Em 2023, a Argentina celebrou os 40 anos de volta à democracia em um contexto socioeconômico nada animador — algo que, infelizmente, já é comum no país.
Nessas quatro décadas, enfrentamos três grandes crises econômicas que provocaram a desvalorização crônica de nossa moeda, o peso. O país tem conseguido se recuperar graças à sua enorme biocapacidade e seus recursos naturais. Porém, a degradação ambiental está enfraquecendo esse poder de resposta às crises.
O processo de desertificação da Patagônia está avançando devido à expansão da pecuária e às mudanças climáticas. Já a capacidade produtiva no coração agrícola da Argentina, os Pampas, está diminuindo, porque tiramos mais do que devolvemos ao solo. Nossos mares sofrem com a pesca descontrolada em razão da falta de fiscalização e regulação. As florestas nativas estão desaparecendo a uma taxa de 200 mil hectares ao ano — o desmatamento ilegal é responsável por três quartos dessa destruição. Os peixes em nossos rios diminuem em tamanho e abundância, além de apresentar altos níveis de contaminação química. Além disso, a conversão de áreas naturais sem planejamento territorial adequado separa e isola populações de espécies vulneráveis e ameaçadas de extinção.
Durante anos, muitas organizações ambientais lutaram para provar ser possível conciliar produção e conservação. Mas, ao olhar para trás, percebemos que há poucos exemplos bem-sucedidos. A degradação ambiental avança à medida que a produção aumenta, mas o país e a população ficaram mais pobres.
A Fundação Vida Silvestre e outras organizações trabalharam por anos no fortalecimento do Ministério de Meio Ambiente argentino, para que tivesse o mesmo peso de outras pastas. Queríamos um ministério que construísse uma política de Estado voltada para o desenvolvimento sustentável e articulasse sua implementação junto à presidência. Porém, apesar de alguns avanços, nossa parceria não atingiu seu objetivo.
Não vou me debruçar sobre os múltiplos fatores que nos levaram a esse fracasso, mas quero propor alternativas para um verdadeiro modelo de desenvolvimento sustentável — ou seja, um que seja realmente desenvolvimento e não apenas uma transferência de recursos.
A Constituição da Argentina estabelece que os recursos naturais são de propriedade estatal, mas geridos pelas províncias. O governo nacional, no topo da hierarquia ambiental, tem a função de definir as regras básicas para que cada província desenvolva sua legislação e administre seus recursos.
O novo governo argentino de Javier Milei, porém, reduziu pela metade o número de ministérios, e um dos cortados foi justamente o Ministério do Meio Ambiente, cujas funções foram parcialmente incorporadas pelo Ministério do Interior. Agora, as pastas de Turismo, Meio Ambiente e Esportes foram convertidas em subsecretarias.
Pelo decreto presidencial que definiu essa reestruturação ministerial, é possível perceber que as questões ambientais serão distribuídas entre diversas pastas. As secretarias de Bioeconomia e Energia, bem como o novo Ministério do Capital Humano, deverão designar suas próprias equipes para as demandas ambientais e trabalhar junto à nova Subsecretaria de Meio Ambiente.
Assim que Milei tomou posse, Marcia Levaggi, representante do Ministério das Relações Exteriores com grande experiência em negociações climáticas, foi designada para liderar a delegação argentina nos últimos dias da cúpula COP28, nos Emirados Árabes Unidos. A Fundação Vida Silvestre se reuniu com ela, e Levaggi transmitiu o desejo de a Argentina permanecer no Acordo de Paris e manter os compromissos climáticos.
Agora, mais do que nunca, precisamos entender que o desenvolvimento às custas do meio ambiente e das pessoas não é desenvolvimentoManuel Jaramillo, diretor-geral da Fundação Vida Silvestre
Com tantos argentinos vivendo abaixo da linha da pobreza, um alto nível de endividamento, uma alta desvalorização do peso e reservas escassas de divisas no Banco Central, enfrentamos um futuro muito desafiador. Agora, mais do que nunca, precisamos entender que o desenvolvimento às custas do meio ambiente e das pessoas não é desenvolvimento.
A Argentina pode e deve usar sua capacidade e conhecimento para se posicionar em um mercado internacional cada vez mais ávido por produtos sustentáveis, com baixa pegada de carbono e impacto socioambiental positivo. Para além da estrutura do novo governo, precisamos de gente à altura para trabalhar diante desses desafios. A Fundação Vida Silvestre vai acompanhar tudo de perto — até mesmo alertando sobre abordagens que considere equivocadas — para alcançar o verdadeiro desenvolvimento da Argentina.