“A ciência falou: a crise climática é o maior problema da humanidade. Ela pode acabar – e tem o potencial de acabar – com a vida no planeta e com a existência da espécie humana. A liderança política desde a primeira COP até hoje falhou em deter a causa da crise climática”.
Este foi o tom apocalíptico atingido por Gustavo Petro, presidente da Colômbia, em seu discurso na cúpula climática da COP27 no Egito.
Petro usou seu discurso para apresentar um “decálogo” de ações para enfrentar a crise climática, oferecido ao mundo devido, como ele o descreveu, à enorme quantidade de tempo desperdiçado “na guerra e na geopolítica da dominação da humanidade”.
O presidente colombiano viajou para a conferência em Sharm el-Sheikh com Susana Muhamad, uma notável ambientalista que atua como ministra do Meio Ambiente do país desde que Petro tomou posse, no início deste ano.
Cientista política em treinamento, Muhamad, 45 anos, ficou conhecida por sua feroz defesa de uma reserva natural que um ex-prefeito de Bogotá queria desenvolver. Anos mais tarde, ela foi uma das fundadoras da Fracking-Free Colombia Alliance, e passou a servir como secretária do meio ambiente de Bogotá.
Antes de sua viagem à COP 27, o Diálogo Chino entrevistou Muhamad em seu escritório em Bogotá, onde ela nos falou de seus planos para combater o desmatamento, proteger os defensores do meio ambiente, da transição energética da Colômbia e das perspectivas para a cúpula do Egito.
Diálogo Chino: Entre suas prioridades como ministra do Meio Ambiente, a primeira é combater o desmatamento?
Susana Muhamad: Isso mesmo, e o outro lado da moeda é a geração de alternativas econômicas para as comunidades que vivem nesses ecossistemas estratégicos – alternativas que realmente cumprem a vocação da terra, que é a silvicultura, a biodiversidade.
Isto é extremamente importante porque a inclusão social e econômica desta população nos ajuda com três objetivos: deter o desmatamento – que é, em suma, remover a base do trabalho das economias ilegais; consolidar o estado social e o Estado de direito; e avançar na consolidação da paz. Atualmente, o desmatamento está intimamente associado a economias ilícitas, tais como o tráfico de drogas, a mineração ilegal e a apropriação massiva de terras.
DC: Os ministros anteriores prometeram grandes ações para conter o desmatamento e nada mudou. Como podemos acreditar que desta vez o problema será enfrentado?
SM: Estamos considerando isto como uma política de Estado integral, não apenas como um problema de responsabilidade do setor ambiental. As consequências são ambientais, é claro, mas precisamos de uma política econômica e social muito séria nestes territórios, e isso vai muito além do Ministério do Meio Ambiente.
Devemos gerar uma nova economia da biodiversidade, de modo que cada pólo de desmatamento se torne um pólo para a economia florestal e a restauração ecológica. Isto implica em oferecer aos camponeses crédito e estabilidade jurídica em termos de propriedade da terra… e isto é um esforço conjunto de todo o Estado.
O outro fator diferencial é a política de “Paz Total” do governo do Presidente Petro. Há também a ferramenta da investigação criminal. Dissemos ao Ministério Público que o que nos interessa são as investigações sobre os fluxos financeiros e aqueles que determinam o desmatamento com poder político – não os camponeses no terreno que estão realizando a operação, que cortam a árvore.
[Até agora] temos lidado com esta questão da mesma forma que com o cultivo da folha de coca, criminalizando o último elo da cadeia – o mais fraco – mas isso não pára o problema. Precisamos de uma intervenção abrangente para que os agricultores e as comunidades recuperem a confiança no Estado.
O Presidente Petro fez uma proposta de troca da dívida externa em swaps da preservação da Amazônia. Houve algum progresso neste sentido?
Sim, ainda está em vigor, e estamos estruturando isso. Mas, além disso, existem mecanismos internacionais, como um fundo que o presidente anunciou na Assembleia Geral da ONU. As swaps pela natureza são importantes porque, em nossa difícil situação fiscal, elas nos ajudam a assumir um compromisso com as políticas públicas.
Vamos estabelecer sinergias em toda a cooperação internacional. Quando cheguei ao ministério, percebi que temos muito dinheiro vindo de fora que está disperso, fragmentado, não ligado a um resultado de política pública. É por isso que uma das primeiras coisas que fiz foi sentar com todos os doadores internacionais para explicar qual será nossa política e onde precisamos deles para ajudar o governo, porque não podemos continuar com cada um fazendo projetos isolados sem que haja clareza sobre os resultados ambientais, e sem que isso esteja ligado a uma política pública.
Depois do México, a Colômbia é o país com o maior número de assassinatos de defensores do meio ambiente. Quando a senhora chegou ao ministério, que estratégias encontrou para protegê-los?
