A Argentina prorrogou as restrições às exportações de carne bovina até o final de outubro, numa tentativa de domar o aumento dos preços, deixando alguns compradores internacionais à procura de produtos em outros lugares.
O Brasil, que também luta contra os altos preços dos alimentos, suspendeu as vendas ao exterior após a identificação de dois casos do “mal da vaca louca”, em um movimento que especialistas esperam que seja de curta duração.
1,72 milhão
É o valor em toneladas que Brasil, Argentina e Uruguai exportaram de carne bovina para a China entre 2016 e 2020, tornando-se os principais fornecedores da América do Sul
Em maio, o governo argentino impôs uma proibição a curto prazo à exportação de alguns cortes de carne bovina, alimentando tensões entre produtores nacionais, que têm aproveitado o boom nas vendas nos últimos anos. Recentemente, introduziu um novo limite de 50% nos embarques, em comparação com os do ano passado, que estará em vigor até o final do próximo mês.
“Essa medida adotada pelo governo argentino aumenta o conflito no setor, e os resultados de longo prazo já podem ser antecipados, se a medida continuar”, disse Inés del Valle Asis, professora de economia da Universidade Nacional de Córdoba, que acredita que qualquer estabilização de preços a curto prazo dificilmente dure.
O aumento do preço da carne bovina para os consumidores argentinos atingiu 65% em abril em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). No Brasil, que suspendeu as vendas para seu principal comprador, a China, no início de setembro, devido a casos “atípicos” do mal da vaca louca, o aumento em julho foi de 43% em comparação a julho de 2020.
A inflação tem sido um problema para a Argentina há muito tempo e, segundo o INDEC, o ano de 2021 deve fechar com a taxa anual em torno de 50%. O valor da moeda argentina, o peso, também diminuiu em relação ao dólar em meio a uma prolongada crise econômica, tornando os produtos do país sul-americano mais baratos para os consumidores internacionais.
As exportações de carne bovina da Argentina para a Ásia cresceram rapidamente nos últimos anos, superando mesmo a desaceleração do comércio global durante a pandemia. Brasil, Argentina e Uruguai, os três principais fornecedores de carne bovina da América do Sul, aumentaram suas exportações agregadas para a China três vezes entre 2016 e 2020, de 564 mil toneladas para 1,72 milhão de toneladas.
As compras de carne bovina sul-americana da China cresceram um terço durante o primeiro ano da pandemia, enquanto buscava soluções para o déficit de proteína animal causado pelo surto de febre suína africana, que dizimou as populações de suínos, segundo Rebecca Ray, pesquisadora sênior do Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston.
Uma contínua disputa diplomática com a Austrália — outro dos principais fornecedores de carne bovina da China — contribuiu para o aumento das compras da América do Sul, e as desvalorizações da moeda no Brasil e na Argentina só aumentaram o apelo, segundo André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Uruguai capitaliza conflitos da carne argentina
Em protesto contra a proibição das exportações do governo, os produtores argentinos de carne bovina suspenderam as vendas internas por nove dias em maio. Enquanto os compradores internacionais procuravam garantir o abastecimento, o Uruguai, cujas exportações de carne bovina devem crescer 13% este ano, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), intensificou seus esforços.
O Uruguai tem uma reputação internacional como fornecedor de baixo risco de carne bovina de alta qualidade. Segundo Valle Asis, o crescimento do setor no Uruguai se deve à sua política comercial externa responsável no que diz respeito à carne bovina, que envolve a melhoria das raças e rebanhos e a especialização de sua indústria para o mercado interno e internacional, que exigem padrões de cortes e qualidade.
É essencial que a rastreabilidade seja implementada ao longo de toda a cadeia de produção
A carne bovina de qualidade do Uruguai tem atraído atenção especial da China. Os dois países planejam realizar pesquisas conjuntas sobre criação de gado e variedades de pasto, assim como criar um parque industrial para melhorar a integração comercial com um parceiro considerado um fornecedor confiável e responsável.
46,23%
É o quanto caiu o preço da carne suína na China na segunda semana de junho, em comparação com o final de 2020
A China começou a sinalizar aos mercados internacionais que a carne bovina deve cumprir certos critérios de sustentabilidade, segundo Daniela Teston, que coordena a Colaboração para Florestas e Agricultura da WWF. Em 2017, a associação nacional da carne divulgou um conjunto de diretrizes para o setor com base no Accountability Framework, um padrão internacional para promover cadeias de fornecimento éticas.
“É essencial que a rastreabilidade seja implementada ao longo de toda a cadeia de produção e que os frigoríficos, retalhistas e empresas internacionais assumam compromissos públicos”, disse Teston.
Perspectiva do mercado chinês
A longo prazo, espera-se que o crescimento da procura de carne bovina na China se estabilize. De acordo com a China Food Association, a taxa média de crescimento anual das importações de carne deve permanecer em 4,1%. As projeções da procura, no entanto, dependem da recuperação sustentada da indústria de carne de porco da China.
A expectativa de um rápido regresso à normalidade para o setor suíno chinês sofreu um revés nos primeiros meses deste ano, uma vez que foram identificados dez novos surtos de peste suína africana.
Apesar disso, com um melhor controle da doença e a perspectiva de vacinas para o rebanho da China, o mercado está começando a melhorar sua situação. Segundo o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China, o valor da carne suína caiu 46,23% na segunda semana de junho, em comparação com o final de 2020, o que indica que a produção nacional está recuperando força.