Em 2016, pesquisadores mostraram a relação genética entre o milho e o teosinto — seu ancestral cultivado pelos antigos povos mesoamericanos. A análise do Centro de GeoGenética em Copenhague envolveu um sequenciamento genômico de uma espiga de milho de 5.310 anos, escavada do Vale de Tehuacán, no México. A evolução do cereal ao longo de milênios é frequentemente usada para explicar as origens da biotecnologia — a tecnologia de modificação genética que, em sua fase moderna, teve início nos anos 1970, e hoje impulsiona a produtividade de atividades como a agricultura.
A introdução de culturas transgênicas — ou culturas geneticamente modificadas (GM), como são popularmente conhecidas — é talvez a aplicação mais famosa de tal abordagem. O cultivo transgênico avançou rapidamente nos anos 1990, mas sempre esteve permeado de controvérsia. Ambientalistas geralmente resistem a ele.
As aplicações da biotecnologia abrangem a medicina, indústria, o meio ambiente e além. Na atividade agrícola, ela manipula “características de uma planta, desde as comerciais e de resistência a um herbicida até o aumento de seu rendimento”, segundo Pablo Armas, pesquisador em biotecnologia da Universidade Nacional de Rosário.
1996
Foi o ano em que a Argentina autorizou sua primeira cultura transgênica de soja para uso comercial. Desde então, a área plantada da oleaginosa quase triplicou.
A Argentina, um dos principais produtores mundiais de grãos, óleos e seus subprodutos, investe intensamente em cultivos geneticamente modificados. Em 2019, o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas a colocou em terceiro lugar no mundo em área plantada com cultivos biotecnológicos.
As duas culturas GM mais difundidas na Argentina são a soja e o milho. “As características incorporadas são a tolerância a herbicidas, resistência a insetos ou ambas”, segundo um documento publicado pelo Ministério da Agricultura do país. O órgão destaca ainda que esses produtos são exportados para União Europeia, China, Índia, Oriente Médio, América Latina, entre outros.
A Argentina autorizou sua primeira cultura transgênica para uso comercial em fevereiro de 1996 — tratou-se de um cultivo de soja resistente ao agrotóxico glifosato. Na época, seis milhões de hectares foram plantados com a oleaginosa. Vinte e cinco anos depois, essa área quase triplicou, para uma média anual de 16 milhões de hectares. Um crescimento igualmente notável foi observado com o milho. Seus 9,7 milhões de hectares de área plantada em 2020 representam o dobro da área de 2010.
A biotecnologia é disruptiva?
Uma forte seca atingiu no ano passado as economias da América do Sul, com consequências desastrosas para a agricultura. Uma possível solução para tais perdas — que estão ocorrendo mais frequentemente devido ao impacto das mudanças climáticas — pode estar próximo graças a uma importante descoberta da biotecnologia argentina: a HB4.
A HB4 foi elaborada pela bioquímica Raquel Chan, integrante do Sistema Científico Estatal e cuja criação ganhou reconhecimento do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. Essa tecnologia isola um gene do girassol que é enxertado na soja, milho ou trigo, aumentando sua tolerância a secas e mantendo — ou até aumentando — sua produtividade.
“As técnicas biotecnológicas permitem tais inovações, o que seria impossível de alcançar com métodos tradicionais”, explicou Claudio Dunan, diretor de estratégia da Bioceres, empresa que patenteou a tecnologia. “Conseguimos cultivos tolerantes ao estresse hídrico, uma condição que é recorrente e crescente devido à volatilidade das chuvas”.
Com a aprovação regulatória em andamento, a ampla utilização da HB4 seria um marco para a Argentina. Essa é uma inovação nacional e o resultado de uma parceria entre um laboratório público e a empresa privada Bioceres. Até agora, a maioria das tecnologias GM foi importada, e portanto a mudança seria inédita, segundo Marina Baima, secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação da província de Santa Fé.
Baima acredita que a Argentina e especialmente Santa Fé, cujos portos fluviais processam 40% do valor das exportações nacionais, podem se tornar líderes globais em biotecnologia.
“Com 200 empresas, estamos em 16º lugar no ranking dos países com mais empresas no setor. Isto, para um país emergente, mostra que temos condições de desenvolver tecnologias em escala global”, disse Baima.
Ela lembra que, segundo a OCDE, a Argentina aparece em quinto lugar na proporção de patentes de biotecnologia em relação às demais patentes.
Biotecnologia e agrotóxicos
No entanto, nem todos celebram a evolução da biotecnologia. A futura regulamentação da HB4 trouxe à tona um debate sobre as consequências de sua implementação.
A crítica vai na mesma linha da dos demais 66 GMs hoje aprovados na Argentina. Organizações ambientais argumentam que tais inovações têm efeitos nocivos à saúde — uma consequência do uso crescente de fitossanitários químicos — assim como efeitos potencialmente adversos sobre outras plantas.
“Desde 1996, o uso de pesticidas cresceu 1.500%”, disse Marcos Filardi, membro da Rede de Advogados pela Soberania Alimentar. “Esse impacto é visto principalmente em vilarejos rurais onde houve aumento das doenças neurodegenerativas, distúrbios de fertilidade e doenças respiratórias”.
As críticas têm sido ecoadas em pesquisa, receberam a atenção da imprensa e inspiraram até mesmo obras de ficção. No entanto, a prevalência de tais problemas ainda é baixa, de acordo com outros estudos. A falta de financiamento para tal investigação impede que se chegue a uma conclusão definitiva, mas há evidências de que a falta de controle estatal leva as tecnologias a serem usadas de forma irresponsável.
“O mau uso da biotecnologia é o que lhe deu sua má reputação”, disse Pablo Armas.
Segundo Armas, a biotecnologia tem provocado maior resistência das ervas daninhas, o que tem forçado o aumento da quantidade de produtos fitossanitários.
A indústria trabalha para resolver o problema. Bioheuris é outra empresa argentina que ganhou prêmios internacionais, em seu caso por desenvolver uma tecnologia que reduz o impacto ambiental dos herbicidas. “Se você aplicar o mesmo produto, a resistência aparecerá em algum momento. Portanto, o que fazemos é otimizar os genes das plantas para usar herbicidas mais seguros”, disse Carlos Pérez, um de seus fundadores.
Os produtos que Pérez e sua equipe desenvolveram estarão disponíveis dentro de quatro a cinco anos. O longo processo desde a pesquisa ao mercado explica, em parte, porque poucas organizações conseguem financiar tais desenvolvimentos. Ambientalistas também criticam o processo, e órgãos de vigilância oficiais fizeram eco às suas reclamações.
“Nossa posição é que todo o desenvolvimento foi concebido a partir de uma lógica empresarial, que ignora as várias realidades dos produtores e do meio ambiente”, disse Agustín Suárez, membro da União de Trabalhadores da Terra, que, como alguns municípios argentinos, promove a agroecologia e utiliza alternativas biológicas aos agrotóxicos.
A organização produz em cerca de mil hectares, uma área pequena na comparação nacional, mas, segundo Suárez, uma demonstração de uma alternativa viável.