Clima

O caminho do Uruguai para uma economia neutra em carbono

Uruguai investe em pesquisa para melhorar sustentabilidade de pastagens e automatizar decisões sobre a matriz energética do país
<p>Energias renováveis fornecem 98% da energia do Uruguai. Embora o país esteja a caminho da neutralidade de carbono, ainda há desafios pela frente, como o monitoramento e a redução de emissões em setores estratégicos, como o da carne bovina (Imagem: Diego Casal)</p>

Energias renováveis fornecem 98% da energia do Uruguai. Embora o país esteja a caminho da neutralidade de carbono, ainda há desafios pela frente, como o monitoramento e a redução de emissões em setores estratégicos, como o da carne bovina (Imagem: Diego Casal)

O Uruguai apresentou objetivos de redução de emissões frente à COP21 de Paris em 2015 e agora precisa mostrar seus resultados. O engenheiro agrônomo Fernando Lattanzi, do Instituto Nacional de Pesquisa Agropecuária do Uruguai (INIA), participou da discussão sobre as propostas e hoje desenvolve uma pesquisa para melhorar a sustentabilidade de uma das principais atividades econômicas do Uruguai: a pecuária.

Comumente associadas ao aumento das emissões, as pastagens também podem melhorar as condições do solo e aumentar a presença de microorganismos, segundo Lattanzi. Com isso, além de reduzir o impacto ambiental, também pode aumentar sua produtividade.

O carbono pode acumular-se como matéria orgânica no solo e aí permanecer durante décadas, ou mesmo centenas de anos. As pastagens podem contribuir para isso ao cobrir continuamente o solo, protegendo-o da erosão. Desta forma, removem o carbono da atmosfera e sequestram-no no solo, ajudando a mitigar o aquecimento global.

“Por que medir os gases de efeito estufa e não usar esses esforços para estudar como produzir mais trigo?” pergunta Lattanzi. “Sim, o Uruguai é um país pequeno que contribui pouco [para as emissões globais], mas trata-se de contribuir a partir do lugar de cada um e também de se adaptar à demanda dos consumidores”.

2025


é o prazo que o Uruguai estabeleceu para reduzir pela metade suas emissões

O Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca consegue estimar a área coberta por pastagens e calcular a quantidade de carbono que o país está sequestrando. Isso compõe,depois, o inventário nacional de emissões, que serve para a comunidade internacional acompanhar o avanço uruguaio contra o aquecimento global. O INIA vem medindo a quantidade de carbono acumulada no solo em diferentes cultivos e pastagens.

Para isso, Lattanzi utiliza dados históricos e novos do INIA. Alguns dos experimentos de longo prazo de carbono no solo são “os mais antigos da América do Sul”, observa ele.

A equipe de pesquisa do INIA espera fechar 2021 com um “marco”, diz Lattanzi. O Uruguai espera mostrar que os sistemas de produção agrícola e pecuária do país estão efetivamente sequestrando o carbono.

Eles também estão estudando se uma fazenda poderia recuperar parte do carbono no solo com um melhor manejo. Se pastagens mais biodiversas podem sequestrar mais carbono.

Novo ministério rumo à neutralidade de carbono

O Uruguai, que concentra suas exportações em matérias-primas, estabeleceu o objetivo de reduzir pela metade suas emissões até 2025, ao mesmo tempo em que aumenta sua produção de carne. A tarefa do país é tornar tudo isso compatível.

O primeiro ministro do Meio Ambiente tomou posse no Uruguai há pouco mais de um ano.

O Uruguai deve se estabelecer como um produtor natural de alimentos e ambientalmente responsável

Promessa de campanha do Partido Nacional, agora no governo, este novo ministério entrou em cena sem sequer ter um edifício próprio e começou a operar em vários escritórios em Montevidéu, capital do país, como os do Ministério da Água.

“O Uruguai deve se estabelecer como um produtor natural de alimentos e ambientalmente responsável, e deve ser capaz de demonstrar isso. Eu chamo isso de ‘recuperar’ a marca ‘Uruguai Natural'”, afirma o ministro do Meio Ambiente, Adrián Peña.

Peña está otimista. O caminho a seguir é “pensar a longo prazo e alinhar políticas”, diz ele.

