O ano de 2019 pode ser aquele em que os ônibus elétricos chineses finalmente conseguiram espaço na América Latina, um mercado que seus fabricantes identificaram há algum tempo como prioritário, mas que até agora havia se mostrado reticente com a nova tecnologia.
A maioria dos países da região migrou para energias mais limpas no transporte público e, com isso, reduziu a pegada de carbono de suas metrópoles mais populosas, mas, na prática, os ônibus elétricos — cujo principal fabricante mundial é a China — encontraram várias barreiras para seu estabelecimento.
Como informou o Diálogo Chino, o caso de Bogotá, que renovou seus 1160 ônibus em 2018 e deu as costas aos elétricos chineses, evidenciou alguns desses obstáculos: a ausência de modelos de financiamento nacional para sua aquisição (são mais caros que os de diesel ou gás natural) e também para a construção das estações de recarga, a falta de pessoal capacitado nesta tecnologia e, inclusive, a má impressão que muitos países têm da China.
Isso impediu o país de alcançar seu máximo potencial nessa região do mundo onde mais rapidamente aumentam as emissões de gases de efeito estufa do setor energético.
Segundo escreveram os pesquisadores Carlos Mojica, Lisa Viscidi e Guy Edwards, “se os atuais ônibus e taxis de 22 cidades latino-americanas fossem imediatamente substituídos por veículos elétricos, a região poderia economizar quase 64 bilhões de dólares em combustível até 2030 e evitar a emissão das 300 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente”. Os mesmo pesquisadores também escreveram um exaustivo relatório sobre o estado atual do mercado de veículos elétricos na América Latina.
Esta realidade poderia mudar: quatro grandes cidades, que somam 14 milhões de habitantes, vão lançar frotas de ônibus elétricos chineses durante o primeiro semestre de 2019 e outras quatro iniciarão projetos de implantação.
Santiago (Chile)
Desde dezembro circulam por Santiago 100 ônibus elétricos do fabricante chinês BYD, o que transformou a capital chilena na proprietária da maior frota elétrica da América Latina (e do mundo também, excetuando-se a China).
Estes ônibus, aos quais em breve se somarão outros 100 da marca Yutong, que chegaram ao Chile no decorrer do mês de janeiro, são a principal aposta do Transantiago, o sistema de mobilidade urbana rápida (conhecido em inglês como bus rapid transit ou BRT), por tornar mais verde o transporte público em uma cidade onde a poluição e a qualidade do ar se tornaram temas centrais da agenda pública.
A eles se somarão, este ano, outros 490 ônibus com motores a diesel, mas com padrão Euro VI de tecnologia menos poluente.
Para torná-lo realidade, o Transantiago, que transporta 60% dos santiaguinos, conseguiu romper algumas das barreiras que dificultam os elétricos em outros países. Contou com financiamento do governo de Sebastián Piñera, que apresentou pessoalmente os primeiros ônibus que chegaram em dezembro e que converteu a ‘eletromobilidade’ em um dos eixos de sua Rota Energética 2018-2022 (comprometendo-se a multiplicar por dez o número de veículos elétricos rodando em um prazo de três anos).
Por sua vez, o gigante elétrico italiano Enel trabalha próximo aos gestores do setor de transporte, instalando 100 estações de recarga na cidade.
“Na compra dos ônibus elétricos, influenciou bastante a vontade do Ministério de Transportes e Telecomunicações de contar com esta tecnologia. Diferente de situações anteriores, foi o próprio Ministério que comprou os ônibus através de negociação direta, sem licitação. Somou-se a isto o apoio da Enel, especialmente para fornecer a infraestrutura de recarga, que permitiu tornar o processo muito mais rápido”, explica Franco Basso, diretor do Centro de Inovação em Transporte e Logística da Universidade Diego Portales.
“O caso de Santiago é muito interessante porque há uma aliança entre os gestores privados, os fabricantes e os distribuidores de energia”, disse Darío Hidalgo, pesquisador do Centro Ross para Cidades Sustentáveis no Instituto de Recursos Mundiais (WRI), que acompanhou de perto essa discussão.
