Justiça

Peru está em cima do muro com Acordo de Escazú

Falta coordenação para prevenir e punir morte de ativistas ambientais no país que ainda não ratificou o mecanismo regional
<p>Demetrio Pacheco caminha pela concessão florestal em Madre de Dios, Peru, onde seu filho foi assassinado depois de enfrentar quase uma década de ameaças. O Acordo de Escazú poderia aumentar a proteção de ativistas ambientais no Peru, mas o governo ainda não ratificou o mecanismo (Imagem: Jack Lo)</p>

Demetrio Pacheco caminha pela concessão florestal em Madre de Dios, Peru, onde seu filho foi assassinado depois de enfrentar quase uma década de ameaças. O Acordo de Escazú poderia aumentar a proteção de ativistas ambientais no Peru, mas o governo ainda não ratificou o mecanismo (Imagem: Jack Lo)

Proteger as florestas no Peru se transformou em uma tarefa arriscada. As tentativas de contornar a situação, encabeçadas por diversos governos, ainda não tiveram resultados concretos, segundo ambientalistas peruanos.

“Você acha que um papel vai conseguir parar uma bala?”, indaga Victor Zambrano, líder ambiental e presidente do comitê de gestão da Reserva Nacional Tambopata, localizada na floresta de Madre Dios, no sul do Peru. “Os assassinatos ficam impunes. E estamos todos sujeitos a ameaças”.

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É o número de ativistas ambientais assassinatos no Peru desde o início da pandemia de Covid-19.

Zambrano lamenta o assassinato mais recente em Madre de Dios. Em 20 de março, Juan Julio Fernández Hanco foi baleado duas vezes em casa, perto da zona de impacto da reserva de Tambopata. Zambrano recorda que Juan e sua família vinham recebendo ameaças desde 2011 por se oporem ao desmatamento resultante da mineração ilegal.

A morte de Fernández se soma a uma triste sequência de assassinatos de ativistas ambientais do Peru que, desde o início da pandemia de Covid-19, chegou a 17. Todos foram mortos por protegerem seus territórios do avanço de atividades, como o tráfico de drogas, a extração ilgeal de madeira e a mineração ilegal.

Ativistas do Peru desprotegidos

“Ainda não foram apontados os culpados para nenhuma das 17 mortes de ativistas ambientais da pandemia. Não há condições para garantir os direitos de ativistas ambientais no Peru”, diz Katherine Sanchez, advogada do programa de biodiversidade e povos indígenas da ONG peruana Sociedade Peruana de Direito Ambiental.

De acordo com o relatório Última linha de defesa, publicação anual da ONG Global Witness, 2020 foi o pior ano para ativistas do meio ambiente e da terra no mundo. Houve um recorde de 227 mortes registradas. A América Latina ainda é a região com mais mortes, e o Peru não é exceção: seis ativistas foram mortos, e dezenas de comunidades, afetadas naquele ano.

O governo do Peru emitiu, em 2021, um decreto governamental para a criação do Mecanismo Intersetorial para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos. Esse recurso reúne o trabalho de oito ministérios e é dirigido pelo Ministério da Justiça e Direitos Humanos do país, mas falha ao não articular outras pastas ou governos regionais que deveriam estar envolvidos no trabalho de proteção.

Você acha que um papel vai conseguir parar uma bala?

“O mecanismo visa eliminar riscos, mas a grande tarefa pendente é entender o que está acontecendo por trás [das ações do governo] para gerar mais mudanças estruturais nas políticas públicas”, diz Katherine Sanchez.

Como parte desse instrumento, também foi aprovado um cadastro de situações de risco para ativistas, identificando as áreas mais perigosas e os tipos de ataques mais comuns. No entanto, os dados ainda não foram divulgados.

Também falta clareza quanto ao potencial impacto de outras ações governamentais. Em janeiro deste ano, foi promulgada a Lei 31.388 que prorroga, até 2024, o prazo para a formalização de pequenos mineradores. A lei, aprovada pelo Congresso e pelo presidente Pedro Castillo, pode enfraquecer a luta contra a mineração ilegal, avaliam organizações ambientais e civis.

A formalização ajudaria a pôr fim à informalidade que atrai as máfias que controlam áreas de florestas. Mas para que isso aconteça, deve haver vontade política.

“Vários esforços podem ser feitos para proteger ativistas de direitos humanos, mas eles serão de pouca ou nenhuma utilidade se o Estado peruano não coordenar a erradicação das atividades ilegais”, diz Lissette Vásquez, deputada pelo Meio Ambiente, Serviços Públicos e Povos Indígenas da Defensoria do Povo, entidade autônoma destinada a proteger os direitos dos cidadãos e monitorar os serviços públicos.

Indiferença ou lentidão do Peru?

A prorrogação do prazo para a formalização da mineração desencadeou uma série de preocupações sobre a dificuldade de supervisionar adequadamente as atividades minerárias e de processar crimes relacionados.

