As emissões de gases de efeito estufa estão voltando a crescer entre todos os países do G20 após um curto período de declínio devido à pandemia da Covid-19. Argentina e China já projetam exceder seus níveis de emissões de 2019, de acordo com o Relatório de Transparência Climática, um balanço anual da ação climática do G20.
Em 2020, as emissões de CO2 relacionadas à energia elétrica caíram 6% entre todos os países do G20. Em 2021, no entanto, prevê-se uma retomada de 4%, graças ao maior consumo de carvão, particularmente na China, e de gás natural. Os combustíveis fósseis continuam a ser largamente subsidiados, com o grupo das maiores economias do mundo comprometendo ao setor US$ 298 bilhões entre janeiro de 2020 e agosto de 2021.
Coletivamente, o G20 é responsável por cerca de 75% dos gases com efeito de estufa globais, incluindo os provenientes de mudanças no uso da terra e a exploração de florestas. O grupo tem um importante papel de liderança a desempenhar, uma vez que acordou metas ambiciosas do Acordo de Paris, prevendo a redução de emissões a fim de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ºC até ao final deste século.
No entanto, o efeito combinado dos compromissos climáticos de todos os países do G20 em 2030 — conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas (CND) — é insuficiente e levará a um aquecimento de 2,4 ºC, de acordo com o relatório. Isto sublinha a necessidade urgente de compromissos mais ambiciosos enquanto os chefes de Estado se preparam para se reunir em Roma no final do mês para a cúpula anual do bloco.
75%
dos gases com efeito de estufa globais são emitidos pelos países do G20
A maioria dos membros do G20 também perdeu oportunidades de aproveitar os planos de recuperação da Covid-19 para promover metas de mitigação do clima. Apenas US$ 300 bilhões do total de US$ 1,8 trilhão em gastos de recuperação foram destinados à recuperação “verde”, constatou o relatório, já que os países ainda apostam em combustíveis fósseis e outras indústrias de altas emissões.
“Os governos do G20 precisam vir à mesa com metas nacionais mais ambiciosas de redução de emissões. Os números deste relatório confirmam que não podemos virar a chave sem eles”, disse Kim Coetzee, da Climate Analytics, uma das organizações envolvidas na produção do relatório. “Eles sabem disso, nós sabemos disso — a bola está firmemente no campo deles [nas negociações climáticas] na COP26 “.
Membros do G20 da América Latina
Argentina, México e Brasil — países latino-americanos que fazem parte do G20 — não conseguiram inverter a maioria das tendências globais. Seus CNDs, recentemente atualizados, continuam a descumprir as metas do Acordo de Paris. Brasil e México inclusive diminuíram seus níveis de ambição em relação aos compromissos anteriores.
Embora o México tenha gasto 1% do seu PIB em medidas de recuperação da pandemia, praticamente nenhum desses gastos foi para medidas verdes, tais como novos projetos de energia solar e eólica. Enquanto isso, os gastos com infraestrutura de combustíveis fósseis aumentaram, de acordo com o relatório.
A energia solar, eólica, geotérmica e biomassa representam 5,8% do abastecimento energético do México, com a média do G20 a situar-se atualmente nos 7%. O país gerou 76% de sua eletricidade a partir de combustíveis fósseis em 2020, com o gás natural desempenhando o maior papel em sua matriz. Os subsídios aos combustíveis fósseis chegaram a US$ 17,1 bilhões em 2019 — ano mais recente para o qual há dados disponíveis.
“O México ainda tem a oportunidade de recuperar sua posição de líder climático”, disse Jorge Villareal, chefe da política climática da ONG mexicana Iniciativa Climática. “O governo deve rever suas políticas de energia e transporte. Os combustíveis fósseis continuam muito altos, enquanto as energias renováveis e os veículos elétricos são uma tarefa pendente”.
A Argentina compartilha muitas semelhanças com o México. Apesar da queda recorde nos preços da energia durante a pandemia, a exploração do gás natural do subsolo continuou a aumentar nos campos de gás de Vaca Muerta, após a recuperação da demanda de energia em 2021. Entretanto, as energias renováveis não convencionais (com exceção da energia hídrica) representam apenas 5% do fornecimento de energia.
1,5 milhão
de hectares de área de floresta é o quanto o Brasil perdeu, aproximadamente, de 2015 a 2020
O desmatamento ilegal continua a ser um problema urgente para o país. Entre 2015-2020, a Argentina perdeu 105 mil hectares de florestas. O presidente Alberto Fernández disse que haveria maior ênfase na erradicação do desmatamento ilegal, declarando-o um crime ambiental, mas até agora não tem agido sobre isso.
“O fato de a Argentina ter introduzido uma nova e mais ambiciosa promessa climática no ano passado contradiz os últimos desenvolvimentos observados no país”, disse Enrique Maurtua Konstantinidis, assessor sênior de clima da FARN, ONG na Argentina. “O governo desacelerou o desenvolvimento de novos projetos de energia renovável”.
No Brasil, a pandemia não só causou a morte de centenas de milhares de pessoas, como também contribuiu para níveis mais elevados de desmatamento na floresta amazônica. Os leilões de energia renovável planejados originalmente para a 2020 foram adiados em meio a uma expansão de novos projetos de combustíveis fósseis.
Nesta sexta-feira, o jornal Estado de São Paulo destacou que o governo brasileiro quer R$ 20 bilhões do BNDES para investir no parque de usinas térmicas a carvão na região Sul. Mas o banco de desenvolvimento não está disposto a financiar a energia poluente.
Entre 2015-2020, o Brasil perdeu cerca de 1,5 milhão de hectares de área de floresta por ano. A principal causa foi a mudança no uso da terra para a produção de commodities como a soja e o gado. No primeiro CND, o país incluiu a promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2030, mas isso foi excluído do compromisso climático recentemente atualizado.
Transição para a neutralidade de carbono
O relatório também observou ações positivas entre os membros do G20, incluindo a expansão das energias renováveis e compromissos climáticos de curto e longo prazo.
A participação das energias renováveis no abastecimento energético dos países do G20 deve crescer de 10% em 2020 para 12% em 2021. E no setor energético (energia utilizada para produzir eletricidade e calor), as energias renováveis aumentaram 20% entre 2015 e 2020. Prevê-se que elas representem quase 30% da matriz energética do G20 em 2021.
O G20 precisa mover montanhas para garantir que ainda possamos trilhar o estreito caminho rumo aos 1,5°C
Um grupo de 13 países apresentou à ONU novos CNDs. No caso de Argentina, Canadá, União Europeia, África do Sul, Reino Unido e EUA há metas mais ambiciosas para 2030. Enquanto isto, um grupo de 14 países também anunciou metas de neutralidade até meados do século, cobrindo 61% das emissões globais.
Se totalmente implementadas, essas metas têm o potencial de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, argumentam os autores do relatório. Esperam-se outros anúncios de neutralidade líquida na COP26, inclusive da Argentina.
“O relatório revela que o G20 precisa mover montanhas para garantir que ainda possamos trilhar o estreito caminho rumo aos 1,5°C. Felizmente, não é impossível. As tarefas estão claramente definidas. Tudo o que precisamos é que os líderes dos países que são os maiores emissores do mundo se apresentem e cumpram suas tarefas”, disse Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima.