Depois de um 2021 cheio de altos e baixos, o mundo espera um 2022 mais estável. A resiliência e a recuperação da pandemia da Covid-19 podem continuar a dominar as manchetes e a tomada de decisões na América Latina e no Caribe, mas também é provável que ocorram desenvolvimentos importantes no meio ambiente e nas relações da região com a China. O Diálogo Chino conversou com especialistas de toda a região para saber no que eles estarão de olho no ano que se inicia.
Gabriel Boric toma posse no Chile
O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, toma posse em março. Jovem congressista da coalizão de esquerda Apruebo Dignidad, Boric enfatizou em sua campanha temas como o meio ambiente, os direitos humanos e a proximidade com demais países latino-americanos.
Andrés Bórquez, coordenador de estudos da China na Universidade do Chile, em Santiago, disse que Boric deve manter uma boa relação com a China. Como os dois países miram em um desenvolvimento mais sustentável, essa área pode ser uma boa oportunidade de cooperação, avalia o especialista.
“A China continuará sendo um parceiro comercial fundamental para o Chile, e um grande investidor. Não acredito que Boric se alinhe mais à China ou aos EUA”, disse Bórquez. “Haverá provavelmente padrões mais altos para investimentos estrangeiros, que terão que ser mais sustentáveis e com a criação de valor agregado para o país”.
Acordo de Escazú realiza primeira cúpula
O Acordo de Escazú, primeiro acordo ambiental regional na América Latina e Caribe, entrou em vigor em abril de 2021 após sua ratificação por 12 países da região. Ele tem como objetivo aumentar a proteção dos ativistas ambientais e garantir a participação pública nas decisões sobre meio ambiente. Os governos signatários estão dando os primeiros passos para implementar o acordo e devem se reunir com membros da sociedade civil na primeira cúpula de Escazú em abril deste ano no Chile.
Aída Gamboa, coordenadora da pasta sobre a Amazônia na ONG peruana Derecho, Ambiente y Recursos Naturales, disse que as organizações latino-americanas estão preparando propostas para levar à cúpula e que acompanham a situação de países que ainda não ratificaram o acordo, como Peru, Guatemala, Colômbia e Brasil.
“Os países que ratificaram o acordo estão avançando em sua implementação, trabalhando em estreita colaboração com a sociedade civil. México, Equador, Santa Lúcia e Argentina estão entre os mais avançados. Ter recursos estatais será muito importante para conseguir uma mudança real para os ativistas do meio ambiente”, disse Gamboa.
Eleições poderiam mudar a relação do Brasil com a China?
O ano de 2022 é crucial para o Brasil, que escolherá seu próximo presidente em 2 de outubro. O presidente Jair Bolsonaro busca um segundo mandato, mas as pesquisas mais recentes mostram uma clara liderança para o candidato de esquerda e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujos mandatos ocorreram entre 2003 e 2010.
Até lá, pouco deve mudar na abordagem do Brasil em relação à China, segundo Tatiana Prazeres, membro sênior do Centro para a China e a Globalização (CCG), um think tank sediado em Beijing. Prazeres avalia que 2022 seja um ano de continuidade, sem “gestos abruptos” do Brasil. “O embargo à carne [que a China impôs por três meses em 2021] fez com que muitas pessoas se dessem conta dos riscos desta relação. Eu não vejo uma mudança de 180 graus na atitude do Brasil em relação à China este ano”, disse a analista.
Esse ponto de vista é ecoado por Maurício Santoro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que notou uma mudança significativa na abordagem de Bolsonaro em relação à China com o início da campanha de vacinação no Brasil em janeiro de 2021. Até então, Bolsonaro dava sinais mistos ao visitar Taipei — e não Beijing — durante sua campanha presidencial de 2018 e fazia uma série de declarações pouco diplomáticas sobre o país asiático em 2020.
Eu não vejo uma mudança de 180 graus na atitude do Brasil em relação à China este ano
“Não apenas outros políticos ganharam relevância nacional, como João Doria [governador de São Paulo], mas o Brasil também percebeu o quanto é dependente dos suprimentos chineses, como respiradores, equipamentos médicos e máscaras. Isso obrigou Bolsonaro a se adaptar”, diz o professor da Uerj.
