Em 2020, a Argentina se comprometeu a não exceder as emissões para além de 349 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2030 – uma redução de 4,6% nas emissões registradas em 2018, ano mais recente para o qual há dados disponíveis. O novo Plano Nacional de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas é um roteiro para tornar isso realidade.
O plano inclui 250 medidas de políticas públicas a serem implementadas até 2030 e prioriza o gás natural como combustível de transição. Também exige menos emissões do agronegócio e se concentra fortemente na melhoria da gestão da água.
O custo? Mais de US$ 185 bilhões, equivalente a 40% do PIB da Argentina em 2021. O governo já anunciou que vai buscar financiamento internacional para implementá-lo. Esta semana, o presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, visitou o país e indicou sua intenção de ajudar financiar o gasoduto de Vaca Muerta.
“Um dos principais objetivos do plano era fazer das mudanças climáticas uma questão transversal em todas as áreas do governo nacional”, explica Florencia Mitchell, diretora nacional de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente da Argentina. “Ao criar o plano, estamos dando o primeiro passo para alcançar isso”.
O plano propõe ações em áreas que incluem agroecologia, redução de resíduos alimentares, controle de desmatamento, conservação de ecossistemas naturais e melhoria das práticas pecuárias, tais como um melhor aproveitamento de terras para a criação de gado.
No entanto, especialistas alertam que o plano não definiu métricas suficientes para acompanhar seu progresso. “Das 122 medidas de mitigação, apenas 18 têm potencial quantificável de redução de emissões”, diz Belén Alejandra Silva, consultora ambiental argentina. “Há 36 medidas sem metas definidas e outras 56 sem indicadores”.
Gás natural: um ativo desvalorizado?
O setor energético, excluindo o transporte, contribui com 37% das emissões da Argentina. Para reduzi-las, o plano propõe o uso de gás natural como prioridade. “Serão implementadas medidas para gaseificar o consumo energético atualmente abastecido por combustíveis líquidos derivados de petróleo”, afirma o documento.
Vaca Muerta – um dos maiores depósitos de hidrocarbonetos não convencionais do mundo, na província de Neuquén, noroeste da Patagônia – é visto como essencial para aumentar a produção de gás natural no país.
“Dado o nível de pobreza na Argentina, muitas pessoas precisam de energia [mas atualmente não têm acesso a ela]”, diz Diego Roger, pesquisador da Universidade de Quilmes e especialista em energia. “Não é possível aumentar a oferta para os níveis necessários apenas com as energias renováveis, devido a questões de custo, estabilidade da rede e infraestrutura. O gás é uma alternativa relativamente limpa”.
O plano também se refere à expansão das energias renováveis e cita a Lei 27.191, que estabelece que, até o final de 2025, 20% do consumo de eletricidade deve vir de fontes limpas. De acordo com dados oficiais, o setor de renováveis representou 13,5% da demanda energética argentina no terceiro trimestre de 2022. Embora a participação das renováveis tenha aumentado (para 2,5% da demanda em 2018), os investimentos vêm diminuindo desde 2019, como resultado da crise econômica.
Apesar disso, estimativas oficiais indicam que a participação de combustíveis fósseis na geração de eletricidade deve cair de 60% para 30% a 40% em 2030. Isso pode ocorrer pela implementação de projetos hidrelétricos como Aña Cuá, Jorge Cepernic, Néstor Kirchner e Chihuido I, diz o plano.
“Atualmente, 64% da população tem gás e 94% tem eletricidade”, diz Pablo Bertinat, diretor do Observatório de Energia e Sustentabilidade da Universidade Tecnológica Nacional da Argentina. “Portanto, em vez de avançar para a gaseificação massiva, é mais viável melhorar a infraestrutura elétrica do país e assim evitar ativos de gás encalhados daqui a 15 anos”.
Mobilidade: superando o petróleo
O setor de transportes é responsável por 13% das emissões de carbono da Argentina. Há quase 15 milhões de veículos na Argentina, dos quais sete em cada dez funcionam com gasolina, dois com diesel e um com gás natural comprimido (GNC), de acordo com dados da Associação Argentina de Fábricas de Componentes. Os modelos elétricos e híbridos são responsáveis por menos de dez mil unidades.
Está prevista ainda a substituição de 13 mil veículos do governo federal por versões elétricas. Outros 146 mil veículos usados em outras esferas da administração pública também devem ser trocados.
