Entre 2019 e 2020, Nancy Martínez avistava de sua casa na periferia de Poza Rica, município a 270 quilômetros da Cidade do México, nuvens de fumaça que saíam de uma petrolífera. Elas vinham de maçaricos permanentemente acesos, usados para separar os fluidos extraídos de poços de petróleo em água, petróleo e gás comercial. Mas no processo havia também a liberação do metano, gás inflamável e altamente poluente.
De dia, a queima de gás ao lado da casa de Martínez manchava o céu e, à noite, salpicava a escuridão com chamas. “Eles queimavam o tempo todo”, lembra. “O maçarico maior tinha uma chama mais intensa à noite, a tal ponto que sentíamos o calor e ouvíamos o barulho dele. Cheirava muito mal, como algo podre, mesmo que tapássemos a boca e o nariz”.
O metano é responsável por pelo menos um quarto do aquecimento global, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O gás chega a ser até 86 vezes mais potente na retenção de calor do que o dióxido de carbono, embora tenha uma vida útil mais curta na atmosfera. Suas fontes mais conhecidas são os combustíveis fósseis, as emissões provenientes do gado e a decomposição de resíduos orgânicos em aterros sanitários. Em Poza Rica, habitada por 189 mil pessoas e dezenas de poços de petróleo, o metano está por todos os cantos. Muitos de seus habitantes sofrem com doenças respiratórias, incluindo Martínez, que é asmática desde criança e tem constantes dores de cabeça. “Piorou durante o tempo em que vivi lá, sentia falta de ar”, conta.
Para o México, o metano representa uma ameaça ao meio ambiente e a seus compromissos climáticos. O país comprometeu-se com reduções nas emissões de metano por meio de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs), estabelecidas no Acordo de Paris, e do Compromisso Global de Metano, assinado recentemente.
Mas o país está atrasado no cumprimento de suas metas embora seja um dos maiores emissores de metano do mundo. Ele emitiu mais de um milhão de toneladas do gás em 2020, de acordo com o banco de dados de monitoramento do metano da Agência Internacional de Energia.
Caminho difícil para o México
Anaid Velasco, coordenadora de pesquisa da ONG Centro Mexicano de Direito Ambiental (Cemda), explica que existem várias maneiras de se reduzir essas emissões, seja por meio de tecnologia, vias legais ou regulamentações. Mas, para se implementar efetivamente qualquer abordagem, primeiro é necessário superar as limitações atuais — notadamente os atrasos na aplicação das regras e a influência do setor de hidrocarbonetos. Além disso, é preciso atualizar a forma de calcular as emissões de metano.
Você sabia?
O México está entre os 15 maiores produtores de petróleo e gás do mundo desde 2015
Nos Estados Unidos, o plano de ação do metano da Casa Branca, publicado em novembro de 2021, inclui incentivos financeiros para emissores que contiverem a poluição de metano. Já o México não oferece tais incentivos e pode estar emitindo mais metano do que o informado oficialmente, segundo a ONG Fundo de Defesa Ambiental (EDF, na sigla em inglês), com base na análise de dados aéreos e de satélite registrados entre 2018 e 2019.
Isso mostra, segundo a EDF, que os inventários oficiais são baseados em cálculos genéricos, e não na realidade do país. Além disso, a ONG ressalta que o país latino-americano libera na atmosfera 4,7% do metano que produz, uma taxa de escape superior aos 2,3% dos EUA e descrita como “alarmante” por cientistas do estudo.
Desde 2015 que o México está entre os 15 maiores produtores de petróleo e gás do mundo e suas promessas de redução até agora não foram bem sucedidas. Sua primeira CND, estipulada em 2014, definiu uma redução de 25% no escape, na ventilação (liberação controlada) e na queima de gás. A meta deve ser cumprida até 2030 e se baseia nas emissões de 2013.
Combate ao metano na América do Norte
O México fez um acordo com o Canadá e os Estados Unidos em 2016 para reduzir entre 40-45% até 2025 as emissões de metano do setor de petróleo e gás, em comparação com os níveis de 2012. O plano foi interrompido quando Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos em 2017 e reverteu diversas políticas ambientais.
Em novembro de 2021, os presidentes do Canadá, Estados Unidos e México reavivaram o pacto durante a Cúpula de Líderes da América do Norte, comprometendo-se a reduzir a poluição de todos os setores, particularmente de gás e petróleo.
Houve também um impulso na COP26, realizada na mesma época em Glasgow, quando foi lançado o Compromisso Global de Metano. O acordo tem como objetivo reduzir as emissões do gás em 30% até 2030, em comparação com os níveis de 2020. Mas o progresso tem sido lento.
Regulamentação de metano obsoleta
Produtores estatais e privados de petróleo e gás deveriam apresentar ao governo mexicano seus planos de prevenção e controle das emissões de metano. Entretanto, pedidos de acesso à informação pública mostram que, alguns dias após o prazo, a Agência Nacional de Segurança, Energia e Meio Ambiente (Asea) — estatal mexicana que regulamenta o setor — ainda não os havia recebido.
Uma perda bilionária
De acordo com a EDF, a combustão e ventilação podem resultar em perdas de cerca de R$ 1 bilhão anualmente. Essa perda poderia ser evitada com o aumento do investimento em tecnologia para capturar o metano e usá-lo em processos industriais.
A gigante estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) deveria iniciar a implementação do plano de prevenção e controle das emissões de metano a partir de 1º de janeiro, mas nem ela nem suas subsidiárias apresentaram propostas. Produtores privados também não entregaram ainda suas estratégias à estatal mexicana que regulamenta o setor, Asea, segundo um pedido de acesso à informação feito pelo Diálogo Chino.
Jonathan Banks, diretor internacional de metano da Clean Air Task Force, uma ONG sediada em Boston, diz que o México deve colocar o regulamento em prática. “Não fica caro [interromper os escapes, a combustão e a ventilação], e é a maneira mais barata de se reduzir as emissões”, disse Banks ao Diálogo Chino. “O México tem que alocar recursos para essas medidas. Há muitos benefícios de se reduzir essas emissões”.
Os benefícios também serão financeiros: de acordo com a EDF, a combustão e ventilação podem resultar em perdas de cerca de US$ 200 milhões (mais de R$ 1 bilhão) anuais, as quais poderiam ser evitadas com o aumento do investimento em tecnologia para capturar o metano e usá-lo em processos industriais.
O México tem que alocar recursos para essas medidas. Há muitos benefícios de se reduzir essas emissões
Velasco, coordenadora da Cemda, exige uma ação urgente contra o metano. “Não podemos permitir mais atrasos, especialmente em um contexto em que tanto a emergência climática quanto os compromissos internacionais recentemente assinados exigem que o México seja mais responsável em seu cumprimento”, diz a pesquisadora, acrescentando que outras medidas serão necessárias para a redução de emissões em outros setores.
Já Nancy Martínez, da periferia de Poza Rica, decidiu se mudar para longe da fábrica que enchia seus pulmões de ar poluído com metano. Sua saúde melhorou, mas muitos habitantes locais parecem condenados a viver entre os poços e a poluição.
“Será difícil remover os poços, mas as autoridades podem regular melhor as empresas”, disse.