A Associação Regional dos Povos Indígenas da Selva Central e a Organização Regional Aidesep Ucayali manifestaram-se contra “a onda de violência vivida pelas comunidades originárias em razão do avanço de atividades ilegais, impulsionada por projetos de infraestrutura infundados e pela corrupção do Estado”.

O ativista ambiental Demetrio Pachecho faz coro à manifestação. Ele culpa o governo peruano por não ter evitado, na pandemia, o assassinato de seu filho Roberto Carlos Pachecho, que também era ativista, a despeito de denúncias registradas desde 2012.

Um homem ao lado de uma árvore cortada
Demetrio Pacheco trabalha na concessão florestal que sua família administra há mais de três décadas. Mesmo antes do assassinato de seu filho, ele lamentava a lentidão do governo em proteger ativistas ambientais (Imagem: Jack Lo)

Seu filho foi morto enquanto caminhava por seu terreno de concessão florestal em Madre de Dios, uma área de 842 hectares que a família administra há mais de três décadas.

“Sabemos quem são [os responsáveis], temos provas em que eles mesmos assumem o crime, mas foram detidos por apenas alguns dias”, diz Pachecho, que também coordena a Associação dos Produtores Agrícolas de San Juan e o comitê de gestão da Reserva Nacional de Tambopata. “Eles cumprem com as ameaças que fazem. Eles nos identificam como os denunciantes, e o que eles fazem é denunciar a gente como se fôssemos criminosos”.

Foi somente após a morte de Roberto Carlos que o Ministério Público deu a Pachecho a proteção que ele solicitou pelas contínuas ameaças. No entanto, a segurança policial durou apenas algumas semanas. Na ausência de políticas públicas claras, o ciclo de ameaças e riscos se repete. Recentemente, o Ministério Público aprovou um protocolo interno para a prevenção de crimes contra ativistas de direitos humanos.

“Esse protocolo inclui obrigações específicas para os promotores, que atenderão os casos em que houver suspeita de que a pessoa era ativista e foi atacada como resultado dessa atividade”, comenta a advogada Katherine Sanchez. “Ele também menciona outro elemento que não existe em nenhum outro instrumento nacional: as reparações para a defesa dos direitos”.

Mas já é tarde demais para Pachecho. Ele se sente sozinho na luta por justiça para seu filho. Enquanto isso, as reivindicações de ativistas permanecem sem solução, as mortes se acumulam, e as iniciativas do governo continuam ineficazes.

E Escazú, no Peru?

O Acordo de Escazú, ratificado por 12 países latino-americanos, foi saudado como um instrumento histórico para a proteção de ativistas ambientais na região. Mas apesar dos pareceres favoráveis de várias pastas do governo, incluindo a Ouvidoria, o Ministério Público, o Judiciário e dez ministérios, o acordo não chegou ao plenário do Congresso em outubro de 2020. A proposta foi arquivada pelo Comitê de Relações Exteriores do país, e o relatório que resumia as discussões técnicas em torno de sua aprovação foi engavetado.

Colinas dos Andes na Colômbia
Saiba mais: Histórico Acordo de Escazú entra em vigor

Após o derramamento de mais de dez mil barris de petróleo pela empresa espanhola Repsol, foi feito um pedido pelo parlamentar e ministro do Comércio Exterior e Turismo, Roberto Sanchez, para levantar a possibilidade de um segundo debate sobre o Escazú no Congresso. Mas, novamente, a inclusão do tema na ordem do dia foi rejeitada.

O grupo parlamentar que deveria debater o assunto é atualmente presidido pelo deputado Ernesto Bustamante, do partido populista de direita Fuerza Popular. Ele se opôs ao acordo porque considera que ele vai contra a “soberania nacional”.

Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o Acordo de Escazú é inédito ao incluir ações vinculantes para a proteção e promoção daqueles que defendem os direitos humanos em matéria ambiental. O Peru assinou o acordo em 2018, mas o Congresso ainda não o ratificou.

“Poderíamos ter um tratado de direitos humanos com um peso constitucional capaz de orientar todos os níveis de governo”, disse Sanchez, acrescentando que seria possível fortalecer, com a ratificação do acordo, “a [proteção] já disponível e esclarecer as obrigações de proteção”.

Em meio a um governo que luta por sua própria sobrevivência e imerso em vários escândalos, ainda há uma oportunidade de debate. Em sua primeira mensagem à nação, o presidente Castillo se comprometeu a cumprir as responsabilidades de proteger a Amazônia, apesar de haver pouca informação a respeito.

“Houve vários meses de silêncio. O assunto não foi colocado na agenda e foi apresentado novamente no Comitê de Relações Exteriores do Congresso, mas não houve discussão”, comenta Lissette Vásquez.

A primeira conferência do Acordo de Escazú começa no Chile, mas Demetrio Pacheco está ansioso com outra reunião visando à busca de justiça e consolo: a audiência para o julgamento do assassinato de seu filho.