que afeta o gado.
Juan Fernando Roa, coordenador do Instituto Colombiano Agropecuário (ICA), órgão responsável pela segurança sanitária da pecuária, lembra que, em 2018, a Colômbia teve um surto de febre aftosa que fechou as portas da carne bovina a vários países e que levou dois anos para ser superado. “Até 2020, por meio da vacinação, conseguimos recuperar o status sanitário de um país livre da febre aftosa e, a partir daí, retomamos a negociação do protocolo com a China”, explica Roa.
Com o protocolo finalmente assinado, Mario Valencia afirmou que a Colômbia poderia eventualmente chegar a 250 mil toneladas de exportações anuais de carne bovina, o que poderia gerar uma receita de “cerca de um bilhão de dólares”.
No entanto, há dúvidas sobre a capacidade da Colômbia de quintuplicar suas exportações de carne bovina sem desmatamento e impactos sobre sua biodiversidade.
Preocupações ambientais
Cesar Molinares é um jornalista que destacou as atividades opacas da pecuária na Colômbia e suas ligações com o desmatamento. Ele disse ao Diálogo Chino que os mecanismos de controle da origem do gado na Colômbia são frágeis e que a rastreabilidade da pecuária colombiana é um empecilho.
Ele afirma ainda que o envolvimento de intermediários na cadeia de produção do gado dificulta a identificação de sua origem: os animais passam por várias mãos antes de chegarem a centros de coleta certificados em áreas permitidas, o que significa que esses atores podem comprar e vender gado criado ilegalmente em áreas protegidas, como na floresta amazônica. Com tantos elos nessa cadeia, a origem do animal é facilmente perdida — um problema que também afeta a pecuária brasileira.
Molinares destaca que, entre 2014 e 2021, mais de 110 mil cabeças de gado foram criadas em áreas próximas a parques nacionais e regionais na Amazônia colombiana, prejudicando a ecologia da floresta tropical mais importante do planeta.
Ele acrescenta que muitas empresas não têm certificação ou selos verdes confiáveis para garantir que seu gado não seja proveniente de áreas protegidas, como da floresta amazônica ou de parques nacionais. Atualmente, o governo está implementando o Selo Ambiental Colombiano (SAC), que estabelece critérios para a criação sustentável de gado.
Essa certificação representa uma distinção à pecuária sustentável na Colômbia. Válida por três anos, ela é concedida por organismos de certificação endossados pelo Organismo Nacional de Acreditação da Colômbia e pela Autoridade Nacional de Licenciamento Ambiental. Nesse período, há acompanhamentos regulares para avaliar a conformidade e incentivar a adoção de práticas recomendadas.
No entanto, há preocupações com a verificação da selagem do produto. “Perguntamos a supermercados: se vocês estão dizendo que esse selo é verde, deixe-nos ver de onde vem o seu gado”, disse Molinares. Eles responderam que essa era uma “informação reservada”.
O que dizem os fazendeiros?
A Fedegan reconhece haver problemas com a rastreabilidade do gado exportado da Colômbia, mas diz estar trabalhando para resolvê-los e buscar alternativas.
“Conseguimos melhorar o sistema de rastreabilidade com a implementação do SAC”, disse José Felix Lafaurie, presidente da Fedegan. “Esperamos que, nos próximos meses, o país possa ter total certeza sobre a origem da carne”.
Ele continua: “É um selo de qualidade que tentaremos impor a mercados com preços premium… A única coisa que pode garantir a origem da carne a um consumidor individual ou a um país é um monitoramento de rastreabilidade suficientemente rigoroso”.
A Minerva Foods é uma das principais empresas de carne bovina da América Latina, com sede no Brasil e produzindo em Paraguai, Argentina, Uruguai e Colômbia. Suas exportações chegam a mais de cem países, mas a empresa diz estar ciente dos grandes desafios em garantir a sustentabilidade de sua vasta cadeia. Ela destaca seu objetivo de alcançar a neutralidade de carbono até 2035.