Não havia nenhuma estratégia. Basicamente, no Ministério do Meio Ambiente, isto era visto como um problema da Unidade Nacional de Proteção (para fornecer-lhes guarda-costas) e do Ministério do Interior. Durante a transição do governo anterior houve até funcionários que me perguntaram o que era um líder ambiental, pois os incluíam em uma categoria muito ampla de “líderes sociais”. Nos protocolos internos do governo, a categoria de defensor ambiental sequer existia. Não pode ser assim.
Mas também devemos pensar em prevenção, e prevenção significa ajudar a legitimar os defensores ambientais em seus territórios, reconhecendo-os como uma voz legítima que tem o direito de participar.
Há um estigma que era muito comum no meu tempo como ativista ambiental, e que eu ainda sinto no nível institucional: a marca dos líderes ambientais como adversários do desenvolvimento e da sociedade. Isto os isola e os torna mais vulneráveis, especialmente nas regiões mais violentas do país, e é por isso que as ameaças muitas vezes terminam em assassinatos. Uma forma de prevenção é o Ministério do Meio Ambiente apoiar esses líderes, mesmo no seu direito de discordar dos projetos governamentais. Para isso, formamos uma equipe de 35 pessoas que estarão em campo, gerando um diálogo permanente com eles.
Já ouvimos você falar várias vezes sobre “democracia ambiental”. O que isso significa?
Que a voz dos cidadãos tem um peso real nas decisões ambientais. Por exemplo, hoje, se for concedida uma licença para um projeto, a empresa realiza um estudo de impacto ambiental, apresenta às autoridades e é isso que é avaliado – mas o que é apresentado pelas comunidades que vão ser afetadas não é avaliado com o mesmo peso. [Democracia ambiental] é a possibilidade de participação real e isso inclui a democratização da informação, para dar mais poder ao povo.
Não estamos falando o suficiente sobre as vulnerabilidades da população, os riscos que enfrentam
A transição energética é uma das iniciativas emblemáticas do Presidente Petro. Entretanto, o próprio governo tem enviado mensagens contraditórias sobre este assunto.
Precisamos parar de falar tanto e traçar um roteiro para a transição energética, planejada para 15 anos. Este [roteiro] deve ser construído pelo Ministério de Minas e Energia, em colaboração com todos nós. O que estamos propondo é uma transição planejada e responsável, não algo improvisado, porque os inimigos do processo quiseram caricaturar a questão e vender a ideia de que amanhã vamos acabar com os combustíveis fósseis, e não é esse o caso. A Colômbia é um dos países com maior potencial para a diversificação energética.
Precisamos chegar ao ponto em que a Colômbia vive e se desenvolve sem hidrocarbonetos?
Não apenas a Colômbia – o mundo deve fazê-lo.
E a senhora acha que isso é viável?
O mundo deve reduzir suas emissões em 45% até 2030. O problema é que, mesmo que cumpríssemos os compromissos voluntários do Acordo de Paris, teríamos 14% a mais de emissões [para lidar]. Se acreditarmos no Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, a temperatura vai aumentar mais de dois graus até o final do século, e se isso acontecer, ninguém poderá modelar as consequências. Esse é o risco gigantesco que criamos ao manter uma civilização dependente dos combustíveis fósseis.
Esta questão é central para a discussão na COP27 no Egito?
A redução das emissões deveria ser a questão central, mas não é. Cada vez mais, parece-me que não é disso que se trata a COP. Há países como Rússia, Irã, Iraque e todos os países da Opep que não aceitam os relatórios do IPCC. Sinto que não estamos falando o suficiente sobre as vulnerabilidades da população, os riscos que enfrentam, para onde vamos movê-los e como vamos nos unir aos esforços globais sobre esta questão. E ninguém está isento do desastre climático para o qual não estamos preparados. Nem mesmo os Estados Unidos.
O problema é que não há lógica de cooperação multilateral e a COP acaba sendo uma reunião para mobilizar recursos financeiros. Enquanto isso, a população está cada vez mais vulnerável, a insegurança alimentar está aumentando, as pragas estão aumentando. Sou bastante pessimista sobre esta realidade política, acho que o que temos que fazer, de forma responsável, é tudo o que pudermos no nível micro. Trabalhar de maneira muito prática com nossas comunidades nos territórios.
O Brasil está analisando a possibilidade de geração de energia eólica offshore. O governo de Gustavo Petro propôs a promoção desta forma de geração de energia?
A Colômbia tem potencial em muitos tipos de energia que devem ser desenvolvidos simultaneamente, e temos que pensar na soberania energética – que sejam fontes do país, para o país e que nós não dependamos do mercado internacional, do petróleo. Portanto, os princípios da transição energética são: diversificação, soberania, segurança energética e democratização da produção de energia.
E para estes fins, a China pode ser aliada em questões ambientais?
A China é um aliado em termos de tecnologia e grandes projetos de infra-estrutura, mas a verdade é que hoje nossa relação com a China em questões ambientais não existe. Nestes três meses como ministra, me encontrei com mais embaixadores do que com membros das comunidades, porque a cooperação internacional no setor ambiental é impressionante – mas ainda não me encontrei com a China.