Nas últimas décadas, a América Latina registrou um grande — embora volátil — crescimento econômico, que foi acompanhado por um aumento no consumo e nos investimentos. Mas esse processo não foi suficiente para solucionar os problemas relacionados à pobreza e à altíssima concentração de renda que prevalece em vários países da região.
A América Latina é reconhecida por seu dinamismo econômico — sua capacidade de se adaptar a circunstâncias em constante transformação —, embora essa característica também tenha gerado diversos efeitos negativos. Entre eles, a contaminação do solo e dos recursos hídricos e as emissões de gases de efeito estufa que aceleram as mudanças climáticas.
A deterioração das condições ambientais e climáticas representa um grave obstáculo ao desenvolvimento a longo prazo. Em alguns casos, os impactos das mudanças climáticas parecem até mesmo irreversíveis, afetando mais severamente os países mais pobres e quentes. A crescente degradação ambiental tem efeitos significativos em toda a economia, afetando o bem-estar social e corroendo justamente as bases do dinamismo econômico.
Ao longo das próximas décadas, os países latino-americanos deverão construir um novo estilo de desenvolvimento — não apenas dinâmico, mas também ambientalmente sustentável. A magnitude desses desafios exige uma nova estratégia e vastos recursos para financiar as mudanças estruturais necessárias para enfrentar a crise climática.
Com um modelo atual de desenvolvimento profundamente dependente da queima de combustíveis fósseis, os esforços feitos até aqui para mitigar essas emissões são visivelmente insuficientes. Os atuais padrões de produção e consumo são, portanto, incompatíveis com a construção de uma economia neutra em carbono entre 2050-2070, patamar estipulado pelo Acordo de Paris para tentar manter o aumento da temperatura global entre 1,5 °C e 2 °C até o fim do século.
Os prognósticos mostram que, para encarar os desafios da crise climática na América Latina, será necessário elevar bem mais as taxas médias de descarbonização e melhorar a eficiência energética. As previsões indicam ainda que o atraso no processo de mitigação até 2030 significaria a necessidade de um esforço coletivo muito maior no futuro — tornando essas iniciativas pouco críveis e mais caras.
Espera-se que os impactos físicos das mudanças climáticas levem à piora dos déficits fiscais na América Latina. Isso pode ocorrer devido à necessidade de aumento dos gastos para lidar com as emergências climáticas e à redução das receitas com a queda da atividade econômica. O resultado seria um desequilíbrio econômico dos países latino-americanos e, em alguns casos, um aumento insustentável da dívida pública.
Estimativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento indicam que, nos países da América Latina e do Caribe, os projetos de infraestrutura para apoiar a transição climática envolvem investimentos anuais de cerca de 5% do PIB na região. Esses recursos, que podem representar um impulso para o fraco crescimento econômico pós-pandemia, implicarão o aumento nos gastos públicos, que serão impagáveis sem reformas profundas nos regimes fiscais e sem grandes volumes de financiamento.
A transição climática também significará o fim da produção e do consumo de combustíveis fósseis. Para vários países petrolíferos da região — como Brasil, Equador, Bolívia, México, Guiana, Trinidad e Tobago, entre outros — isso vai representar uma redução significativa na arrecadação estatal.
Gestores precisam preparar as finanças públicas para o aumento dos gastos e a redução das receitas. Será necessário preservar o equilíbrio fiscal e aproveitar melhor os novos instrumentos e iniciativas verdes, sustentáveis e com foco em gênero.
Nesse cenário, a implementação de novas políticas fiscais e a gestão da dívida pública aparecem como um pré-requisito para o sucesso de uma economia neutra em carbono e resiliente ao clima. A boa gestão dos riscos dessa transição climática parece ser uma condição necessária para alcançar as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris e para transformar os atuais padrões de produção e consumo — motores da crise climática.
É pouco provável que esses desafios sejam superados sem mudanças significativas nas políticas fiscais e sem que os objetivos de desenvolvimento sustentável ocupem um lugar central na gestão da dívida pública. Um exemplo disso poderia ser a taxação de bens e serviços com alta pegada de carbono. O valor arrecadado com esses tributos poderia contribuir para a transição climática e a geração de recursos adicionais para melhorar a distribuição de renda e o apoio a grupos sociais vulneráveis.
Avançar nessa direção exige uma mudança de paradigma: o equilíbrio entre o controle da dívida pública, a preservação da estabilidade macroeconômica e a sustentabilidade socioambiental. Caso contrário, as pressões fiscais e o endividamento crescente limitarão a capacidade dos governos de apoiar a transição climática, e os países da região não conseguirão aproveitar as oportunidades para reconstruir suas economias de forma socialmente inclusiva e ambientalmente sustentável.
Este artigo é baseado nas conclusões da pesquisa “Promovendo uma recuperação da pandemia: evidências para apoiar a gestão da crescente crise de dívida”, realizada pela Rede Sul-Americana de Economia Aplicada (Red Sur) com apoio do Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento (IDRC-Canadá).