Clima

Mobilizações trazem meio ambiente à pauta de corrida presidencial no Chile

Chilenos escolhem sucessor de Sebastián Piñera em meio a crise hídrica, pressões por descarbonização e assinatura do Acordo de Escazú
<p>Gabriel Boric comemora sua nomeação como candidato presidencial do bloco de esquerda Apruebo Dignidad (Alamy)</p>

Gabriel Boric comemora sua nomeação como candidato presidencial do bloco de esquerda Apruebo Dignidad (Alamy)

Como resultado das mudanças climáticas, as temperaturas globais continuarão a subir e os eventos climáticos extremos na América Latina se tornarão mais frequentes, observou o IPCC em seu último relatório publicado em 9 de agosto. Um dia depois, no Chile, a Comissão Ambiental de Coquimbo aprovou o projeto de mineração Dominga, que visa a construir uma mina a céu aberto e um megaporto a menos de 30 quilômetros do Arquipélago de Humboldt, um dos ecossistemas mais biodiversos do mundo.

A decisão não encontra apoio dos chilenos. Comunidades locais e cientistas têm resistido ao projeto há anos. Mas a campanha “Não à Dominga” teve um aliado inesperado em Sebastián Sichel, candidato às eleições presidenciais de novembro.

Embora apoiado pela direita, Sichel é um político independente com uma visão de centro-esquerda. Ele ganhou as primárias —  votação em que partidos ou coalizões escolhem seus candidatos —  afirmando que Dominga “não é viável”. Em uma tentativa de se afastar de Piñera, ele também se comprometeu a assinar o Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, que entrou em vigor no início deste ano.

Após anos de Piñera rejeitando o Escazú, há uma luz no fim do túnel para os apoiadores do acordo. Os principais concorrentes ao mandato presidencial de quatro anos, que começa em março de 2022, estão empenhados em assiná-lo. Com uma seca profunda e prolongada que também aflige o país sul-americano, o meio ambiente ganhou peso na agenda política do Chile.

Nove candidatos se enfrentarão no dia 21 de novembro. Há três favoritos: Sichel, da aliança de direita Chile Vamos; Yasna Provoste, única mulher nas eleições, e integrante da centro-esquerda pelo Democracia Cristã; e o jovem congressista Gabriel Boric, do bloco de esquerda Apruebo Dignidad.

A histórica assembleia constituinte que nasceu das grandes mobilizações sociais de 2019 já começou a redigir a nova Constituição para substituir o atual documento da era ditatorial. Dos 155 membros, um número significativo vem de movimentos socioambientais, e o órgão busca incorporar os direitos da natureza na nova Carta Magna do Chile.

Candidatos verdes

Após o relatório do IPCC e a declaração de Sichel sobre Dominga, Gabriel Boric também acenou para a pauta ambiental. Ele esteve em Punta de Choros, próximo de onde a empresa mineradora ficaria localizada, em encontro com pescadores que se opõem ao projeto. Depois foi para Puchuncaví, na província central de Valparaíso, onde assinou um compromisso de reparação ambiental a uma localidade onde a qualidade do ar e d’água foram afetados pela indústria pesada, conhecida como uma “zona de sacrifício”.

Para Javiera Lecourt, coordenadora das campanhas de energia e mineração de Boric, o programa Apruebo Dignidad foi articulado em torno de três temas: feminismo, descentralização e transformação socioecológica. “Entendemos que a crise climática é multissistêmica e multidimensional, não pode ser enfrentada apenas do ponto de vista ambiental”, afirmou.

Boric é originário de Magallanes, na Patagônia chilena, e reconhece a existência da crise climática e ecológica. Ele se compromete a antecipar o fechamento das termelétricas a carvão de 2040 para 2025; proteger os corredores biológicos de flora e fauna; promover empregos verdes; desenvolver infraestrutura para adaptação e resiliência diante da crise climática; transferir comunidades em risco; e adotar um novo sistema de gestão d’água mais adaptado às mudanças climáticas.

Quem quer que seja a nova presidente, será neste contexto de maiores exigências para as atividades mineradoras, agrícolas e extrativistas

Boric, de 35 anos, vem de um grupo de jovens líderes estudantis que deram o salto para o parlamento após os protestos contra o sistema educacional em 2011. Fundador do grupo esquerdista Frente Amplio, ele se juntou ao Partido Comunista para formar o Apruebo Dignidad, um grupo que, apesar de nunca ter governado, deu início à corrida presidencial como favorito.

Boric não é o único a propor reparações às zonas de sacrifício. A maioria dos candidatos propõe o mesmo.

Para Marcelo Mena, ex-ministro do meio ambiente, um dos pontos baixos da campanha é que “as declarações são feitas sem serem específicas sobre como alcançá-las”.

