Enquanto os governos se esforçaram por duas semanas na COP26 para finalizar as regras de implementação do Acordo de Paris, ativistas do lado de fora da cúpula do clima em Glasgow expressaram profunda frustração com o avanço considerado lento demais para aqueles que mais sofrem com eventos climáticos extremos.
Realizadas um ano depois do planejado por causa da pandemia Covid-19, as demonstrações de maior ambição na COP26 para mitigar as emissões de gases de efeito estufa e negociar financiamentos e regras para o comércio de carbono — barreiras de longa data para as negociações — já deveriam ter acontecido, segundo manifestantes.
Dentro do amplo Scottish Event Campus, houve alguns sucessos antes do encerramento das negociações no sábado, 13, um dia depois do planejado. Os EUA e a China reafirmaram seus compromissos de cooperar com a crise climática, e os países mais desenvolvidos concordaram em aumentar a transferência de recursos para a batalha climática de países em desenvolvimento.
Mas com promessas financeiras não cumpridas de dez anos atrás, muitos ainda estavam céticos. Nas ruas, o movimento Extinction Rebellion e o grupo de jovens Fridays for Future realizavam manifestações pressionando por soluções políticas urgentes para a crise. Enquanto isso, um ativista vestido de Darth Vader encontrou fama temporária trocando as letras de músicas pop dos anos 1980 por soluções tecnológicas.
Após intensas conversas, governos terão de cumprir compromissos anunciados durante a cúpula do clima no Reino Unido, desde planos de descarbonização de longo prazo até o fim do desmatamento.
Lord Vader has plenty of positive energy this morning at #COP26
(But he is here, er, advocating for solar geoengineering)#DeathStar pic.twitter.com/jU0YaiPx0x
— Leo Hickman (@LeoHickman) November 10, 2021
Por fim, os países assinaram o Pacto de Glasgow, embora após uma intervenção tardia da Índia que ameaçou tirar o acordo do rumo ao contrapor-se a uma promessa de eliminação do uso de carvão, a qual quase levou o presidente da COP26 Alok Sharma às lágrimas.
Para a América Latina, a cúpula de duas semanas deixou uma série de compromissos climáticos que agora ela terá que implementar. Mas também destacou muitas perguntas difíceis que a região ainda precisa responder, desde seus projetos de gasodutos de combustíveis fósseis até as reduções de emissões do setor agrícola.
Coalizões climáticas da América Latina
Na COP26, os governos latino-americanos concordaram com um apelo por um maior financiamento dos países desenvolvidos para reduzir suas emissões e se adaptar aos impactos de um clima instável.
Para Colômbia, Uruguai e Argentina, isso significou um pedido de novos instrumentos de financiamento vinculados a metas ambientais, como as ‘trocas de dívida por natureza’. O Uruguai também anunciou um novo título soberano que pagará uma taxa de juros mais baixa se suas metas climáticas forem cumpridas, enquanto Azucena Arbeleche, a ministra da Economia do país, tenta convencer as instituições financeiras internacionais a aplicar critérios semelhantes. A Argentina também apelou ao Fundo Monetário Internacional a levar em consideração seu desempenho ambiental em meio à renegociação de sua dívida.
“O pedido de mais financiamento é a única questão em que a região tem uma posição comum, considerando que a América Latina é altamente vulnerável aos efeitos da crise climática”, disse María Laura Rojas, coordenadora da ONG Transforma. “Em outras questões, no entanto, existem diferenças importantes entre os governos”.
Os países latino-americanos se unem em torno de certos interesses comuns nas negociações sobre o clima e negociam em vários blocos, muitas vezes sobrepostos.
São oito os que formam a Aliança Independente da América Latina e do Caribe (Ailac), por exemplo, que publicou uma carta no final da COP26 pedindo mais financiamento e mais ambição. A Bolívia e o grupo Alba, que inclui Cuba, Nicarágua e Venezuela, se contrapuseram aos mercados de carbono propostos e desenvolvidos por países ricos. Enquanto isso, Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, que têm lutado para chegar a um consenso no bloco do Mercosul, se comprometeram a trabalhar juntos, com foco no apoio ao setor agrícola em meio a pedidos por mais reduções de emissões.