A única coisa que pode garantir a origem da carne a um consumidor individual ou a um país é um monitoramento de rastreabilidade suficientemente rigorosoJosé Felix Lafaurie, presidente da Fedegan
Em sua resposta ao Diálogo Chino, a Minerva disse ainda: “Como parte dessas metas, nos comprometemos a monitorar 100% dos nossos fornecedores diretos em todos os países onde operamos na América do Sul. No caso da Colômbia, alcançamos o monitoramento total dos fornecedores diretos até julho de 2023”. O grande problema, no entanto, continua sendo com os fornecedores indiretos, ou seja, os intermediários da cadeia.
Resposta oficial
Roa, do ICA, também reconhece haver lacunas na rastreabilidade, mas diz que o instituto está trabalhando em medidas para monitorar o gado em áreas protegidas e para melhorar a integração dos sistemas de informação: “Dessa forma, poderemos integrar não apenas os elementos ambientais, mas principalmente os sanitários, que são a base desse modelo de rastreabilidade. Esses aspectos serão incorporados nos próximos meses”.
Valencia, do Ministério da Agricultura, diz que o governo busca uma transição para a pecuária sustentável e que está comprometido com acordos internacionais para preservar o meio ambiente: “Ninguém acha que seremos bem-sucedidos no comércio internacional e em nossas relações internacionais se mantivermos práticas poluentes ou que contribuam para o desmatamento ao longo do tempo”.
Apesar disso, o acordo comercial com a China não contempla mudanças significativas nos mecanismos de rastreabilidade do gado colombiano, mas se concentra principalmente em exigências sanitárias, disse Valencia. O mesmo também vale para o caso brasileiro.
Proibição ou alternativas
Ambientalistas da Colômbia estão divididos entre fazer campanha para limitar a pecuária extensiva ou incentivar alternativas mais sustentáveis à produção.
O professor Gabriel Tobón, da faculdade de estudos ambientais da Universidade Javeriana, em Bogotá, disse que a pecuária na Amazônia colombiana não é sustentável e que são necessárias estratégias de restauração da terra, em vez de expansão da atividade.
“O limite máximo de terra que deveríamos usar em sistemas de pecuária é de 19 milhões de hectares, e estamos usando aproximadamente 40 milhões de hectares”, explicou.
Tobón lembra que o próprio Ministério do Meio Ambiente do país reconheceu que a criação de gado está diretamente ligada ao desmatamento. Expressando preocupação com o novo acordo de exportação com a China, ele disse que uma estratégia eficaz para controlar o desmatamento envolveria limitar a expansão da pecuária na região.
“Os solos amazônicos não são adequados para sistemas de pecuária, sua principal vocação é a conservação”, disse Tobón, acrescentando que “a expansão da pecuária na Amazônia muitas vezes leva à apropriação de terras por grupos econômicos poderosos”.
Para enfrentar esse desafio, o professor propõe duas estratégias fundamentais: a participação das comunidades locais, em especial de líderes indígenas, e a regulamentação por entidades como o ICA.
Os solos amazônicos não são adequados para sistemas de pecuária, sua principal vocação é a conservaçãoGabriel Tobón, da faculdade de estudos ambientais da Universidade Javeriana em Bogotá
O professor Carlos Barreto, diretor do programa de ciências naturais da Universidade de Sábana, do município colombiano de Chía, explicou que a transformação de áreas florestais em pastagens promove o uso excessivo de fertilizantes e pesticidas, o que contamina os corpos hídricos do entorno e afeta negativamente a biodiversidade. Isso também afeta as comunidades rurais que dependem de sua diversidade e fertilidade.
No entanto, ele acredita haver alternativas sustentáveis que permitam que a pecuária coexista com a conservação. Uma prática ancestral é a rotação de pastagem, em que a área é dividida em seções menores para que o gado se desloque entre elas, permitindo que o capim se recupere, o que reduz a erosão do solo.