“É isto que temos de fazer, a visão macro, e felizmente começamos a alcançá-la”, argumenta. Ele celebra os bons laços com o Ministério da Economia e Finanças, que serão fundamentais na gestão e condução da transição para o carbono zero.

Em 2020, a ministra da Economia e Finanças, Azucena Arbeleche, criou um gabinete ambiental com membros do INIA e um coordenador, Marcelo Caffera, economista especializado em questões ambientais, que é a ligação com o Ministério do Meio Ambiente.

Adrian Peña em seu escritório com uma bandeira uruguaia.
Adrián Peña é o primeiro ministro do Meio Ambiente do Uruguai desde a fundação da pasta em agosto de 2020, e está otimista sobre o caminho do país para a neutralidade de carbono (Imagem: Paz Sartori)

“A incorporação real da política ambiental, das mudanças climáticas e do desenvolvimento sustentável na política econômica é uma mudança muito importante. Estou animado”, diz Peña. “Pensei que poderia ser apenas uma mudança no discurso, mas vi que Arbeleche de fato incorporou isso e que estamos alinhados sobre aonde ir. Não só o público tem que incorporar esta visão, mas também o setor privado”.

Os produtores uruguaios advertem que é um grande desafio melhorar a gestão e a rotação das pastagens, e “eles agora estão preocupados com esta questão depois de episódios recentes nos quais a produção foi questionada”, diz Peña.

Em junho, durante um evento destinado ao setor privado, Peña insistiu que tem trabalhado com o Ministério da Economia e Finanças para garantir que os objetivos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e adaptação às mudanças climáticas “façam parte da análise e concepção da política macroeconômica, bem como gerem condições para que o Uruguai avance firmemente em direção a uma economia de baixo carbono”.

Peña insiste na necessidade de posicionar o Uruguai como um país de produção sustentável por meio de dados e tecnologia e de se estabelecer com mais evidências para proteger o meio ambiente. Para isso, quer aumentar a proximidade do ministério com a academia.

Uruguai renovável

O Uruguai precisa de cerca de 1.200 megawatts (MW) para suprir suas necessidades energéticas. No ano passado, sua capacidade instalada de energia eólica (1.500MW) e solar (200MW) superou a demanda.

A maior mudança para uma matriz renovável no país ocorreu há uma década, e as mudanças futuras serão menores, de acordo com a Política Energética 2005-2030 que emergiu de um acordo entre todos os partidos.

98%


da matriz energética do Uruguai é composta de fontes renováveis

A matriz energética do Uruguai é composta por 98% de fontes renováveis e apenas 2% de geração térmica. De energias renováveis, aproximadamente metade corresponde a energia hidrelétrica e a outra metade, de eólica, biomassa e solar, em ordem de importância.

Isto significa que já não existem grandes centrais térmicas, mas sim centenas de turbinas eólicas e painéis solares ligados à rede em diferentes partes do país. Se uma turbina eólica parar de funcionar, isso não desestabiliza o sistema. Se a energia eólica se desliga ao meio-dia, a energia solar sobe, e o oposto acontece à noite.

O pequeno trator

Uma equipe de pesquisa liderada por Rubén Chaer, da Administração do Mercado de Energia Elétrica (ADME), está finalizando o projeto “Pequeno Trator“, peça fundamental para o futuro do setor energético.

É algo semelhante a “um robô que aprende com base em simulações”, comparando o custo de cada decisão de energia a ser tomada e sugerindo a melhor opção, por exemplo, sobre a quantidade e a melhor época para exportar energia, explica o engenheiro.

Hoje, o Uruguai opera uma máquina chamada Vates — que está sempre olhando para frente, integrando previsões com relatórios de energia. “O robô atual está atingindo seu limite em termos de velocidade, pelos detalhes que queremos acrescentar na operação”, explica Chaer. “O Pequeno Trator é um robô com capacidade de aprendizagem para que possa se concentrar no uso da potência computacional nos aspectos mais relevantes”.

 

Este artigo faz parte do Comunidad Planeta, um projeto de jornalismo na América Latina liderado por Periodistas por el Planeta (PxP), onde foi publicado pela primeira vez. É republicado em Creative Commons.