O cenário político pode mudar se Lula vencer as eleições, redirecionando a política externa brasileira do atual isolacionismo para o multilateralismo. Caso Lula vença, Santoro acredita ser “perfeitamente possível” que o Brasil possa se juntar à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, em inglês).
O Brasil também pode sofrer as consequências da crise imobiliária e do crescimento econômico mais lento da China em 2022. Como um dos maiores fornecedores de minerais do país asiático, qualquer mudança no setor de construção civil da China pode afetar significativamente a indústria de mineração brasileira. Sozinho, o minério de ferro representou 9% das exportações brasileiras para o país asiático em 2020.
O crescimento econômico mais lento da China “terá um impacto muito negativo sobre a Vale e outras empresas de mineração no Brasil”, disse Santoro.
Celac pode impulsionar cooperação regional com a China?
Um fórum virtual entre a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (Celac) e a China, ocorrido em dezembro de 2021, levou à criação de um plano de cooperação de 2022 a 2024. Ele traça objetivos para parcerias entre a China e as nações latino-americanas e serve como um guia de prioridades nos próximos anos. Suas aplicações, no entanto, ainda estão “pouco claras“.
A Celac é um mecanismo intergovernamental de diálogo composto por todos os 33 países da América Latina e do Caribe. De acordo com Evan Ellis, professor de estudos latino-americanos do Instituto de Estudos Estratégicos do Colégio de Guerra do Exército dos EUA, o plano deixa claro que a China vê a Celac “como um veículo estratégico para o envolvimento multilateral com o hemisfério e abraça explicitamente o fortalecimento da Celac como uma instituição”.
Ainda, o plano traça metas amplas em seis áreas prioritárias. De particular interesse é a intenção da China de apoiar projetos que beneficiem o desenvolvimento econômico e social sustentável, “favorecendo particularmente os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, os países costeiros que ficam abaixo do nível do mar e os países do istmo centro-americano”.
O plano também destaca o desenvolvimento sustentável, a infraestrutura, as telecomunicações e a geração de eletricidade; o fortalecimento do intercâmbio e da cooperação em energia nuclear e tecnologia; a cooperação para o combate às mudanças climáticas; a colaboração contínua na Antártica, entre outros.
Iniciativa Cinturão e Rota avança na América Latina
Depois de um hiato de dois anos ocasionado pela pandemia da Covid-19, o principal plano de infraestrutura global, a BRI, da China, deve ganhar um impulso na América Latina, à medida que a região se recupera financeiramente. Tanto por meio da BRI como de outros mecanismos de desenvolvimento chineses relevantes para a América Latina, pode haver uma ênfase renovada na sustentabilidade, segundo Guo Cunhai, coordenador do Centro de Estudos da China e da América Latina.
O desenvolvimento verde estará na lista de prioridades para a cooperação China-América Latina nesse novo ano
“Com a adesão da Nicarágua à BRI em janeiro de 2022 e o alto potencial argentino de adesão durante a visita oficial do presidente Alberto Fernández à China em fevereiro, a BRI deverá se expandir na região em 2022”, disse Guo ao Diálogo Chino.
“Ao mesmo tempo, a Iniciativa de Desenvolvimento Global, proposta pela China na Assembleia Geral da ONU em setembro, também foi incluída no Plano de Ação Conjunta Celac-China para 2022-2024, o que significa maior cooperação em meio ambiente e desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento verde estará na lista de prioridades para a cooperação China-América Latina nesse novo ano”, acrescenta Guo.
Mais mineração, mais conflitos sociais
Espera-se um novo boom no setor de mineração em toda a América Latina em 2022, trazendo consigo conflitos, como aponta José de Echave, economista e ex-vice-ministro do Ministério do Meio Ambiente do país. “Estamos entrando em um ciclo de bonança minerária, como vivemos entre 2003 e 2012. E esta situação vai gerar uma pressão muito forte onde estas atividades são desenvolvidas”, disse Echave ao Diálogo Chino.
