Apesar de haver referendado um plano estratégico para os próximos cinco anos, a visita do presidente da China, Xi Jinping, à Argentina terminou sem que definições estratégicas para a relação entre ambos os países progredissem. Diversos projetos ficaram sem definição clara.
Xi foi à Argentina participar da conferência de líderes do G20, mas também em visita de Estado, razão pela qual se reuniu com o presidente Mauricio Macri e assinou um Plano de Ação Conjunta 2019-2023 entre as duas nações.
Mas o novo plano e um conjunto de novos acordos não foram acompanhados de uma definição sobre a relutante adesão da Argentina à iniciativa do governo chinês do Cinturão e a Rota, além de projetos de infraestrutura e energéticos, como uma nova central nuclear.
A falta de definições se dá no momento de melhor relacionamento da Argentina com sócios comerciais antes preteridos, como a União Europeia e os Estados Unidos. Em uma reunião da cúpula, americanos questionaram a “depredadora” economia da China na América Latina.
“Há uma mudança de perspectiva na Argentina, com uma relação muito mais próxima dos Estados Unidos e da Europa. Trump percebeu que precisa aproximar-se mais da região e pede aos países para conter o avanço da China”, afirmou Sergio Cesarin, coordenador do Centro de Estudos Asia do Pacífico e India, da Universidade Três de Fevereiro (UNTREF).
Novos acordos
A reunião entre Xi e Macri resultou na assinatura de 30 acordos e um novo padrão de relacionamento para os próximos cinco anos, fortalecendo a exportação de produtos do setor agropecuário da Argentina, como cerejas, mel e carne ovina e caprina.
Do outro lado, a China concederá 1 bilhão de dólares em financiamentos a empresas de pequeno e médio porte na Argentina, aumentará os recursos destinados a renovar a linha de trens cargueiros San Martín e estimulará o turismo por meio de uma nova rota área entre os dois países.
“Nos momentos em que é difícil conseguir investimentos para projetos, a China nos apoia e coopera conosco. A visita vai ajudar a aumentar o comércio e nos aproxima mais ainda da China, nosso segundo sócio comercial”, ressaltou Ernesto Fernández Taboada, diretor executivo da Câmara Argentina-China.
A Argentina estabeleceu com a China uma aliança estratégica integral, um tipo de vínculo que mantém com poucos países. A relação entre ambos vem se aprofundando desde o governo da ex-presidente Cristina Kirchner, que firmou com os chineses mais de 20 convênios.
Na última década, os produtos chineses passaram a representar 20% das importações argentinas. Ao mesmo tempo, as exportações da Argentina para a China não seguiram esse mesmo crescimento, mantendo-se entre 8% e 10% das exportações totais.
Isso levou a um déficit recorde de mais de 5 bilhões de dólares na balança comercial. A diferença ficou ainda mais pronunciada desde a posse de Macri, em 2015, a partir de uma abertura às importações.
Projetos sob vigilância
Apesar da assinatura de novos acordos, a maior expectativa da reunião entre Macri e Xi estava na definição de uma série de projetos pendentes, que estavam sendo revisados pelo presidente argentino a partir do início de seu mandato e sem avançar desde então.
Em 2015, a Argentina pactuou com a China a construção de duas usinas nucleares, um investimento de 14 bilhões de dólares. O plano determinava que uma planta utilizaria a tecnologia CANDU, combinação de água pesada e urânio natural, que a Argentina detém, e urânio enriquecido, usado pela China.
A usina que operaria a tecnologia argentina foi inicialmente cancelada em função dos custos da obra e a segunda, posta em revisão. A expectativa era relançá-las na reunião bilateral, para iniciar sua construção em 2022. Contudo, isso não ocorreu e o projeto segue indefinido.
“A China tem capital para financiar projetos e capacidade excedente para produzir energia nuclear ao nível doméstico. A Argentina já é mais desenvolvida no setor e poderia encontrar sinergias com a China”, declarou Mark Hibbs, especialista do programa de políticas nucleares da Carnegie Endowment.
Mesmo com 85% do projeto sendo financiado pela China, o governo argentino hesitou em aceitar um novo empréstimo internacional em razão da crise econômica que o país está atravessando.
Macri e Xi discutiram a questão, mas não prosseguiram com a potencial adesão da Argentina à proposta do Cinturão e Rota, idealizada pela China desde 2013 para a construção de redes de infraestrutura e comércio internacional.
O Uruguai foi o primeiro país a aderir à iniciativa, grupo ao qual o Chile se associou recentemente. Entretanto, Argentina, Brasil e México, as maiores economias da América Latina, ainda não decidiram sua participação.
“Não participar é uma decisão política para não facilitar a entrada do capital chinês. A Argentina está evitando tomar uma decisão concreta em muitos aspectos com a China”, sustentou Gustavo Girado, diretor da pós-graduação em Estudos na China Contemporânea da Universidade Nacional de Lanús.
O papel do G20
A maior aproximação da Argentina aos novos sócios comerciais refletiu-se nas reuniões, acordos e disputas durante a conferência de líderes do G20 em Buenos Aires.
O país buscou uma proximidade específica com os Estados Unidos, a par da agenda oficial, considerando a relação de amizade de Macri com Donald Trump e a ajuda oferecida para conseguir os recentes empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ainda que não tenha avançado com a usina nuclear chinesa, estabeleceu com os Estados Unidos um acordo de cooperação energética. Os países contribuirão com investimentos conjuntos em energia renovável, petróleo e gás natural, utilizando majoritariamente tecnologia americana.
Macri realizou uma reunião com o presidente Donald Trump, firmando uma ampla gama de acordos. Depois do encontro, os Estados Unidos publicaram um comunicado de imprensa afirmando que os dois presidentes discutiram a “influência depredadora” da China na América Latina.
A China reagiu suspendendo todas suas coletivas de imprensa e reuniões paralelas no primeiro dia do G20, mas não se pronunciou a respeito. Enquanto isso, funcionários argentinos negaram a afirmação. Macri inclusive assegurou que “quanto mais a China se desenvolver, melhor será para a Argentina”.