Após liderar a transição energética da América Latina, com 94% de sua eletricidade gerada por energias renováveis entre 2017 e 2021, o Uruguai está agora garantindo um modelo mais sustentável na construção civil, com edifícios e arranha-céus feitos de madeira.
Dois empreendimentos recentes impulsionam o setor no Uruguai: a construção da primeira fábrica da América do Sul de madeira laminada cruzada (CLT) — produto visto como alternativa sustentável ao concreto e aço — e o anúncio do governo de uma estratégia para a construção de moradias sociais com madeira.
Para seguir avançando, o Uruguai terá que rever suas regulamentações da construção civil. Até agora, algumas mudanças já foram introduzidas e outras estão sendo preparadas. Também precisará envolver a indústria e a academia para capacitar trabalhadores às políticas ambientais nacionais e globais. A construção civil responde por 9% das emissões de carbono do país sul-americano — isso sem contar as emissões do transporte no setor.
A superação desses desafios pode ajudar o Uruguai a dar mais um passo em direção a sua meta de uma economia neutra em carbono até 2030.
Vantagens da madeira
Embora a madeira seja um material usado no setor da construção civil há bastante tempo, ela perdeu protagonismo a partir da Revolução Industrial, com a ascensão do uso de ferro, vidro, aço e, mais tarde, cimento.
Hoje, apenas 18% da população mundial vive em casas de madeira — e muito menos é utilizada na construção de estruturas públicas, comerciais e industriais.
Contudo, todo o ciclo de produção, transporte e construção usa combustíveis fósseis. Uma árvore, por outro lado, segue uma lógica diferente: ela sequestra carbono à medida que cresce e pode ser transformada em madeira utilizando métodos menos poluentes. Em comparação com outros produtos não renováveis (como o cimento ou aço), produtos feitos de madeira são responsáveis por menos emissões em seu ciclo de vida.
Para cada quilograma de carbono de madeira utilizado na construção, cerca de 1,2 kg de emissões de carbono pode ser poupado, de acordo com um estudo do Instituto Europeu de Florestas.
Ainda, de acordo com uma pesquisa das universidades de Yale e Washington, “a madeira pode reduzir de 14% a 31% das emissões globais de CO2 e 12% a 19% do consumo global de combustíveis fósseis”.
O que é madeira laminada cruzada (CLT)
O desenvolvimento da CLT começou na Áustria nos anos 1990, e hoje o material aguenta o peso de um edifício de 25 andares, além de reduzir riscos de incêndio e aumentar a resistência à umidade e às pragas. Em 2022, uma torre de 86,5 metros de altura foi inaugurada nos Estados Unidos, tornando-se a mais alta estrutura do mundo feita com CLT.
Os painéis CLT, utilizados nos projetos, servem para estruturas como paredes internas, lajes, colunas, vigas e outros. Esse é “o produto de destaque internacional na construção de edifícios de madeira”, escreveu Daniel Godoy, professor de arquitetura da Universidade da República em Montevidéu, em um estudo de 2019.
Além disso, os painéis de CLT têm vantagens ambientais em todo o seu ciclo, desde a plantação das árvores até o processo industrial, transporte, montagem e consumo de energia, além de ter melhor isolamento térmico em relação aos demais materiais.
Para construir um edifício de 20 andares de concreto e aço, aproximadamente 1,26 tonelada de carbono é emitida, de acordo com Michael Green, arquiteto e especialista em construção com madeira. A mesma construção feita com madeira poderia sequestrar 3,6 toneladas de carbono durante o crescimento das árvores utilizadas na construção.
Empreendedores por trás da CLT
A construção da fábrica de CLT no Uruguai pode aumentar a disponibilidade de um insumo que, de outra forma, seria escasso na região. Seja para o mercado local ou regional, aumentar a oferta de CLT é necessário para transformar o setor da construção civil.
Em abril de 2021, o empresário uruguaio Matías Abergo fez uma parceria com o investidor americano Mike Crandall para comprar a serraria Frutifor por US$ 25 milhões. Juntos, Abergo e Crandall fundaram a empresa Arboreal e destinaram outros US$ 34 milhões para transformá-la em uma fábrica de CLT, prevista para entrar em operação até dezembro.
Mas Crandall nem sempre se interessou por negócios verdes. Ex-empresário do setor de petróleo, fez fortuna na indústria de combustíveis fósseis e hoje se diz arrependido pelos “erros do passado”. Nos anos 1980, trabalhou como trader de petróleo da Morgan Stanley e Glencore, antes de co-fundar a gigante petrolífera Trafigura Group em 1993.