“Toda a medição energética, desde o poço [de petróleo] até a roda do veículo, oferece uma vantagem para veículos elétricos, especialmente os de uso urbano, em relação aos carros tradicionais”, explica Gabriel Correa Perelmuter, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica da Argentina. Correa diz que, à medida que a energia renovável aumentar sua participação no total de eletricidade gerada, os veículos elétricos serão uma opção cada vez mais sustentável em relação aos veículos a combustão.
O plano também visa substituir 22% (8.847 unidades) dos ônibus urbanos por elétricos até 2030 e incorporar mais de sete mil ônibus movidos a GNC na frota urbana. Para longas distâncias, quase quatro mil ônibus a GNC e 2.750 ônibus a GNL (gás natural liquefeito) serão incorporados. Atualmente, o transporte público na Argentina funciona principalmente com diesel e gasolina.
Fernando Canedo, diretor-executivo da Adefa, representante de empresas automotivas, explica que “nesses estágios iniciais, estamos a caminho dos motores híbridos”. Além disso, segundo ele, fabricantes já estão desenvolvendo caminhões de carga com GNC e GNL, que emitem muito menos que a gasolina.
O plano também menciona medidas para fortalecer o sistema ferroviário e melhorar o desempenho energético e ambiental dos navios. As exportações agrícolas da Argentina, incluindo soja, milho, trigo e cevada, viajam em grandes navios de carga.
Uso da terra: controle de perdas florestais
As emissões associadas às mudanças no uso da terra – de florestas a terras cultiváveis e pastagens –, o manejo do gado e a aplicação de fertilizantes representaram 39% das emissões totais da Argentina em 2018. O desmatamento libera o carbono armazenado nos ecossistemas e reduz a capacidade do solo de absorver o carbono da atmosfera.
O mais importante é evitar que os ecossistemas sejam convertidos em terra para a agricultura e a pecuária
De acordo com dados oficiais, a Argentina possui a sexta maior área de terra cultivada no mundo, com 39 milhões de hectares, localizada principalmente nas férteis planícies do Chaco-Pampa. Também está entre os dez países com a maior perda de florestas no período entre 2000 e 2015.
“Hoje, o mais importante é evitar que os ecossistemas naturais continuem sendo convertidos em terra para a agricultura e a pecuária”, alerta Catalina Gonda, coordenadora de política climática da Farn, organização argentina que promove o desenvolvimento sustentável. O capítulo sobre o uso da terra, diz Gonda, é um dos componentes do plano com menos detalhes em linhas de ação, metas e indicadores.
No caso da pecuária, que responde por 16% dasemissões do país, o plano propõe reduzir a intensidade dos gases de efeito estufa (emissões por quilo de carne) aumentando-se a eficiência do sistema de produção.
Também prevê a promoção da pecuária agroecológica, que consiste em sistemas baseados em pastagens perenes com taxas de estocagem moderadas. Mas Gonda alerta que a melhoria da eficiência pode ser acompanhada por um aumento das emissões totais se o número de cabeças de gado continuar a crescer.
Adaptação: gestão da água
Florencia Mitchell, do Ministério do Meio Ambiente da Argentina, diz ser essencial cuidar da gestão dos recursos hídricos, para lidar com novas situações de secas ou inundações. “É aqui que entra a necessidade de obras públicas para melhorar o acesso das populações à água e de sistemas produtivos e de rotação de culturas para aumentar a captação de água do solo”.
O maior item orçamentário do plano, de US$ 68 bilhões, é para a expansão da cobertura de água potável e saneamento. Atualmente, cerca de 80% da população argentina tem acesso à água potável e 56% ao saneamento, com menos acesso nas áreas rurais.
O plano também visa fortalecer os programas de conservação de florestas nativas, o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce de incêndios e ações para a conservação, manejo e restauração de áreas úmidas. Projetos de lei para proteger as áreas úmidas têm sido debatidos no Congresso desde 2013, mas ainda não se chegou a um consenso, apesar dos contínuos incêndios florestais.
Financiamento: ajuda internacional
Os US$ 185 bilhões que o setor público deveria investir para cumprir o plano representa um grande desafio no contexto de crise fiscal argentina. O país tem uma dívida externa de US$ 271 bilhões (56% de seu PIB) e deve reduzir seus gastos públicos como parte do acordo com o Fundo Monetário Internacional.
“Uma das prioridades para 2023 é identificar quanto dinheiro já está sendo investido no combate à crise climática”, diz Mitchell. “Outra é definir uma estratégia internacional de financiamento climático, porque os fundos nacionais não serão suficientes”.