A ciência que examina as mudanças climáticas continua a avançar rapidamente, e as evidências de seus impactos no mundo estão cada vez mais notáveis. Em março, o último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) alertou para mudanças dramáticas que afetam a saúde humana, os ecossistemas e as economias global e local.
Ainda que as pesquisas para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas ganhem cada vez mais espaço, há lacunas regionais de dados que prejudicam esse trabalho.
Lacunas nas pesquisas climáticas
Um estudo recente publicado no periódico Environmental Research: Climate revela uma necessidade urgente de mais informações. Constatou-se que, embora a ciência climática tenha avançado substancialmente, há grandes diferenças na compreensão desses impactos a depender da região em foco.
Um dos autores do artigo é Luke Harrington, professor da Universidade de Waikato, na Nova Zelândia. Em uma coletiva de imprensa para o lançamento da pesquisa, ele explicou que muitas regiões carecem de registros históricos ou dados de qualidade para prever o tipo e a gravidade dos potenciais eventos extremos. Por exemplo, praticamente não há registros oficiais de ondas de calor na África Subsaariana, apesar de ser um “hotspot das ondas de calor”.
Esse é um problema reconhecido por Caroline Wainwright, pesquisadora do Instituto Grantham, no Imperial College London, que estuda as mudanças climáticas de regiões tropicais. Ela afirmou ao China Dialogue que as regiões como a Europa “definitivamente foram bem mais estudadas do que lugares da África”. Isso resulta em uma visão limitada do que acontece nesses locais. Namita Chakma, professora de geografia na Universidade de Burdwan, na Índia, concorda. Ela diz que a Índia carece de informações diárias e de longo prazo das estações meteorológicas, o que compromete a análise científica. Também é difícil estudar as variáveis climáticas a nível microrregional.
A falta dessas informações nega aos países menos desenvolvidos a capacidade de se planejar, fazer o melhor uso dos recursos e aumentar as chances de as pessoas viverem com segurança e adaptadas às mudanças climáticas
Tampouco há informações suficientes para avaliar o custo social dos eventos climáticos extremos. Estudos que analisam os impactos econômicos, de infraestrutura e índices de mortes e hospitalizações são geralmente feitos em países ricos do Norte Global. O professor Harrington menciona o exemplo de um banco de dados global que registra as mortes por eventos climáticos extremos, mas cujas fatalidades na Ásia, África, América do Sul e Caribe representam uma pequena fração do todo — embora essas regiões representem 85% da população mundial. “Algumas partes do mundo têm sistemas de monitoramento muito mais robustos para acompanhar os impactos deste tipo de eventos”, concluiu Harrington.
O resultado é uma subestimativa preocupante dos efeitos das mudanças climáticas em países de renda baixa e média. Friederike Otto, professora do Instituto Grantham e coautora do estudo, disse, na entrevista coletiva, que a falta dessas informações nega aos países menos desenvolvidos a capacidade de se planejar, fazer o melhor uso dos recursos e aumentar as chances de as pessoas viverem com segurança e adaptadas às mudanças climáticas. Na África Oriental, por exemplo, há uma enorme incerteza se o clima ficará mais úmido ou mais seco, o que afeta o planejamento estatal e social, acrescenta Wainwright.
Obstáculos à pesquisa
As lacunas de pesquisa borbulham na superfície da ciência climática há alguns anos. Parte do problema é a escassez de literatura científica fora do Norte Global. Quando a Reuters publicou uma lista dos mil acadêmicos climáticos “mais influentes” de 2021, ela provocou uma enorme reação por ter listado tão poucos cientistas do Sul Global. No entanto, um levantamento da Carbon Brief sobre 1.300 autores dos cem artigos sobre o clima mais citados de 2016 a 2020 encontrou um padrão semelhante. Ele descobriu desequilíbrios notórios: oito em cada dez autores africanos eram da África do Sul; nenhum dos cem principais artigos foi liderado por um cientista da África ou da América do Sul; e dos sete trabalhos liderados por autores asiáticos, cinco eram da China.