Mas em 2006, Crandall diz que tomou um novo rumo ao criar a Postscriptum, grupo de capital de risco que investe em energias renováveis.
Crandall comprou uma casa no Uruguai que precisava de reformas. Para realizá-las, contratou o Grupo Enkel, construtora de Abergo, que mais tarde atraiu seu interesse com a construção da maior fábrica de CLT da América do Sul, a ser localizada no Uruguai.
Boom da indústria madeireira
Em 2018, o Grupo Enkel construiu um complexo de seis edifícios de madeira de três andares e 1.800 metros quadrados em José Ignacio, uma cidade litorânea do país, para a Vik, uma rede de hotéis. Foi um exercício pioneiro na América do Sul.
O projeto ficou de pé em poucos meses, utilizando 504 metros cúbicos de madeira laminada colada — um material similar a CLT, todos importados da Itália.
Mas por que utilizar materiais importados? Os painéis são feitos com madeira de pinheiros jovens (de 10 a 15 anos de idade), um recurso existente no Uruguai, mas que é amplamente exportado em toras, trazendo pouco valor agregado para a economia do país.
A capacidade instalada das serrarias domésticas de pinus permite o processamento de três mil a quatro mil hectares de floresta madura por ano. A área de plantações de pinus necessária para atender a esse volume está entre 60 mil e 80 mil hectares; a área total plantada do país é atualmente mais que o dobro desse último número.
A Arboreal estima que o volume de árvores maduras do país é mais do que suficiente para o processamento industrial de 600 mil metros cúbicos de placas de CLT por ano — uma produção que deve ser atingida no curto prazo, com 50% a 60% destinados ao mercado interno, e o restante, para exportação.
Mudança de paradigma
Qualquer “mudança de paradigma” é vista como complexa pelo setor. Julio Canarano, membro e consultor da Associação de Desenvolvedoras Privadas de Construção do Uruguai (Appcu), avalia como positiva a estratégia do governo uruguaio.
No entanto, Canarano disse que “sempre foi difícil para o Uruguai abrir-se a materiais alternativos na construção porque a indústria é muito tradicional”. Ele deu como exemplo a lentidão do país em incorporar o uso do gesso quando ele já era amplamente utilizado em outras partes do mundo.
A Arboreal disse ao Diálogo Chino que o mercado está começando a se mover, com muitos clientes fazendo consultas e vários arquitetos interessados em aprender mais sobre o uso de CLT. A empresa participou pela primeira vez de uma feira do setor da construção civil em Montevidéu. O grupo considera necessário informar o público, já que persiste um preconceito de que “a madeira queima, dá cupim e apodrece”.
Segundo a Appcu, um outro desafio é o de capacitar a força de trabalho do país. O ciclo de treinamento envolve universidades e a PIT-CNT, uma central sindical nacional.
Sempre foi difícil para o Uruguai abrir-se a materiais alternativos na construção porque a indústria é muito tradicional
Eduardo Burgos, da PIT-CNT, disse ao Diálogo Chino que eles estão interessados não apenas em treinar trabalhadores e técnicos, mas também em aprender sobre o sistema, a fim de avaliar se é viável utilizá-lo para a construção de moradias por cooperativas. Segundo agências governamentais, há um déficit de 60 mil a 70 mil casas no Uruguai.
“Temos um diálogo bastante fluido com a Arboreal. Estamos fazendo um orçamento para que uma de nossas cooperativas veja quanto custará o metro quadrado”, disse Burgos. A empresa estima o valor de cerca de US$ 1.100 por metro quadrado, de acordo com a cotação de maio apresentada pela Arboreal em um documento ao Ministério da Habitação.
A PIT-CNT também acredita que “o modelo de produção não pode ser o de exportar toras, mas sim o de agregar valor, conhecimento e tecnologia a esses processos” e avalia que é a favor de “sistemas não tradicionais que tornam a construção mais barata”. Tanto a serraria e a fábrica de CLT, como os processos associados às plantações de pinus e à distribuição dos materiais, podem gerar empregos.
Um relatório de 2021 da Uruguai XXI, agência governamental de promoção comercial, avaliou que há grande disponibilidade de pinus para os próximos 20 anos, com picos de volume muito grandes no futuro próximo. “Uma média anual de mais de três milhões de metros cúbicos que excede de longe a capacidade industrial instalada do Uruguai”.