Medellín e Cali (Colômbia)
Pouco antes da virada do ano, Medellín anunciou que a empresa chinesa BYD ganhou o contrato para trazer 64 ônibus elétricos ao país.
Em agosto, com a incorporação destes veículos ao sistema Metroplús, a segunda cidade da Colômbia se converterá, também, em proprietária da segunda maior frota elétrica da região, depois de Santiago. A compra, feita exclusivamente com recursos do governo local, foi decidida após uma licitação na qual as outras duas empresas proponentes também ofereciam ônibus de fabricação chinesa (das marcas Yutong e Zhongtong Bus).
Cali segue seu exemplo, tendo anunciado, umas semanas antes, sua meta de introduzir 125 ônibus elétricos no sistema de transporte MIO. O primeiro grupo de 26 veículos, fabricados pela empresa chinesa Sunwin Bus Corporation, vai chegar em maio à terceira cidade colombiana.
Medellín e Cali serão, assim, as primeiras cidades a se aproximar da meta fixada pela Colômbia em seus compromissos do Acordo de Paris de substituir 75% dos ônibus públicos, em sete cidades, por veículos de zero emissão até 2040.
A tecnologia elétrica tem um atrativo adicional para a Colômbia: como noticiamos, 70% da eletricidade provém de hidroelétricas, o país tem una matriz energética muito mais limpa que a maioria dos países e, portanto, os ônibus contribuiriam para um conceito de energia ainda mais verde.
Uma razão explica o porquê de ambas cidades terem se adiantado a Bogotá: na China já existe um mercado sólido para ônibus elétricos comuns, como os que foram comprados para Medellín e Cali, porém, não ainda para os articulados e biarticulados, como exige o sistema da TransMilenio na capital.
Guayaquil (Equador)
O porto de Guayaquil, a cidade mais populosa do Equador, também terá este ano 20 ônibus fabricados pela BYD.
Só que, diferente de Santiago e de Medellín, no porto equatoriano a iniciativa foi liderada por um dos empresários privados do setor de transporte: trata-se de uma pequena empresa, chamada Saucinc, que mantém uma rota e procurou o Governo central para que a ajudasse a substituir sua frota de ônibus a diesel por elétricos.
Como no Chile, obtiveram apoio estatal, mediante um crédito especial da Corporação Financeira Nacional (CFN), que financiou a metade da compra, e uma lei que exonerou os ônibus elétricos de pagar taxas de importação e o imposto de valor agregado (IVA).
Essas negociações beneficiaram também Quito, já que um de seus dirigentes de transporte também esteve na China conversando sobre a possibilidade de comprar entre 20 e 60 ônibus elétricos (que, assim como em Bogotá, teriam que ser biarticulados).
Quatro novos projetos
Além destas três cidades, pelo menos quatro outras urbes da América Latina anunciaram que vão implantar projetos com ônibus elétricos este ano, a maioria deles de fabricação chinesa.
São Paulo (Brasil), que conta com 14 mil ônibus de transporte público, anunciou em outubro que iniciará um projeto com 15 ônibus elétricos. Os veículos da BYD, que tem uma fábrica na cidade vizinha de Campinas, foram entregues há um mês e entram em operação em março.
Buenos Aires (Argentina) acaba de anunciar, na semana passada, que realizará um projeto com oito ônibus a partir de maio. Diferente das outras cidades, serão quatro os fabricantes chineses (Yutong, Zhongtong Bus, Higer Bus e King Long), trabalhando em conjunto com a empresa energética italiana Enel.
São José (Costa Rica) terá três ônibus, graças a uma doação da Alemanha e outra de uma fundação local de desenvolvimento sustentável. O país centro-americano foi um dos pioneiros da região ao aprovar uma lei de incentivos para o transporte elétrico.
Em Montevidéu (Uruguai), o governo federal solicitou um crédito ao Fundo Verde do Clima (GCF) — um dos mecanismos financeiros criados com o Acordo de Paris para facilitar iniciativas que reduzam as emissões de gases — que vai permitir substituir 120 ônibus na capital (equivalente a 10% de sua frota pública).