A República Dominicana sediou, pela primeira vez, a Semana do Clima da América Latina e Caribe (LACCW) entre 18 e 22 de julho. Trata-se de uma das principais reuniões da ONU para a discussão climática regional e um passo importante para a definição do tom antes da Conferência do Clima da ONU (COP27), programada para novembro no Egito.
Em Santo Domingo, capital do país, a LACCW recebeu cerca de 1.700 representantes de governos, organizações internacionais, setor privado e sociedade civil. Além disso, mais de 160 sessões discutiram os riscos climáticos, a transição para economias neutras em carbono, entre outras questões.
A República Dominicana sediou a reunião apesar de turbulências recentes. O novo ministro do Meio Ambiente, Miguel Ceara Hatton, foi nomeado após o assassinato de Orlando Jorge Mera, então coordenador da pasta e assassinado a tiros em seu escritório em junho. O ex-ministro, reconhecido por seu ativismo ambiental, foi morto por seu amigo de infância, Miguel Cruz. Isso porque Mera teria se recusado a conceder licenças ambientais à exportação de baterias usadas por um dos negócios de Cruz.
Santo Domingo se tornou a “capital regional do clima” em um momento em que a atenção mundial está dividida entre crises econômicas e sanitárias, além da guerra na Ucrânia, deixando pouco espaço para o combate ao aquecimento global, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris. Ainda assim, de acordo com os organizadores, a LACCW apresentou seu progresso e deu passos cruciais para a COP27.
“Depois de passar vários dias na Semana do Clima da América Latina e Caribe deste ano, vi que os países da região estão avançando. Também vi o potencial para acelerar a ação climática”, afirmou Ovais Sarmad, vice-secretário-executivo da ONU para as mudanças climáticas, após a conclusão do evento, ao Diálogo Chino. “Ouvimos muitas possíveis soluções esta semana”.
Milagros De Camps, vice-ministra de cooperação internacional do Ministério do Meio Ambiente da República Dominicana, declarou na cerimônia de encerramento que a região vai liderar o caminho até a COP27. Para tal, disse ela, as nações latino-americanas devem anunciar ações claras e compartilhar soluções.
Também no encerramento do evento, Max Puig, vice-presidente-executivo do Conselho Nacional para Mudanças Climáticas da República Dominicana, enfatizou que a América Latina e o Caribe chegarão à COP27 com uma posição firme. “O tempo de nos vermos como vítimas das mudanças climáticas acabou. Embora de fato o sejamos, o momento de assumir o rumo que queremos tomar já começou”.
“Deve ficar claro para nossos povos e para o mundo que estamos falando sério e que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, não vamos parar. Vamos superar as dificuldades. Essa é a mensagem que a América Latina e o Caribe estão levando para a COP27 no Egito”.
O tempo de nos vermos como vítimas das mudanças climáticas acabou. O momento de assumir o rumo que queremos tomar já começou
Mas Adriana Vásquez, da La Ruta del Clima, organização civil que defende o direito da sociedade de participar da governança climática, chegou a uma conclusão diferente. Para ela, a reunião deixou de abordar pontos fundamentais.
“Faltou na agenda questões relacionadas à justiça climática e aos direitos humanos. Houve um silêncio total sobre questões relacionadas à criação de mecanismos para uma transição socioeconômica justa. Também não houve espaços para fortalecer uma posição regional antes da COP27”, disse Vásquez.
Até o momento da publicação desta matéria, a República Dominicana preparava o relatório oficial com as conclusões da LACCW 2022. Organizações ambientais esperam que os sentimentos expressos nos discursos se transformem em ações concretas.
Avanço da América Latina na descarbonização na la Semana do Clima
A descarbonização e a transição energética estavam entre os temas mais debatidos da agenda da Semana do Clima.
“Vimos alguns exemplos brilhantes de progresso”, disse Ovais Sarmad. “A República Dominicana se comprometeu com uma redução de 27% dos gases de efeito estufa em seus NDCs [Contribuição Nacionalmente Determinada] e os esforços para conseguir isso envolverão o setor privado como parte de uma abordagem pangovernamental”.
“Esse é exatamente o tipo de liderança que precisamos de todas as nações ao entrarmos na COP27 no Egito em novembro”, acrescentou.
O coordenador do Escritório de Mudanças Climáticas da ONU para a América Latina, Daniel Galván, também acredita que a região fez progressos nos últimos anos, especialmente no setor de energia. Galván afirmou que as economias regionais estão avançando, principalmente as do México, Chile e Colômbia.
Durante a reunião, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) publicou um estudo sobre as transformações que as economias da região precisam fazer para alcançar a “prosperidade sem carbono”. O documento identifica 15 mudanças que podem ajudar a alcançar reduções nas emissões de eletricidade, transporte, agricultura, uso da terra, construção, indústria e gestão de resíduos.
De acordo com o estudo, onze países da América Latina se comprometeram a alcançar zero emissões líquidas, a maioria até meados do século. Se bem feita, a transição para uma economia neutra em carbono pode criar 15 milhões de novos empregos e um crescimento adicional de 1% do PIB até 2030, afirma o relatório.
Desafios para a descarbonização
O financiamento é um aspecto-chave para alcançar os objetivos do Acordo de Paris em todo o mundo. Para a América Latina e o Caribe, isso significa redirecionar entre 7% e 19% do PIB — até US$ 1,3 trilhão — dos gastos públicos e privados anualmente para soluções relacionadas ao clima, segundo estimativas do BID.
Sebastián Carranza, coordenador regional de Argentina, Colômbia e Costa Rica no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, disse ao Diálogo Chino que falar seriamente sobre descarbonização requer um olhar profundo e honesto sobre a participação da indústria de combustíveis fósseis na estrutura fiscal das nações da região, para a qual fornece grande volume de recursos.
Atualmente, a maioria dos países da região continua a depender fortemente dos combustíveis fósseis. Um combustível visto por muitos como alternativa, destaca Carranza, é o gás natural, que, no entanto, acelera as mudanças climáticas, além de afastar a região da descarbonização.
Carranza também adverte para os riscos de não enfrentar o crescente desmatamento na América Latina e no Caribe: “Se as florestas continuarem a ser desmatadas, estaremos cada vez mais distantes da possibilidade de descarbonização”.
Ele aponta para o grande potencial de captura de carbono das florestas, manguezais e ecossistemas marinhos, e que sua conservação é vital para que a neutralidade de carbono se torne uma realidade.
Já Sarmad prefere ser otimista e diz que a América Latina tem muitas oportunidades para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e avançar para a neutralidade de carbono. Entre os setores com maior potencial, ele cita os mercados de energias renováveis e hidrogênio verde. Sarmad também avalia que penalizar a indústria de combustíveis fósseis não é a melhor forma de contribuir para a descarbonização.
“Sim, precisamos incentivar a transição para um modelo de desenvolvimento de baixa emissão e resiliente, mas isso não deve ser feito às custas das empresas existentes ou do desenvolvimento nacional”, afirma o oficial da ONU.