“A questão mais importante na crise climática são as emissões de energia, mas se os países quiserem atingir a neutralidade de carbono, terão que se fazer perguntas difíceis, incluindo o papel da agricultura”, disse Enrique Maurtua Konstandinidis, assessor climático sênior da ONG argentina Farn durante a cúpula. “O mundo está entrando em uma transição e escolhendo outros produtos”.
Promessas na COP26
O Brasil apresentou compromissos ambientais que aparentam ser ambiciosos, entre eles um programa de “Crescimento Verde”, para o qual o governo disse que atrairia investimentos e geraria empregos sustentáveis. No entanto, especialistas estão pouco otimistas com o anúncio, adiantado internamente antes da cúpula.
Ao lado de mais de cem países, o Brasil também assinou um compromisso na COP26 para conter a perda de florestas e restaurar áreas degradadas até 2030 — uma promessa já feita pelos estados-membros da ONU no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 15.2, de 2020.
5%
Foi o aumento do desmatamento da Amazônia em outubro, na comparação com o mesmo mês no ano passado
A maior economia da América Latina também enfrentou acusações de greenwash pelos críticos ao revelar suas promessas em seu pomposo pavilhão do Brasil, adornado com folhagem artificial e o logotipo da CNA, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária.
A piora na proteção florestal durante o governo de Jair Bolsonaro ganhou destaque durante a COP26, já que os dados mostraram que o desmatamento aumentou 5% em outubro em comparação com o mesmo mês do ano passado, um recorde histórico desde o lançamento do programa de monitoramento Deter em 2016.
“Todos nós sabemos que o que o Brasil apresentou na COP não é o que realmente está acontecendo no país”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, ao Diálogo Chino. “A única maneira de as promessas serem cumpridas é Bolsonaro não estar no cargo. A próxima eleição presidencial será uma escolha entre a Amazônia e Bolsonaro”.
Embora o presidente brasileiro não tenha viajado para Glasgow, governadores estaduais o fizeram, prometendo implementar planos climáticos independentemente do líder federal em Brasília. Outros presidentes latino-americanos participaram dos primeiros dias da cúpula, incluindo Iván Duque (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Luis Arce (Bolívia), Alberto Fernández (Argentina) e Carlos Alvarado (Costa Rica). Em discursos na plenária, eles destacaram compromissos anteriores e fizeram novas promessas.
Lasso anunciou uma nova área marinha protegida (AMP) ao redor das Ilhas Galápagos, estendendo-se por 60 mil quilômetros quadrados, a ser financiada pela chamada “troca de dívida pela natureza” — a maior de todos os tempos, argumentou. Duque também introduziu novas AMPs para a Colômbia, adicionando 160 mil quilômetros quadrados a uma área já protegida.
Costa Rica, Colômbia, Equador e Panamá apresentaram um plano para conectar suas AMPs em um único corredor que servirá como um dos bolsões de biodiversidade oceânica mais ricos do mundo. Será um corredor livre de pesca cobrindo mais de 500 mil quilômetros quadrados, em uma das rotas migratórias mais importantes do mundo para muitas espécies.
Um grupo de 109 países — incluindo Argentina, Uruguai, México, Brasil e Uruguai — também assinou o compromisso de reduzir suas emissões de metano em 30% entre 2020 e 2030. O metano é um gás de efeito estufa liberado na atmosfera por meio de atividades humanas, notadamente da pecuária.
“A produção de gado inteligente para o clima não só tem vantagens ambientais, mas também dá aos agricultores um lucro maior. Nosso país pode ter um papel de liderança nisso”, disse Adrián Peña, ministro do Meio Ambiente do Uruguai, ao Diálogo Chino. “Assinar o compromisso de emissões de metano fez todo o sentido. Por que não assinaríamos se já estamos trabalhando nisso?”