Mena se juntou à equipe de Yasna Provoste como coordenador do programa. Senadora de 51 anos, Provoste foi a última a se juntar à corrida, após primárias entre partidos de centro-esquerda que governaram entre 1990 e 2010. Esses foram focos de crítica durante as recentes demonstrações sociais.

“O modelo que propomos, a fim de superar o neoliberal, é que os territórios ignorados nas tomadas de decisões devem ter mais poderes, acesso à participação e que as decisões territoriais devem permanecer nos territórios. Estamos falando de um fundo de recuperação ambiental que contemple a remediação e a substituição de empregos no caso de atividades que terminem”, diz Mena.

Entre outras propostas, Provoste propõe antecipar a descarbonização para 2030 e a neutralidade de carbono para 2040 por meio de uma taxa de carbono e o compromisso de 100% de energia renovável até 2035. Ela também defende os empregos verdes, investimentos em infraestrutura resilientes ao clima e transporte público elétrico.

2040


é o ano limite em que o governo chileno se comprometeu a fechar todas usinas alimentadas a carvão do país

Sichel, de 44 anos, trouxe o programa “mais verde” para as primárias de julho. Ele foi o único a mencionar o fim das zonas de sacrifício. O candidato independente também quer criar uma Subsecretaria de Água no Ministério de Obras Públicas e fala em “definir a bacia hidrográfica como uma unidade básica e indivisível para a gestão e administração dos recursos hídricos”.

Para Valentina Durán, diretora do Centro de Direito Ambiental da Universidade do Chile, há nova ênfase ao tema, mas as promessas de alguns candidatos podem ser apenas greenwashing — ou seja, sustentável apenas no discurso.

“A assembleia constitucional tem abraçado um sentimento popular por maior proteção do meio ambiente. Os candidatos que levantaram a questão se saíram bem, e isto se reflete nos programas presidenciais, em que todos tentam parecer ambientalistas”, diz Durán, acrescentando: “Hoje, ninguém diria que a proteção ambiental é um obstáculo ao investimento, todos eles tentam se vestir de verde”.

A cientista política Pamela Poo, que realizou uma análise detalhada das propostas ambientais dos candidatos nas primárias, diz que a maioria dos programas presidenciais remonta ao século passado. A questão ambiental é abordada como “apenas mais um capítulo” quando na realidade “a crise ecológica deve ser tomada como o cenário em que vivemos e, com base nisso, devem ser implementadas políticas públicas para lidar com a questão”, afirmou.

Embora Poo destaque o avanço de algumas propostas, um problema é que “falar de mineração verde sem abordar o uso d’água e energia, sem pensar em suas interconexões”. Boric, Provoste e Sichel, por exemplo, propõem “mineração verde” ou “sustentável”, produção de lítio (Boric e Provoste por uma empresa estatal) e de hidrogênio verde.

O Serviço Eleitoral do Chile rejeitou a candidatura do líder indígena mapuche Diego Ancalao, ao grupo Lista Popular, por ter apresentado mais de 20 mil assinaturas de eleitores já falecidos. O grupo é de esquerda e antipartidário e se recusou a apoiar o partido Frente Amplio. Eles foram a grande surpresa nas eleições da Assembleia Constituinte, ganhando 26 cadeiras apesar de não terem visibilidade midiática.

A assembleia, o extrativismo e a emergência ambiental

A Assembleia Constitucional funcionará paralelamente à posse do novo presidente em 11 de março de 2022. Quem vencer a eleição terá o dever de implementar a nova Carta Magna.

Em seu discurso inaugural, a presidente da Assembleia, Elisa Loncón, disse: “Esta Convenção transformará o Chile em um Chile plurinacional, um Chile intercultural, um Chile que não viola os direitos das mulheres, os direitos dos cuidadores, um Chile que cuida da Mãe Terra, um Chile que limpa as águas, um Chile livre de qualquer dominação”.

A Assembleia está agora trabalhando em comissões setoriais que incluem uma de direitos humanos, que vai abrigar os direitos da natureza. Há outras dedicadas à participação popular e à descentralização, que serão lideradas pela cientista Cristina Dorador.

“Quem quer que seja a nova presidente, será neste contexto de maiores exigências para as atividades mineradoras, agrícolas e extrativistas. Essas são coisas que exigem políticas profundas, que não podem ser alcançadas em quatro anos de governo, razão pela qual a Assembleia Constituinte é importante”, diz Duran. 

“O Chile é reconhecido como um país minerador, não é algo que vai mudar em quatro anos, mas é uma discussão que a Convenção pode orientar para as próximas décadas”, completa.