A empresa chinesa China Three Gorges (CTG) Brasil, do ramo de geração de energia, anunciou recentemente a neutralização de suas emissões de carbono. A meta foi alcançada, entre outros, pela compra de mais de 8 mil créditos de carbono, referentes a um projeto de conservação no Vale do Jari, estado do Amapá, que protege uma área de 200 mil hectares.
A compra ajuda a empresa a mitigar impactos ambientais de projetos como a hidrelétrica de São Manoel, na divisa do Pará e Mato Grosso, que entrou em operação em 2018, após ser vorazmente questionada por ambientalistas e grupos indígenas. A empresa chinesa espera que os créditos neutralizem suas emissões até 2022, estimadas em 1.700 toneladas de CO² ao ano.
A CTG Brasil não está sozinha nesse setor. Empresas como Natura, Ipiranga, Itaú e Renner também estão investindo na compra dos títulos no Brasil, em um movimento paralelo que se antecipa à regulamentação do mercado de carbono entre países, que muitos esperam ser concluída após a retomada das negociações na COP 26, em Glasgow, em novembro de 2021.
“Hoje no Brasil, há muitas empresas, de diversos setores e tamanhos, fazendo compensação”, diz Mariama Vendramini, diretora do escritório brasileiro da EcoSecurities, especializada em mercados de carbono. “A tendência do mercado é de crescimento”.
O assunto é um dos temas preferidos do ministro do Meio Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, que tem sido enfático na defesa de que os países ricos devem pagar para que os países em desenvolvimento, como o Brasil, preservem o meio ambiente.
O bolsonarismo é o maior impeditivo para uma participação maior do Brasil em qualquer mercado ambiental
De fato, o Brasil tem potencial para ser líder no mercado de carbono, sendo o terceiro do mundo em capacidade instalada de energias renováveis (atrás apenas de China e Estados Unidos) e o segundo em cobertura florestal (perde somente para a Rússia), com 58% da área coberta por árvores.
Mas a falta de políticas públicas domésticas para o setor e as debilidades da política ambiental brasileira fazem com que estas compras cresçam às margens do controle governamental, dentro de uma das facetas do setor de créditos de carbono conhecida como “mercado voluntário”.
Nesse setor, o crédito de carbono nasce a partir de projetos “verdes”, como usinas de energia renovável, iniciativas de reflorestamento e conservação florestal. Os desenvolvedores desses projetos são auditados por entidades independentes e, caso cumpram os critérios, emitem créditos de carbono certificados.
Os títulos são então disponibilizados no mercado, geralmente em bolsas de valores, como a Chicago Climate Exchange ou a própria bolsa de valores brasileira. Qualquer entidade, seja empresa, ONGs, governos ou até pessoas físicas, pode gerar e vender créditos de carbono nos mercados voluntários.
Entraves para a regulamentação global do mercado de carbono
O mercado internacional de carbono foi idealizado na conferência da ONU Rio-92 e ganhou força com o Protocolo de Kyoto, de 1997, segundo o qual países desenvolvidos signatários deveriam cumprir uma meta de redução de emissões, ficando obrigados a compensar seus excedentes com a compra de créditos de carbono de outros países.
A força do mercado de carbono variou bastante desde a sua criação. “Na época de vigência do Protocolo de Kyoto, de 2005 a 2012, havia um mercado de carbono muito forte. Após o final de Kyoto, secou completamente. E agora ele está voltando gradativamente”, explica Pedro Moura Costa, diretor do BVRio, um instituto que promove o cumprimento de leis ambientais por meio de instrumentos de mercado.
De acordo com o Banco Mundial, atualmente, cerca de 60 iniciativas de precificação de carbono estão ativas ou em vias de implementação no mundo, entre países e governos subnacionais.