Caminhos da descarbonização na América Latina
Como parte do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, os países precisam traçar um caminho para chegar à metade do século com economias descarbonizadas. Para os governos latino-americanos, isso significa fazer planos difíceis de longo prazo para toda a economia, cobrindo a energia, agricultura e muito mais.
51%
É a meta de redução de emissões da Colômbia para 2030
Junto com o aumento da promessa de redução de emissões de 51% até 2030, a Colômbia lançou oficialmente seu plano de longo prazo para alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Ele inclui ações de proteção florestal e consumo e produção sustentáveis, desenvolvimento rural, cidades resilientes, fontes de energia diversificadas e mobilidade elétrica.
“Se quisermos ser neutros em carbono, temos que parar o desmatamento, melhorar a gestão de terras agrícolas e depender menos de combustíveis fósseis”, disse o ministro do Meio Ambiente da Colômbia, Carlos Correa, na cúpula. “Essas são as áreas-chave para reduzir nossas emissões para que, por meio de nossa biodiversidade e reflorestamento, possamos ser neutros em carbono.”
No entanto, o país agora se encontra com o desafio de quantificar os custos de seus planos de redução de emissões e trabalhar com parceiros internacionais para alcançá-los, disse Alex Saer Saker, diretor de mudança climática e gestão de risco do Ministério do Meio Ambiente da Colômbia.
“É realmente importante porque não se trata apenas de cooperação de recursos, mas também de cooperação técnica”, disse ele, apontando que pesquisadores de organizações como o Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo foram cruciais no cálculo de emissões e cortes possíveis. “É uma necessidade para todos os países que talvez não tenham a experiência para apresentar os números”, acrescentou.
Saer também destacou mudanças nos processos de licitação para projetos de energias renováveis e reduções tarifárias na importação de veículos elétricos como elementos vitais que permitiram à Colômbia seguir a Costa Rica a se comprometer com a descarbonização.
Embora o texto final de Glasgow não tenha mantido o fim do uso da energia a carvão, Saer reconheceu que a COP26 ecoou fortes sinais sobre o futuro de uma commodity da qual a Colômbia depende para suas receitas de exportação. “Todas as ações que os países vêm tomando em relação ao uso do carvão vão mudar o mercado. Essas empresas que exportam carvão precisarão identificar outras fontes de negócios e se diversificar”, afirmou.
O Chile também anunciou sua estratégia de longo prazo na COP. O país espera ter uma matriz energética com emissões zero até 2050, além de reduzir as emissões do setor de mineração e industrial em 70% e introduzir planos de recuperação e conservação para 30% a 50% das espécies ameaçadas.
Assim como o Uruguai, o Chile assinou na cúpula uma declaração para que as vendas de novos carros e vans tenham emissões zero até 2040. A Costa Rica também iniciou uma nova coalizão com um grupo de 11 outros países para acabar com novas concessões, licenciamentos ou leilões para a produção de petróleo e gás.
Esperava-se que a Argentina também apresentasse seu roteiro para 2050, mas decidiu adiá-lo em meio ao lobby de grupos agrícolas antes da cúpula. Em vez disso, o governo oficializou sua melhoria de 2% na meta de 2030. O governo vai aumentar os investimentos no setor de combustíveis fósseis à medida que novas licitações para renováveis são colocadas de lado.
A cúpula do clima do próximo ano acontecerá em Sharm El-Sheikh, Egito, e ativistas esperam que as questões-chave de adaptação e perdas e danos recebam atenção urgente e tenham o avanço necessário. Governos latino-americanos e outros governos precisarão voltar com melhores compromissos climáticos, para mostrar ao mundo que, em meio a secas, inundações e elevação do nível do mar, eles têm estratégias e vontade de se esforçarem.