Aqueles que buscam desenvolver a mineração, acrescenta Echave, “vão procurar acelerar projetos, processos de produção, e tudo isso gerará conflitos sociais. Isso acontece em todo o mundo, e os governos, assim como empresas de mineração, têm que ser muito claros sobre isso”.
Em meio a esta “bonança” em potencial, as atividades de mineração devem sofrer maior escrutínio de autoridades, que também devem garantir que os benefícios sejam compartilhados e os danos evitados.
“As empresas têm que cumprir com o pagamento de seus impostos e submeterem-se ao controle e à supervisão do governo. E o governo, em todos os níveis, deve administrar bem suas receitas e atender às necessidades da população. Esta é a única maneira de evitar os conflitos que se seguirão”, diz Echave.
Segundo o economista, as reformas fiscais no setor de mineração já estão sendo discutidas em vários países da América Latina, como o Peru, Colômbia, México e Chile. “Países vão procurar captar mais recursos. No Peru, o Executivo está pedindo ao Congresso poderes para realizar a reforma que permitirá ao país ter maior renda e aproveitar a bonança”, explica Echave. “Vamos ver o que acontece.”
Diversificação na agricultura colombiana
A Colômbia está com eleições presidenciais marcadas para maio deste ano, e uma das questões ambientais latentes na agenda é deter o desmatamento no país. “O fracasso de Juan Manuel Santos e Iván Duque nessa questão foi enorme”, disse ao Diálogo Chino Manuel Rodríguez Becerra, renomado ambientalista e ministro do Meio Ambiente da Colômbia entre 1993 e 1996.
“A única maneira de evitar o desmatamento é com a presença do Estado em todos os lugares. E para conseguir isso, você precisa de um investimento de milhões de dólares”, diz Rodríguez Becerra.
Somos um país cuja economia é baseada no carvão e no petróleo, e precisamos diversificar
O ex-ministro do Meio Ambiente observa, porém, desafios a este respeito: “Mobilizar os militares, a polícia, fornecer bens públicos como saúde, educação, gerar emprego — tudo isso é algo muito complexo e caro, muito além das condições da Colômbia, especialmente agora na situação em que a pandemia está nos deixando”.
Rodríguez Becerra propõe soluções: “Temos dez milhões de hectares de terras para dedicar à agricultura. Somos um país cuja economia é baseada no carvão e no petróleo, e precisamos diversificar. Precisamos buscar uma agricultura que possa resistir à investida das mudanças climáticas, aumentar a produtividade e gerar mais empregos”.
O ex-ministro vai além e sugere que é preciso investir mais em ciência e tecnologia, com a ajuda de novos parceiros. “O setor privado será fundamental, e o novo governo deve promover o investimento privado, porque o déficit atual é muito grande”, avalia.
Rodríguez Becerra disse também que o investimento chinês na Colômbia “ainda não é alto”, mas que a agricultura pode proporcionar uma oportunidade “interessante” para mudar isso.
De olho no lítio: a corrida acelera
Apesar de a pandemia ter causado crises econômicas em muitos países, a indústria de veículos elétricos (VEs) cresceu em 2021, aumentando os riscos geopolíticos da produção de lítio. As reações à mineração do lítio, conhecida pelo uso intensivo da água e por gerar poluição, estão cada vez mais fortes, de acordo com Thea Riofrancos, professora de ciência política da Faculdade de Providence, instituição de ensino dos Estados Unidos.
“Em todas as dimensões [da indústria do lítio], há mudanças importantes, e algumas são preocupantes tanto do ponto de vista da cooperação global quanto dos impactos ambientais locais”, disse Riofrancos ao Diálogo Chino. “Há uma pegada geográfica bastante concentrada em apenas um pequeno grupo de países”, acrescentou, referindo-se ao chamado “Triângulo do Lítio” de Argentina, Bolívia e Chile.
“O lítio é considerado um mineral estratégico para a eletrificação do transporte. Ao contrário de outros materiais da bateria, não pode ser substituído. Todas as baterias recarregáveis que vão nos VEs envolvem lítio”, disse Riofrancos. “Isso significa que todos os olhos estão voltados para o lítio”.