Clima

Climão na Semana do Clima

Protestos contra representantes do governo brasileiro, hostil a ambientalistas, marcaram evento da ONU em Salvador
<p>Ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles (centro), foi vaiado durante a Semana do Clima da ONU para a América Latina e Caribe na Bahia (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/unfccc/48592925206/in/album-72157710305798881/">UNclimate change</a>)</p>

Ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles (centro), foi vaiado durante a Semana do Clima da ONU para a América Latina e Caribe na Bahia (imagem: UNclimate change)

Vaias. Muitas vaias. Somadas a gritos de “bandido”, “assassino” e “exterminador do futuro”. Os protestos contra o ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, foram a marca da Semana do Clima da ONU para a América Latina e Caribe que começou segunda-feira e termina nesta sexta em Salvador, Bahia.

As semanas regionais do clima são eventos preparatórios que antecedem a reunião do clima da ONU, a COP-25, destinada à implementação do Acordo de Paris, o pacto global de combate às mudanças climáticas.

Salles fora convidado para representar o governo brasileiro, mesmo tendo agido abertamente para que o evento não acontecesse — assim como ocorreu com a COP-25, transferida para o Chile depois da desistência do Brasil. O ministro chegou a dizer à imprensa que o encontro não passava de uma desculpa para “fazer turismo em Salvador”.

Quando os jovens se mobilizam e vaiam o ministro, é porque sabem que essa postura negacionista põe em risco o futuro deles

O desconforto do chamado “não-ministro do Meio Ambiente” foi demonstrado pela duração de seu discurso: três minutos.

Mas ele tentou agradar:

“Tudo que é trazido aqui tem eco nas ações que estamos desenvolvendo”, disse, com a voz abafada pelos gritos da plateia.

Não convenceu. A plateia gritou até o fim e deixou claro que, por mais que as semanas do clima em geral sejam um momento de apresentar e debater políticas públicas de proteção ambiental, o papel de Salles para os ativistas presentes era só um: ouvir.

“[Ele] foi colocado lá para desfazer as políticas de proteção ambiental”, disse Fabiana Alves, coordenadora do Projeto Clima do Greenpeace Brasil. “De algum modo, eles têm que ouvir”.

Impassível, seletivo, paranóico

Salles não aproveitou a oportunidade para responder às críticas. Do palco foi direto para o carro, que deixou o evento em velocidade e com os vidros suspensos.

No dia seguinte, estava marcado para voltar e mediar um painel com outros ministros do meio ambiente dos países participantes do evento. Mandou um representante.

O representante, Roberto Castelo Branco, secretário de relações internacionais da Ministério do Meio Ambiente, fez uma apresentação sobre a diminuição nos números de desmatamento no Brasil — sem nunca apresentar os dados deste ano.

80%


o aumento no número de queimadas na Amazônia nos últimos 6 meses

Os dados recentes são alarmantes. Nos últimos seis meses, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais detectaram um aumento de quase 80% no número de queimadas na Amazônia. A ONG Imazon apontou um aumento provável de 15% no desmatamento nos últimos 12 meses.

Enquanto seu ministro era vaiado em Salvador, Bolsonaro fazia mais uma de suas declarações infundadas. Sem apresentar nenhum indício documental ou de investigação, vinculou a onda de queimadas na Amazônia às organizações não-governamentais (ONGs).

“Pode estar havendo, sim, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil”, declarou o presidente. “Essa é a guerra que nós enfrentamos”.

Imagems das queimadas por sátelite (imagem: NASA)

As palavras repercutiram imediatamente na Semana do Clima. Paulo Addario, estrategista sênior de floresta do Greenpeace, rebateu dizendo que o presidente é “paranóico” e faz esse tipo de declaração para manter a sociedade civil distante das ações do Governo.

“As organizações sociais atuam onde o Estado não tem capacidade de atuar. Criminalizar isso é um desejo deliberado de descrédito porque o presidente não acredita na organização social, ele acha que é uma coisa manipulada pela esquerda, pelos comunistas”, disse. “No fundo, é criminalizar a cidadania”.

Ambientalistas saíram do evento sem maior clareza sobre a política climática do governo brasileiro, que seria um dos objetivos do evento.

“A América Latina sempre foi fragmentada neste assunto, mas este evento serve para o diálogo e para unir os pontos”, disse o peruano Manuel Pulgar-Vidal, líder global de políticas de clima e energia da organização World Wide Fund for Nature.

“Quando os jovens se mobilizam e vaiam o ministro, é porque sabem que essa postura negacionista põe em risco o futuro deles”.

Conscientização contra paralisia do governo

Mais concentrado em combater dados e informações sobre o aumento no desmatamento da Amazônia, o governo brasileiro não anunciou ações importantes de proteção ambiental.

Uma análise do jornal New York Times mostrou que as ações de combate ao desmatamento diminuíram em 20% nos últimos seis meses. Mudanças em conselhos de debate de políticas públicas também significaram uma diminuição do diálogo com organizações da sociedade civil.

Sem a perspectiva de mudança nas políticas ambientais do governo, o plano de muitos ativistas é simplesmente continuar gritando.

“Nós devemos seguir com as divulgações públicas sobre nossas ações e também continuar agindo com manifestações que cobram posicionamento do governo”, disse Suelita Rocker, analista da 350.org, um movimento contra o uso dos combustíveis fósseis.

“Devemos seguir tentando o diálogo com o governo, cobrando políticas públicas de proteção e recuperação, além de reforçar a participação de toda a sociedade dentro destas questões”.

Renato Cunha, coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), tem pouca esperança de impacto. Para ele, as entidades podem até realizar ações pontuais e tentar mobilizar a sociedade, mas será difícil chegar ao equilíbrio ambiental no âmbito das mudanças climáticas com o governo como adversário.

“Se o próprio governo esvazia os órgãos de fiscalização e trabalha para acabar com o licenciamento ambiental”, disse, “ele mesmo está acabando com as ferramentas que poderiam amenizar os efeitos das mudanças climáticas”.