Em 2023, o mundo superou a devastadora pandemia de Covid-19 para encarar outra série de ameaças: os desastres climáticos no ano mais quente já registrado, que causaram males principalmente aos mais vulneráveis.
A relação entre os impactos da destruição ambiental e seus efeitos na saúde estiveram em destaque na última conferência climática da ONU, a COP28, realizada em Dubai entre novembro e dezembro. Embora marcada pelo protagonismo do setor de combustíveis fósseis, a cúpula nos Emirados Árabes reservou um dia temático só para a questão sanitária e realizou a primeira reunião de ministros sobre saúde climática.
Em Dubai, 143 nações, incluindo a China e 20 países da América Latina e do Caribe, assinaram a Declaração sobre Clima e Saúde. Conforme um comunicado oficial da COP28, o documento visa “colocar a saúde no centro das ações climáticas” e fazer com que, pela primeira vez, os governos reconheçam sua responsabilidade de “proteger as comunidades e preparar os sistemas de saúde para lidar com os impactos ligados ao clima, como o calor extremo, a poluição do ar e as doenças infecciosas”.
Um estudo publicado pelo British Medical Journal poucos dias antes da conferência constatou que 8,3 milhões de pessoas morrem precocemente todos os anos devido à poluição do ar. Além disso, cinco milhões desses casos estariam ligados à poluição causada pelo uso de combustíveis fósseis, fato ignorado pela declaração conjunta.
Os riscos de doenças e mortes relacionadas ao calor também estão aumentando: já são 189 milhões de pessoas expostas todos os anos a eventos climáticos extremos, segundo outra pesquisa de 2022.
O que explica o súbito interesse em saúde na COP28? E como os novos objetivos climáticos e sanitários podem se traduzir em ações locais?
Adaptação do setor às mudanças climáticas
As atenções da COP28 para as questões de saúde refletem a importância atribuída ao tema após a pandemia de Covid-19, diz Wenjia Cai, diretora da Lancet Countdown Asia e professora do departamento de Ciências do Sistema Terrestre na Universidade Tsinghua, em Beijing.
Por isso, a declaração da saúde na COP28 incluiu ações do setor para se adaptar às mudanças climáticas. Entre os objetivos listados pelo documento, estão o fortalecimento das parcerias com as populações mais vulneráveis ao clima extremo; a melhoria na resposta dos sistemas de saúde às doenças ligadas ao clima; a atenção aos efeitos dos impactos climáticos na saúde mental; e a prevenção de futuras pandemias, aprimorando a detecção de zoonoses, doenças infecciosas transmitidas de animais para humanos.
A declaração também menciona os objetivos de combater a desigualdade entre os países, erradicar a pobreza e a fome, melhorar a segurança alimentar e aprimorar a adaptação climática nos setores de agricultura, habitação, transporte e energia.
A adaptação climática na área da saúde é muito importante, mas a queima de combustíveis fósseis ainda é o principal fator de agravamento das mudanças climáticasYuan Yating, analista do iGDP, think tank sediado em Beijing
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que seguir um caminho de baixas emissões até 2100 pode evitar mais de dois milhões de mortes anuais relacionadas ao clima.
“Os investimentos em pesquisas sobre clima e saúde cresceram significativamente nos últimos anos”, diz Cai, da Lancet. “Os EUA, por exemplo, investiram US$ 260 milhões em 2023, oito vezes mais do que em 2022, e o foco de outras grandes economias no clima e na saúde também aumentou significativamente”.
Financiamento bilionário em saúde
O financiamento é um ponto central. Durante a COP28, o governo do Reino Unido, o Banco Asiático de Desenvolvimento e nove fundações filantrópicas prometeram US$ 1 bilhão para enfrentar os impactos da crise climática na saúde. Ainda no evento, os Emirados Árabes Unidos, juntamente com várias instituições filantrópicas, também ofereceram US$ 777 milhões para erradicar doenças tropicais. Só nesses dois casos, os compromissos de financiamento para o setor somaram US$ 1,7 bilhão.
O valor pode ser ainda maior, segundo declarações do presidente da COP28, Sultan Al Jaber, em uma coletiva de imprensa concedida em 4 de dezembro. Fazendo um balanço dos quatro dias anteriores, Al Jaber, disse que US$ 2,7 bilhões haviam sido destinados ao setor da saúde, embora não tenha especificado de onde veio o US$ 1 bilhão adicional. A presidência da conferência não respondeu a pedidos da reportagem por mais informações.