Todos parecem esperar que o desafio da regulamentação, prevista no artigo 6º do Acordo de Paris, seja solucionado. Em 2019, a conferência do clima da ONU em Madri (COP 25) frustrou as expectativas e não concluiu a regulamentação no âmbito internacional. O Brasil foi um dos países que criou entraves às negociações, com base sobretudo em dois pontos: a cobrança de créditos de carbono antigos, e a definição de uma nova forma de contagem.
O Brasil defende uma nova forma de contabilizar os créditos, que conte a redução de emissão tanto para os países que compram quanto para os que vendem os créditos — método contestado por várias nações. Na prática, isso abriria margem para que potenciais vendedores, como o Brasil, não reduzissem de fato as suas emissões.
O deputado federal Zé Silva participou da COP 25 e acredita que a cúpula marcada para este ano deve avançar. “Mesmo o Brasil tendo alguns pontos de divergências com outras nações, as convergências são bem maiores”, diz.
Para outros, mesmo que o mercado seja regulamentado, o Brasil continuará tendo dificuldades no setor. Com os recordes de desmatamento da Amazônia, a credibilidade do Brasil em implementar políticas ambientais compatíveis com as metas de redução fica comprometida.
“O carbono caminha para ser a nova commodity global, mas o governo brasileiro e parte do agronegócio ignoram a nova geopolítica econômica mundial e insistem em retrocessos que não só custam a destruição do patrimônio ambiental do país, mas asfixiam a economia e as chances de crescimento econômico com sustentabilidade”, diz o senador Fabiano Contarato, membro da Comissão de Meio Ambiente.
Moura Costa faz coro. “O bolsonarismo é o maior impeditivo para uma participação maior do Brasil em qualquer mercado ambiental, incluindo o de carbono”, diz. “Há um grande ceticismo sobre a credibilidade, a legitimidade, de qualquer ação ambiental no Brasil neste momento”
Iniciativas domésticas de comércio de carbono
A China, o maior emissor do mundo, regulamentou no início deste ano o seu mercado interno de carbono. “A lógica está dentro do contexto mais geral da China de ter como meta ser uma economia que anda na direção da neutralidade de carbono até 2060”, explica Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre.
No Brasil, apesar do potencial do mercado, as iniciativas oficiais para regular o mercado de carbono no Brasil são tímidas há décadas.
O mercado regulado está restrito à Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que abrange apenas o setor de transporte. Criada em 2017, é focada em acelerar a transição da matriz energética de transportes por meio da maior participação de combustíveis renováveis e menos poluidores.
109 milhões
É o valor, em dólares, dos créditos de descarbonização negociados na bolsa de valores brasileira no ano passado
O principal mecanismo dessa política é a comercialização dos Créditos de Descarbonização (CBIOs). Esses títulos são emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis e vendidos na B3, a bolsa de valores oficial do Brasil antigamente conhecida como Bovespa. Apesar de dificuldades com a pandemia, em 2020 foram movimentados aproximadamente 600 milhões de reais em CBIOs.
Além da ausência de um mercado regulado em áreas essenciais, como a de geração de energia, o Brasil enfrenta dificuldades na instituição de tributos sobre a emissão de gases poluentes. Em 2020, o Ministério da Economia anunciou que o governo avalia a criação de um “imposto verde”, sem apresentar um plano concreto desde então.
Com a participação do Estado brasileiro, o mercado ganharia uma nova escala, afirma Vendramini, da EcoSecurities. “Há vários setores, principalmente os mais poluidores, que precisam reduzir as emissões, fazer as compensações. Então o papel do Estado seria primeiro colocar essa obrigação de uma forma mais generalista, definindo metas de redução”, explica.
Mas, apesar de auxiliar no combate às mudanças climáticas, ambientalistas têm destacado que o mercado de carbono não é uma panaceia.
“Existe um esforço para você ser carbono neutro, mas não é só isso: é preciso ter um mecanismo de compensação que literalmente compense a emissão”, afirma Ribeiro, da FGV. “Caso contrário, vira um comprar e vender direitos de poluição”.