O idioma pode ser uma barreira, assim como a capacidade de pesquisa local.
Um artigo publicado em 2018 na Nature Climate Change examinou os obstáculos enfrentados por jovens cientistas climáticos da África e constatou que as instalações inadequadas, a pesquisa subfinanciada, os dados inacessíveis e as habilidades de escrita acadêmica não desenvolvidas minaram os esforços para combater as mudanças climáticas no continente. Victor Dike, pesquisador especializado em eventos climáticos extremos na África e no leste da Ásia, disse que os pesquisadores africanos carecem de tempo e financiamento para publicar seus artigos nos periódicos mais importantes e que, nem sempre, eles têm os recursos para estar em dia com a ciência e as políticas mais recentes. “É difícil alguém fazer uma contribuição relevante dessa forma”, afirmou.
Dike observa que os pesquisadores chineses são incentivados a publicar artigos em periódicos de alto impacto e recebem um bônus em dinheiro de suas instituições. Wainwright destaca as limitações na previsão do tempo a curto e longo prazo, dizendo que isso afeta a agricultura e o planejamento dos serviços. O estudo da Environmental Research Climate cita exemplos na África do Sul, onde a corrupção desviou fundos que seriam destinados a instalações de previsão do tempo, e na Somália, onde as mudanças desordenadas de regime interromperam a coleta de dados.
Além disso, regiões como a África Oriental têm alta variabilidade climática e ainda sofrem com fenômenos como a La Niña, o que complica a coleta de dados e as previsões. Debra Roberts, diretora interina da Unidade de Iniciativas de Cidade Sustentável e Resiliente no município de Ethekwini, na África do Sul, disse que boa parte do trabalho climático da cidade não foi publicado: “Muito frequentemente, esse conhecimento fica na cabeça das pessoas”. Roberts, que também é professora honorária da Universidade de KwaZulu-Natal e membro do IPCC, disse que existe uma constante batalha para garantir que pesquisadores do Sul Global integrem os relatórios internacionais. “Melhoramos a cada ciclo de avaliação, mas ainda é algo que requer atenção; não apenas para trazer as pessoas à sala, mas para que elas sejam ouvidas quando estiverem presentes”.
A tecnologia pode ser tanto uma bênção quanto uma barreira na ciência climática. Wainwright observa que a maioria dos modelos climáticos se desenvolveu no Norte Global “e, portanto, é geralmente melhor para representar o clima dessas regiões”. Dike concorda. Ele entende que os conjuntos de dados não capturam completamente a distribuição espacial da chuva ou sua variabilidade sobre a África Ocidental.
A maioria dos modelos climáticos se desenvolveu no Norte Global e, portanto, é geralmente melhor para representar o clima dessas regiões
A inteligência artificial também é um desafio. Um documento explorando a aprendizagem de máquina no Reino Unido mostrou que a técnica pode processar rapidamente grandes volumes de texto de políticas públicas. Mas isso funciona para dados já digitalizados, “o que, em muitas partes do mundo, é uma grave limitação”. Programas multilaterais buscam desenvolver a ciência climática do Sul Global, incluindo o centro regional de treinamento da Organização Meteorológica Mundial da ONU, em Nanjing, na China, e o programa de pesquisa GCRF African Swift, financiado pela UK Research and Innovation, que visa melhorar as previsões climáticas na África. Mas há muito trabalho a ser feito.
Dike recebeu recentemente um financiamento do governo chinês para trabalhar na África Ocidental.Ele diz que o montante é necessário e bem-vindo, embora raro. Dike acrescenta que os órgãos de financiamento — seja do governo ou de empresas — têm seus interesses estratégicos ou comerciais, que não necessariamente se alinham com as lacunas de pesquisa ou com as necessidades das comunidades locais. “Eles querem resolver seus próprios problemas”, afirmou Dike.