Ainda faltam detalhes sobre como esses fundos serão usados para ajudar os sistemas de saúde nacionais a enfrentar as mudanças climáticas, diz Yuan Yating, analista do Institute for Global Decarbonization Progress (iGDP), think tank com sede em Beijing.
“A capacidade dos países de se envolverem na adaptação e mitigação ao clima depende em grande medida de sua receita fiscal”, diz ela. “Mas aqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas — países em desenvolvimento e pequenos Estados insulares, por exemplo — são os que mais precisam de apoio internacional para suas ações de combate à crise climática”. No momento, explica Yuan, apenas 2% do financiamento para a adaptação climática e 0,5% do financiamento multilateral para o clima estão disponíveis para o setor da saúde.
“Esse dinheiro ainda pode fazer uma grande diferença se usado para a eficiência energética e redução de carbono nos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento. A adaptação climática na área da saúde é muito importante, mas a queima de combustíveis fósseis ainda é o principal fator de agravamento das mudanças climáticas”, acrescenta.
Saúde incluída nos planos climáticos
A declaração da saúde na COP28 determina que as nações signatárias levem “a saúde em consideração ao elaborar a próxima rodada de contribuições nacionalmente determinadas (NDCs)”.
As NDCs são os planos de ação climática que todos os Estados-membros da ONU devem apresentar a cada cinco anos. Em 2025, na COP30 em Belém, haverá uma atualização dessas metas.
Mas como as nações vão incorporar a saúde em seus planos climáticos? Para Wenjia Cai, da Universidade Tsinghua, o objetivo central do combate às mudanças climáticas é o de proteger a vida e a saúde no planeta, e isso deveria ser incluído nas NDCs como um “princípio orientador”.
“Se três projetos de ação climática tiverem níveis semelhantes de investimento, mas um deles proporcionar mais benefícios à saúde, esse deve ser priorizado”, explica.
Cai acrescenta que os esforços climáticos devem ser definidos a partir da promoção da saúde. Por exemplo, se a meta de limitar o aquecimento global a 2 °C acima dos níveis pré-industriais, até 2100, não for “suficientemente ousada” para a saúde, diz ela, os esforços deveriam buscar limitá-lo a 1,5 °C.
Redução das emissões no setor da saúde
A declaração também prevê mitigar as emissões de carbono do setor da saúde. Estima-se que ele seja responsável por cerca de 5% das emissões globais de gases de efeito estufa e, seguindo as tendências atuais, isso pode triplicar até 2050.
Essas emissões são provenientes de três fontes: as instalações médicas e hospitalares (incluindo ambulâncias); a geração de eletricidade para abastecer essas instalações; e as emissões indiretas das cadeias de abastecimento, que representam 71% das emissões do setor e incluem a produção e o transporte de medicamentos, alimentos e equipamentos.
Em 2021, a organização Health Care Without Harm (HCWH) publicou diretrizes para se reduzir as emissões do setor da saúde, como descarbonizar a infraestrutura, os serviços e as cadeias de abastecimento. Se esses caminhos forem seguidos, acrescenta Yuan Yating, analista do iGDP, “a redução de emissões no setor entre 2014 e 2050 pode chegar a 44,8 bilhões de toneladas de carbono”.
Mais atenção à saúde
Na apresentação da declaração, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, reiterou que o elo entre o clima e a saúde tem sido negligenciado: “A crise climática é uma crise de saúde, mas, por muito tempo, a saúde tem sido uma nota de rodapé nas discussões sobre o clima”.
Considerando o número e o tema de eventos na agenda da COP28, as questões sobre os impactos à saúde parecem ter ganhado um espaço sem precedentes em uma conferência climática. Apesar de sua importância, isso tem recebido pouca atenção nas plataformas digitais e na imprensa.
Referindo-se aos dados do relatório Lancet Countdown da China sobre saúde e mudanças climáticas, Wenjia Cai diz que, na plataforma social Weibo, a saúde apareceu em 8,5% das cerca de 1400 postagens anuais sobre o tema. Na imprensa estatal, a saúde apareceu em 6% das publicações sobre mudanças climáticas.
Cai cobra mais investimento em pesquisas sobre clima e saúde na China. Atualmente, apenas dois projetos sobre essa relação fazem parte do Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da China.
No ano passado, a Lancet Countdown também publicou um relatório destacando os graves impactos à saúde de latino-americanos resultantes da intensificação das mudanças climáticas. Os pesquisadores descreveram seus achados como “sombrios e preocupantes” e concluíram o estudo com um pedido especial: “Confiem na ciência. Agora que sabemos [dos impactos], precisamos agir”.
Esta reportagem foi publicada originalmente pelo China Dialogue.